Os últimos suspiros da dinastia Bolsonaro
por Maria Luiza Falcão Silva
Durante algum tempo, parecia que a família Bolsonaro chegara para ficar. Com discursos inflamados, presença constante nas redes sociais e uma base fiel que misturava religião, conservadorismo e desconfiança do sistema político, eles dominaram o noticiário, a internet e o poder. Contudo, como toda dinastia que se apoia mais em símbolos e menos em realizações concretas, os sinais de desgaste começaram a aparecer. Agora, passados seis anos da eleição de Jair Bolsonaro à presidência, a pergunta é: será que a era Bolsonaro está terminando?
Do baixo clero ao centro do poder
Jair Bolsonaro foi deputado federal por quase trinta anos, mas era conhecido por pouca gente fora do Congresso. Representava a ala mais reacionária da Câmara, com frases polêmicas e uma defesa cega da ditadura militar. Era parte do “baixo clero” -sem protagonismo, sem grandes articulações. Um parlamentar medíocre, político de nicho.
O ano de 2018, ano de eleições majoritárias, não foi um ano qualquer. O país vinha de um golpe institucional em 2016, com o impeachment da presidente Dilma Rousseff, e da prisão política de Lula, líder nas pesquisas e símbolo de um projeto popular que seguia vivo no imaginário do povo. Com o PT criminalizado dia após dia por uma campanha orquestrada entre setores da mídia, do Judiciário e do mercado, criou-se um ambiente ideal para o avanço da extrema direita.

A Operação Lava Jato, já claramente seletiva, alimentava o antipetismo como força central da política nacional. Sem Lula na disputa, abriu-se espaço para um nome que prometia “quebrar tudo”: Jair Bolsonaro. Um político obscuro, ex-capitão expulso do Exército, que transformou discurso de ódio em projeto de poder, apoiado por parte do empresariado, do fundamentalismo religioso e da velha elite ressentida, surfou na onda do antipetismo.
A estranha facada, nunca realmente desvendada, em plena campanha eleitoral o transformou em mártir e acelerou sua consagração. As redes sociais fizeram o resto. Com uma militância digital agressiva, um discurso direto e sem freios, e a bênção de setores evangélicos e das forças de segurança, Bolsonaro chegou à presidência da República.
Foi a eleição do ressentimento. Começava ali a dinastia Bolsonaro — agressiva, familiar, digital e sem compromisso com a verdade.
Junto com ele, vieram os filhos: Flávio no Senado, Carlos na estratégia digital e Eduardo na Câmara como “embaixador informal” da extrema direita global. Nascia ali o projeto de uma dinastia, com cada membro da família ocupando um espaço específico do poder.

O reinado: entre o caos e o controle
Durante o governo, o bolsonarismo se organizou como um projeto autoritário, mas com aparência de democracia. O discurso era de combate à velha política. O que se viu, no entanto, foi o uso descarado do orçamento secreto, a compra de apoio parlamentar, o loteamento de cargos. O Brasil mergulhou, consciente ou não, num ciclo autoritário com verniz democrático.
Na pandemia, o negacionismo bolsonarista, matou mais de 700 mil pessoas dais quais estima-se que 400 mil poderiam ter sido evitadas. As vacinas chegaram propositadamente tarde, o país virou pária internacional e as instituições, do Supremo Tribunal Federal à imprensa, foram atacadas dia sim, dia também. Mesmo assim, Bolsonaro manteve sua base firme, alimentada por uma narrativa de guerra cultural contra os “comunistas”, contra o “sistema”, contra a “ciência”, contra qualquer crítica.
Tudo isso funcionava enquanto o líder estava no comando e podia disputar eleições. Mas o segundo mandato não veio.
A queda: inelegibilidade, investigações e desmantelamento
Depois da derrota para Lula em 2022, Jair Bolsonaro não só se recusou a reconhecer o resultado como tentou minar a democracia. As investigações revelaram reuniões de preparação para um golpe de Estado, planos de anular as eleições, articulações com os militares e assassinatos do presidente Lula, do vice-presidente Alckmin e do ministro do STF Alexandre de Moraes. Foi o ponto de ruptura com setores que até então o toleravam ou apoiavam.
Em 2023, o Tribunal Superior Eleitoral declarou Bolsonaro inelegível até 2030. Ele virou um problema jurídico, não só político. Perambula com tornozeleira eletrônica, chorando covardemente à espera de ser preso. A família também começou a desmoronar sob o peso das investigações. Flávio responde por rachadinhas, Carlos por esquemas de espionagem ilegal, Eduardo busca o protagonismo articulando de Miami, com aliados de Trump, medidas punitivas contra o Brasil. Usa o pretexto de combater o “comunismo” para pedir sanções contra o país. A primeira-dama Michelle até tentou posar de sucessora, mas foi rapidamente engolida pelas contradições do clã.

A máquina digital, que já foi afiada e imbatível, perdeu fôlego. As redes ainda existem, os influencers bolsonaristas continuam na ativa, mas sem o mesmo vigor e poder de impacto político e mobilizador. Manifestações a favor da família são cada vez menos numerosas. A extrema direita segue viva, mas começa a se fragmentar.
O bolsonarismo sem Bolsonaro?
Aqui está o ponto central. O bolsonarismo ainda é uma força política no Brasil e está cada vez mais se afastando da figura do ex-presidente. Políticos como Tarcísio de Freitas (SP), Romeu Zema (MG) e Ronaldo Caiado (GO) tentam herdar parte desse eleitorado, mas mantendo distância segura do radicalismo bolsonarista raiz. O Partido Liberal (PL), partido que cresceu muito com Bolsonaro, já ensaia um novo rumo, mais institucional, menos incendiário. Tenta se descolar do clã.
Mesmo os militares, que foram peça-chave do governo, agora parecem estar mais preocupados com sua imagem institucional do que com aventuras golpistas. Alguns aguardam resultados de inquéritos que podem levá-los à cadeia junto com o capitão. E o empresariado, que embarcou no bolsonarismo em 2018, hoje prefere estabilidade.
Aos poucos, a dinastia Bolsonaro vai sendo empurrada para a irrelevância. Sem poder formal, sem projeto claro e com as investigações batendo à porta, os filhos do ex-presidente tentam manter a chama acesa, mas os ventos da história parecem estar soprando em outra direção.

A história mostra que toda dinastia acaba
A história política do Brasil e do mundo mostra que famílias no poder tendem a cair quando confundem o Estado com seus interesses pessoais. O caso dos Bolsonaro não é exceção. Eles criaram um império baseado no confronto, na mentira, no medo, no enriquecimento familiar às custas de dinheiro público. Não conseguiram construir instituições, alianças ou políticas duradouras.
A dinastia Bolsonaro está ruindo. Pode levar tempo até desaparecer de vez, mas o seu auge já passou. E o Brasil, aos poucos, começa a respirar outros ares. A democracia resiste.
Maria Luiza Falcão Silva é economista (UFBa), MSc pela Universidade de Wisconsin – Madison; PhD pela Universidade de Heriot-Watt, Escócia. É pesquisadora nas áreas de economia internacional, economia monetária e financeira e desenvolvimento. É membro da ABED. Integra o Grupo Brasil-China de Economia das Mudanças do Clima (GBCMC) do Neasia/UnB. É autora de Modern Exchange-Rate Regimes, Stabilisation Programmes and Co-ordination of Macroeconomic Policies: Recent experiences of selected developing Latin American economies, Ashgate, England/USA.
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