O governo brasileiro confirmou nesta quarta-feira (23) sua adesão formal à ação movida pela África do Sul na Corte Internacional de Justiça (CIJ), que acusa Israel de cometer genocídio contra o povo palestino na Faixa de Gaza. 

A decisão, segundo nota divulgada pelo ministério das Relações Exteriores, está em “fase final de submissão de intervenção formal no processo”, mas já representa o endosso jurídico e político do Brasil às alegações levadas à Corte pela diplomacia sul-africana em janeiro de 2024.

A base da adesão brasileira é a Convenção para a Prevenção e Repressão do Crime de Genocídio, firmada após a Segunda Guerra Mundial no âmbito das Nações Unidas. 

O Itamaraty afirma que há plausibilidade de que “os direitos dos palestinos de proteção contra atos de genocídio estejam sendo irreversivelmente prejudicados”, conforme já reconhecido pela própria CIJ nas medidas cautelares aprovadas no ano passado.

A entrada do Brasil na ação amplia o peso político da iniciativa sul-africana, que desde o início da ofensiva israelense em Gaza em outubro de 2023 mobiliza governos e juristas internacionais. 

É a primeira vez que o país intervém formalmente em um processo judicial multilateral contra Israel, assumindo posição crítica às violações sistemáticas denunciadas por organizações internacionais.

Violência sistemática e impunidade internacional

No comunicado oficial, o governo brasileiro expressa “profunda indignação” diante dos ataques reiterados contra civis palestinos, tanto na Faixa de Gaza quanto na Cisjordânia. 

A nota denuncia o uso de armamento destrutivo, bombardeios a áreas residenciais e campos de refugiados, além de massacres durante a distribuição de ajuda humanitária. Para o Itamaraty, a comunidade internacional não pode mais permanecer inerte: “Já não há espaço para ambiguidade moral nem omissão política. 

A impunidade mina a legalidade internacional e compromete a credibilidade do sistema multilateral”.

As denúncias do Brasil vão além das operações militares. O país acusa Israel de utilizar a fome como arma de guerra, impedir o acesso de organizações humanitárias, atacar instalações da ONU e destruir sítios religiosos, como a paróquia católica em Gaza. 

A violência de colonos extremistas na Cisjordânia também é citada, incluindo o incêndio às ruínas da antiga Igreja de São Jorge e ao cemitério bizantino em Taybeh.

Um diplomata ouvido pela imprensa brasileira afirmou que os ataques a civis palestinos na Cisjordânia — onde o Hamas não atua — foram a “gota d’água” para a decisão de adesão. A constatação de que a violência vai além do conflito armado direto com o Hamas enfraquece, segundo o governo, a justificativa israelense de autodefesa.

Fome em Gaza e pressão internacional por cessar-fogo

A decisão brasileira também foi influenciada pela deterioração humanitária em Gaza. Na véspera do anúncio, 111 organizações humanitárias e de direitos humanos — entre elas Médicos Sem Fronteiras, Conselho Norueguês para Refugiados e Refugees International — divulgaram comunicado conjunto exigindo um cessar-fogo imediato e o fim das restrições impostas por Israel à entrada de ajuda humanitária.

As entidades alertaram para a propagação da “fome em massa” na Faixa de Gaza, mesmo com toneladas de alimentos e suprimentos retidas nos arredores do território, sem acesso às populações cercadas. 

A denúncia reforça a acusação de que Israel utiliza deliberadamente a privação alimentar como instrumento de guerra — prática proibida pelo Direito Internacional Humanitário.

O Brasil incorporou esse argumento em sua nota oficial e reforçou que a responsabilização de Israel é essencial para garantir que os mecanismos multilaterais não sejam desmoralizados diante de crimes de guerra reiterados. A fome, segundo o governo, passou de um risco humanitário a uma política de extermínio deliberado.

A adesão do Brasil à ação da África do Sul já havia sido antecipada pelo chanceler Mauro Vieira durante a cúpula do BRICS. Em entrevista à emissora Al Jazeera, Vieira afirmou que “os últimos desenvolvimentos da guerra nos fizeram tomar a decisão de nos juntarmos à África do Sul na Corte Internacional” e que “em pouco tempo teriam boas notícias”.

A participação brasileira fortalece a articulação do BRICS em defesa da ordem multilateral e contra o uso de dois pesos e duas medidas no julgamento de crimes internacionais. Com a iniciativa, o Brasil se posiciona ao lado de países que exigem responsabilização de Israel pelas violações em Gaza, rejeitando a narrativa hegemônica de impunidade sustentada por aliados ocidentais.

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Last Update: 24/07/2025