A vitória da Nova Frente Popular no segundo turno das eleições legislativas na França demonstrou a força e a retomada da esperança da esquerda no mundo. O resultado surpreendeu, sobretudo, aqueles que consideram as forças populares incapazes de enfrentar a extrema-direita e se restringem à tática de alianças com a direita nos processos eleitorais e submissão ao programa neoliberal nos governos.

A frente popular, que conta com o Partido Socialista, o Partido Comunista e os Ecologistas, é liderada pelo movimento de Jean-Luc Mélenchon, o França Insubmissa, que desponta como a principal força da esquerda. Isso deve nos dizer algo. Mesmo diante do perigo do avanço da extrema-direita, a esquerda francesa teve a firmeza de manter seu projeto com autonomia, construir uma ampla articulação das forças populares, atuar em unidade de ação com as forças de centro-direita sem perder sua identidade e fazer a disputa dos eleitores insatisfeitos com a condução política e econômica do governo Emmanuel Macron.

O debate sobre a tática para enfrentar as correntes neofascistas que emergiram no último período deve ir além das pesquisas de opinião dentro de uma análise puramente eleitoral, porque um dos fenômenos que marcam a fase atual do capitalismo é a crise das democracias liberais.

Um relatório divulgado pela Universidade de Cambridge em janeiro de 2020 apontou que o índice de insatisfação com o sistema democrático alcançou a marca recorde de 57,5%. O índice aumentou quase 10% desde a década de 90 e chegou ao nível mais alto em 25 anos, quando a série “Global satisfaction with democracy” começou a ser realizada em 154 países. O relatório aponta como razões a crise econômica e a falta de resposta dos governos para problemas econômicos e sociais.

A ascensão da extrema-direita é um dos efeitos mais visíveis da crise do capitalismo sob o neoliberalismo. Correntes neofascistas conquistaram governos e têm crescido nas eleições para o Parlamento na Europa, nas Américas e na Ásia. Essa correntes extremistas de direita têm se colocado na cena política como uma força anti-sistêmica, com uma crítica radical ao modelo político, econômico e social que caracteriza a fase atual do capitalismo. Embora não atuem na prática contra o sistema, têm um discurso de mudança forte e direto que captura as insatisfações.

As políticas neoliberais tiveram efeitos perversos por todo o mundo, com a ampliação substancial da concentração de renda, enfraquecimento do Estado social, as privatizações e reformas fiscais, a desregulamentação do sistema financeiro global, a diminuição do patamar de crescimento da economia com medidas de austeridade e o corte de direitos trabalhistas e previdenciários.

A construção de frentes anódinas de forças muito heterogêneas sem um programa claro e firme de oposição ao neoliberalismo pode até cumprir um papel em uma disputa eleitoral determinada, diante da ameaça do neofascismo, mas não tem condições de contagiar a sociedade e construir uma força política para enfrentar o neoliberalismo. O caminho para derrotar a extrema-direita é combater o neoliberalismo e o sistema político-institucional que legitima seus retrocessos, apontando como perspectiva de futuro a construção de uma nova sociedade.

O resultado das eleições na França deve ser analisado a partir da perspectiva da crise da democracia liberal, da desmoralização do “centro” (ou melhor, da direita tradicional) e da consolidação da polarização da extrema-direita com a esquerda.

A Coalizão Juntos, de direita, liderada por Macron, perdeu 82 cadeiras e deixou de ser a maior força política do país. Ficou atrás da Nova Frente Popular, que cresceu 33 cadeiras, terminando o pleito com 182 representações. Existe um dado relevante nesse processo: embora o Reagrupamento Nacional tenha ficado em terceiro lugar, com 143 cadeiras, ganhou 55 cadeiras em relação ao último pleito. Marine Le Pen, destacada líder dos extremistas, declarou que a vitória deles foi apenas adiada, o que parece ser a tendência.

A eleição na França deixa muitos ensinamentos para a esquerda no mundo e no Brasil. As forças populares precisam ter coragem de se unir, apresentar suas ideias, seu programa e sua simbologia. Nada mais simbólico do que os jovens franceses comemorando e entoando A Internacional em praça pública depois da vitória nas eleições.

A constituição de frentes amplas com forças de esquerda e direita deve ter objetivos claros e tempo definido para impor derrotas à extrema-direita sem confundir a sociedade. Mais do que palavras, as forças populares devem levar a cabo o que prometem quando chegam ao governo e implementar o programa apresentado nas eleições, enfrentando os interesses da classe dominante, para mobilizar a sociedade e avançar com um projeto de superação do neoliberalismo. O povo quer mudanças reais e expressa sua vontade ao abandonar projetos moderados. Resta saber se a esquerda entenderá a mensagem.

Líder do partido de direita radical da França RN (Reagrupamento Nacional), Marine Le Pen

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Última Atualização: 10/07/2024