A crise diplomática entre Brasil e Estados Unidos, acirrada pela carta do presidente Donald Trump com ameaças de sanções e interferência política, trouxe à tona uma fragilidade estratégica há muito ignorada: a dependência tecnológica do país. Em resposta, dezenas de organizações da sociedade civil divulgaram uma carta pública endereçada ao presidente Lula (PT), cobrando um “Plano Digital para a Soberania Nacional“.

A iniciativa é fruto do Encontro Nacional “Soberania Já!”, realizado nos dias 8 e 9 de julho em Brasília. Reunindo parlamentares, pesquisadores, movimentos sociais, sindicatos, universidades, coletivos culturais e comunidades hackers de todo o país, o evento consolidou a Rede Nacional pela Soberania Digital, responsável pela redação da carta.

“O Brasil está sob ataque”

Ao presidente, as entidades não poupam palavras: “O Brasil está sob ataque. E não se trata apenas de ataques às instituições. Atacam a infância, a saúde mental coletiva, a cultura e a ciência.

A carta aponta como inimigo central o “domínio brutal e predatório das big techs”, que avançam sobre os dados, os afetos e a democracia nacional sem qualquer regulação efetiva.

Para os signatários, empresas como Google, Microsoft, Amazon e Meta mantêm o país refém de um modelo tecnológico que mina a autonomia e ameaça a soberania nacional.

O que antes se vendia como inovação e empreendedorismo, hoje se revela como projeto de dominação, manipulação e concentração de capital e poder”, afirma o documento.

A falsa soberania digital

Um dos trechos mais contundentes da carta denuncia o que chama de “mentira da soberania enlatada”. Segundo o texto, empresas públicas estratégicas como SERPRO, DATAPREV e a RNP foram sequestradas por interesses corporativos estrangeiros, passando a operar como “barrigas de aluguel das big techs, instaladas em território nacional“.

O problema, segundo a carta, não é apenas técnico, mas político: “Ao abrir mão de sua soberania, essas instituições lançam tendências para governos estaduais e municipais” e “entregam de mão beijada nossos dados estratégicos ao Cloud Act dos Estados Unidos.”

A legislação norte-americana permite acesso irrestrito a qualquer dado armazenado por empresas dos EUA, o que escancara, de acordo com os autores da carta, as vulnerabilidades críticas da infraestrutura pública brasileira.

Dez bilhões para as big techs

Os números também impressionam. Só nos últimos 12 meses, o Estado brasileiro gastou mais de R$ 10 bilhões com big techs, em contratos de software, infraestrutura e serviços em nuvem. Recursos que, segundo a carta, poderiam estar financiando centros de dados públicos, formação de profissionais, tecnologias livres e plataformas comunitárias.

Além do investimento, o problema passa pela ausência de uma estratégia nacional clara. A carta aponta três obstáculos principais:

  • Fragmentação do tema entre os ministérios e no Congresso;
  • Baixa articulação entre governo e sociedade civil organizada;
  • E o bloqueio criado pelas próprias big techs, que sabotam avanços reais sob o pretexto de “colaborar” com a soberania.

O que pede a sociedade civil

Para enfrentar esse cenário, a Rede pela Soberania Digital solicita uma audiência com o presidente Lula e propõe a criação de uma “Força-Tarefa de Políticas Digitais Colaborativas”, com participação do governo, sociedade civil, academia e especialistas.

Queremos construir juntas e juntos. Mas para isso, precisamos falar a verdade: a soberania digital do Brasil está sendo desmontada, e está sendo vendida como inovação. Nós não aceitamos isso”, diz a carta.

A carta termina com um apelo direto ao presidente: “É preciso olhar para a sociedade civil organizada, coletivos, territórios, comunidades e universidades para perceber que há exemplos de uso do saber inclusivo e democrático que pode ser o ponto de partida para construir um futuro soberano. Com urgência, coragem e esperança.

O documento completo está disponível no site, onde qualquer pessoa ou organização pode assinar e apoiar a causa.

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Last Update: 23/07/2025