Logo após os atos de 10 de julho, o presidente Lula declarou que “A humanidade não quer mais 6×1. É preciso inventar um jeito de ter uma outra jornada de trabalho, mais flexível, porque as pessoas querem ficar mais em casa. As pessoas querem cuidar mais da família.” O presidente ainda afirmou que é necessário convocar trabalhadores e empresários para “inventar” uma nova jornada de trabalho “mais flexível”.
De pronto, a fala foi rapidamente celebrada por organizações como o VAT – movimento Vida Além do Trabalho. Rick Azevedo, em vídeo nas redes sociais, disse tratar-se do primeiro compromisso real do presidente com a causa, referindo-se à promessa de que o governo irá “pesquisar” novas formas de organização do trabalho. Segundo Lula, “vamos utilizar a universidade, a OIT, vamos utilizar tudo que é organização de trabalho e vamos tentar apresentar uma nova forma de trabalhar nesse país”.
Mas afinal, Lula mudou realmente de postura?
Quando os protestos contra a escala 6×1 explodiram em novembro de 2024, Lula manteve um silêncio ensurdecedor. Já o ministro do Trabalho, Luiz Marinho, por sua vez, tentou justificar a escala, afirmando que se tratava de um tema a ser “negociado” entre patrões e empregados.
A posição de Marinho – ex-presidente da CUT – foi, no mínimo, vergonhosa. Todos sabem que o trabalhador, individualmente, não negocia em pé de igualdade com o patrão. E com a informalidade em alta, salários congelados e o medo constante da demissão, não existe negociação real.
A mudança de tom do governo sobre a escala 6×1 aparece no contexto de uma narrativa construída pelo PT e suas frentes amplas: a de que o principal inimigo do povo é o Congresso Nacional. Contudo, longe de romper definitivamente com os interesses dos capitalistas, o objetivo é disputar o centrão “à quente”, com pressão popular, para melhor se posicionar nas negociações com o mesmo Congresso que criticam.
De fato, a recente pesquisa da Quaest mostrou que 70% dos congressistas – que trabalham, diga-se, em escala 3×4 – são contrários ao fim da escala 6×1. Não restam dúvidas de que o Congresso é sim um obstáculo às pautas da classe trabalhadora. Prova disso é que o deputado Hugo Motta mantém engavetada há meses a PEC que propõe o fim da escala 6×1.
Mas não podemos esquecer que Hugo Motta foi eleito com apoio da base governista, incluindo votos do PT. E que a negociação individual entre patrões e empregados foi oficializada pela reforma trabalhista de Temer – duramente criticada durante a campanha de Lula, mas que segue intacta até hoje. O governo, ao que parece, não tem disposição real de confrontar os interesses patronais. Pelo contrário.
A quem interessa que a CLT vire meme?
Não é à toa que a juventude trabalhadora rejeita cada vez mais os contratos regidos pela CLT — não porque não valorizem direitos, mas porque “ser CLT” passou a ser sinônimo de salários baixos, jornadas exaustivas, assédio moral e adoecimento mental, principalmente depois que a legislação trabalhista foi dilacerada pelas reformas neoliberais.
Após a reforma trabalhista, cresceram vertiginosamente os contratos precários: trabalho intermitente, por peça, temporário, terceirizado. O discurso da “flexibilização” e das “novas formas de trabalho” serviu para esconder a intensificação da exploração.
Contratos sem jornada e salário fixo são o sonho da burguesia. Combinados a novas tecnologias e inteligência artificial, permitem racionalizar os processos, reduzir o tempo de trabalho vivo ao mínimo e submeter tudo ao lucro.
Por isso, cabe perguntar: a quem realmente favorecem essas “novas formas de escala” que Lula se propõe a estudar?
O PL dos aplicativos não é modelo para ninguém
Em 2024, o governo Lula apresentou um projeto de lei fruto de um grupo de estudos formado entre governo, empresas e entidades de motoristas de aplicativo. O texto criou a figura do “trabalhador autônomo por plataforma”.
Longe de resolver os problemas denunciados pelos entregadores — que protagonizaram paralisações históricas com o “breque dos app’s” — o projeto legalizou a precarização, ao invés de combatê-la. Sem garantir vínculo empregatício e nem mesmo todos os direitos da CLT, essa nova modalidade livra as empresas de responsabilidades e ainda permite jornadas de até 12 horas diárias.
Se esse é o modelo de “nova forma de trabalhar” que Lula defende, temos motivos para nos preocupar.
O que saiu de moda foram as velhas novidades
A luta contra a escala 6×1 unificou a juventude trabalhadora do comércio, farmácias, supermercados, operários, contratados em regime precário no serviço público e desempregados. Foi um grito de revolta à precarização do trabalho disfarçada de “flexibilidade” e à falência do empreendedorismo que só empurra mais gente para a informalidade.
Não foi só contra a escala 6×1, mas contra a exaustão de trabalhar tanto para ganhar tão pouco, contra a epidemia de doenças mentais e acidentes de trabalho. Por uma vida além do trabalho, redução da jornada de trabalho sem redução de salários, essa luta tem potencial para ir além da pauta imediata.
Demonstra que voltou à moda a luta histórica pela redução da jornada. Foi essa bandeira que tomou conta das ruas no último 1º de maio, relembrando a mobilização dos operários de Chicago, há mais de 130 anos.
Trabalhar menos para viver melhor
A conquista do fim da escala 6×1 — e de outras pautas urgentes — só será real e permanente se for fruto de um movimento com um programa ofensivo da classe trabalhadora contra os capitalistas.
Sem isso, essa bandeira pode virar apenas mais um slogan eleitoral da esquerda da ordem. Ou pior: pode servir de pretexto para implementar um novo modelo de jornada “flexível”, que só beneficiará os de cima.
Afinal, será que essa tal “nova jornada” que Lula propõe não repete a mesma lógica defendida por Marinho — da negociação individual que só fragiliza o trabalhador? Como confiar em promessas de mudança, se até hoje o governo não teve coragem de revogar um único ponto da reforma trabalhista que condenou milhões à informalidade e contratos precários?