O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. Foto: Agência Brasil

Cartas inéditas divulgadas neste domingo (20) revelam detalhes da experiência de exílio do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso após o golpe militar de 1964. A correspondência integra o acervo da Fundação FHC e será publicada em 2026. Em uma das primeiras cartas, datada de maio daquele ano, FHC explica sua saída do país ao então diretor da Faculdade de Filosofia da USP, mencionando o risco de perseguição e a impossibilidade de exercer livremente sua atividade intelectual no Brasil.

Durante os anos de exílio no Chile, Fernando Henrique trabalhou no Instituto Latino-Americano de Planificação Econômica e Social (Ilpes), órgão vinculado à ONU. Suas cartas tratam de temas como o cotidiano da família, os rumos da política brasileira e o desenvolvimento de sua produção intelectual. Ao lado da esposa Ruth Cardoso e dos filhos, ele viveu entre Santiago e, mais tarde, a França, onde manteve intensa atividade acadêmica e trocou cerca de 400 cartas com colegas como Florestan Fernandes e Celso Furtado.

Em suas mensagens, FHC expressava preocupações com a repressão no Brasil, mas também discutia com bom humor sua vida no exterior. Em uma carta a Florestan, escrita durante o réveillon de 1966 no México, ele revelou fragilidade emocional: “Pensei que nesse país estranho eu estaria mais defendido sentimentalmente do que no Chile”. Apesar das dificuldades, o exílio permitiu que ele ampliasse sua análise sobre o papel do empresariado e as limitações do desenvolvimento em economias dependentes, base de sua futura teoria da dependência.

Cartas de FHC. Foto: Reprodução

O tom das correspondências variava entre a crítica ao regime e reflexões sobre a ciência social brasileira. Em 1966, Celso Furtado alertou FHC sobre o risco de surgimento de uma academia despolitizada no Brasil e propôs a produção de livros com forte conteúdo crítico. O objetivo era manter a relevância da sociologia diante da censura e das pressões do regime militar, fortalecendo uma perspectiva latino-americana.

Apesar de viver com certo conforto, como funcionário internacional da ONU, FHC reconhecia o contraste entre sua condição e a de outros exilados. Chamava ironicamente esse momento de “amargo caviar do exílio”. Ainda assim, sua permanência no exterior foi produtiva: publicou obras fundamentais, como “Dependência e desenvolvimento na América Latina”, com Enzo Faletto, e aprofundou sua abordagem comparativa sobre política e economia nos países da região.

Fernando Henrique voltou ao Brasil em 1968, assumiu uma cátedra na USP e, um ano depois, foi aposentado compulsoriamente pelo AI-5. Em resposta, fundou o Cebrap e deu início a uma trajetória que, a partir da reflexão teórica, desembocaria em sua atuação.

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Last Update: 20/07/2025