“Os ditos ‘vitoriosos’ votaram envergonhados porque sabem que a sociedade vai repudiar o projeto. O presidente Lula irá vetar os retrocessos ambientais contidos no texto”

Sob protestos e com o voto contrário da Bancada do PT, a maioria do plenário da Câmara dos Deputados – formada por deputados do Centrão e da extrema-direita bolsonarista – aprovou na madrugada desta quinta-feira (17/7), com 267 votos favoráveis e 116 contrários, o chamado “PL da Devastação” (PL 2.159/2021), que desmonta o licenciamento ambiental no País e enfraquece a atuação de órgãos de fiscalização. O líder do PT, deputado Lindbergh Farias (RJ), afirmou que os ditos “vitoriosos” votaram envergonhados porque sabem que a sociedade vai repudiar o projeto. Ele manifestou ainda a certeza de que o presidente Lula irá vetar os retrocessos ambientais contidos no texto aprovado”.

“Onde estão os ditos vitoriosos esta noite, votando a esta hora, 1h30 da manhã, envergonhados, na calada da noite? Essa ‘vitória’ não resiste às primeiras horas do dia de amanhã. Este Brasil é grande, diverso, e vai nas primeiras horas da manhã repudiar essa votação. Esse é o “PL da Devastação”. Eles estão ali (os apoiadores da proposta) e não comemoram, não têm força, porque sabem que está havendo uma virada na sociedade brasileira. O presidente Lula, com certeza, vai vetar esse PL da Devastação”, bradou o líder petista.

Retrocessos ambientais

O coordenador da Frente Parlamentar Ambientalista, deputado Nilto Tatto (PT-SP), lamentou todos os retrocessos ambientais contidos na proposta. Segundo ele, os apoiadores do “PL da Devastação” não estão preocupados se, por exemplo, a Mata Atlântica é importante como fonte de água ou para o enfrentamento da crise climática. “A preocupação deles é saber se ali é um espaço para explorar, para produzir riqueza concentrada nas mãos de poucos”, disse.

“Não é de graça que a votação desta lei está acontecendo agora, às 3 horas da manhã, no último dia de funcionamento da Câmara antes do recesso. Assim acontece justamente porque acham que a população brasileira não vai perceber. Mas a digital de cada parlamentar que está a serviço dos bancos e que está a serviço do agronegócio vai ficar marcada aqui”, completou o petista.

Licenciamento por autodeclaração

Parlamentares do PT, ambientalistas, cientistas e entidades que atuam na preservação do meio ambiente criticam, entre outros absurdos no projeto, a adoção da autodeclaração para obtenção do licenciamento, para atividades de baixo e médio impacto, sem análise técnica prévia de órgãos ambientais, além do enfraquecimento da fiscalização e atribuições de órgãos ambientais como o Ibama, ICMBio e o Conama.

O projeto também é criticado por dispensar licenciamento para atividades agropecuárias em áreas regularizadas e excluir da análise ambiental os territórios indígenas e quilombolas ainda não homologados. A proposta reduz ainda o papel fiscalizador de órgãos técnicos como o Ibama, ICMBio, Funai e o Conama, inclusive em áreas de proteção.

Além desses retrocessos, o “PL da Devastação” avança ainda sobre um dos biomas mais ameaçados do País, a Mata Atlântica. O projeto flexibiliza normais ambientais ao abrir brechas para o desmatamento, revogando dispositivos da Lei da Mata Atlântica, permitindo a supressão de vegetação nativa mesmo em áreas urbanas.

Cúmplices do retrocesso

Deputados petistas também repudiaram o “PL da Devastação” durante a votação. A deputada Juliana Cardoso (PT-MG), a única da Bancada do PT de origem indígena, afirmou que os parlamentares que apoiaram a proposta vão entrar para a história como “cúmplices do maior retrocesso ambiental da nossa geração”.

“Eu quero perguntar aos deputados e às deputadas desta Casa: Vossas excelências estão preparadas para explicar a seus filhos e a seus netos que os senhores e as senhoras ajudaram a devastar o nosso Brasil? Estão prontos para que seus nomes entrem na história como cúmplices do maior retrocesso ambiental da nossa geração? Os senhores querem que o Brasil esteja acima do lucro em cima da vida das pessoas; querem que passe a boiada em canetada, enquanto o povo segue desabrigado por enchentes, afetado pela seca, intoxicado por veneno”, indagou.

A deputada Erika Kokay (PT-DF) afirmou que, ao votar tamanho retrocesso ambiental, o Congresso que estava sendo chamado de “inimigo do povo” pelo fato de ter se colocado contra a taxação dos mais ricos, agora passa a ser reconhecido como “inimigo da natureza”.

“Este Congresso, que foi citado como o Congresso contra o povo, ou ‘inimigo do povo’, está se consolidando como o ‘Congresso inimigo da natureza’ e ‘inimigo da própria vida’. O direito ao meio ambiente é um direito generoso, porque é um direito de quem ainda vai chegar, para que nós tenhamos uma casa comum preservada, como diz a CNBB”, observou a parlamentar.

Também se manifestaram contra a aprovação do PL da Devastação as deputadas Lenir de Assis (PT-PR) e Maria do Rosário (PT-RS) e os deputados petistas Rogério Correia (MG), Bohn Gass (RS) e Tadeu Veneri (PR).

Veja abaixo os principais retrocessos:

 Licença por Adesão e Compromisso (LAC) – art. 21

O projeto amplia o uso da LAC, permitindo que empreendimentos obtenham autolicenciamento sem vistoria ou análise técnica prévia. Essa flexibilização contraria decisões do STF, que limitam o uso da LAC a atividades de baixo risco. A proposta esvazia a atuação dos órgãos ambientais e torna as vistorias exceção, em vez de regra.

Agronegócio e outras atividades livres de licenciamento – art. 8 e 9

O texto libera atividades agropecuárias por meio de autodeclaração, sem exigir análise de impacto ambiental. Mesmo após ajustes feitos no Senado, a proposta continua desrespeitando decisões do STF que consideraram inconstitucionais normas semelhantes. A medida favorece o avanço do agronegócio sobre áreas verdes, fragiliza o controle estatal e aprofunda riscos ambientais e jurídicos.

Uso da água e do solo – art. 16

O projeto desobriga o empreendedor de apresentar, no processo de licenciamento, documentos que atestem o uso legal da água e do solo. Isso compromete a gestão integrada de recursos hídricos, enfraquece a segurança hídrica e agrava potenciais conflitos ambientais, especialmente diante de eventos climáticos extremos.

Participação das autoridades envolvidas – art. 38 a 42

O texto reduz a obrigatoriedade de participação de órgãos como Funai, Iphan e ICMBio, além de excluir terras indígenas não homologadas e territórios quilombolas sem titulação de áreas que deveriam ser protegidas. Ainda determina que pareceres não são vinculantes e que a ausência de manifestação não impede a emissão de licenças. De acordo com movimentos, medida viola a Constituição e ameaça diretamente os direitos de povos e comunidades tradicionais.

Condicionantes ambientais e responsabilidade – art. 13

As condicionantes ambientais – medidas exigidas para mitigar e compensar impactos – perdem força com o novo texto. As exigências aos empreendedores são reduzidas, comprometendo o equilíbrio entre desenvolvimento econômico e preservação ambiental.

Ausência de critérios nacionais mínimos – art. 4

O projeto não estabelece uma lista mínima de atividades que devem ser obrigatoriamente licenciadas, transferindo essa definição a estados e municípios. Isso fragmenta a legislação ambiental, promove insegurança jurídica e contraria a competência da União prevista no artigo 24 da Constituição. Para especialistas, a omissão compromete a uniformidade da política ambiental em todo o país.

 

Emendas consideradas retrocessos incluídas pelo Senado

 Emenda nº 1 – Inclusão da mineração

A nova redação permite que grandes empreendimentos minerários de alto risco se enquadrem nas regras da nova lei, o que havia sido vetado na versão aprovada originalmente pela Câmara. A mudança representa um risco direto à integridade de áreas sensíveis e comunidades afetadas por esse tipo de atividade.

Emenda nº 3 – Criação da Licença Ambiental Especial (LAE)

A emenda cria a figura da LAE, permitindo que o Conselho de Governo – órgão ligado à Presidência da República – indique projetos “estratégicos” para receber licenças em fase única, sem controle técnico. A medida enfraquece o Sistema Nacional do Meio Ambiente (Sisnama), abre espaço para favorecimentos políticos e fere princípios constitucionais como impessoalidade e prevenção.

Emenda nº 9 – Obras viárias em áreas sensíveis

Essa emenda introduz brechas para dispensar licenciamento ambiental em obras de pavimentação, inclusive em áreas ambientalmente frágeis. Ela pode viabilizar, por exemplo, a retomada da BR-319, considerada de alto risco para o avanço do desmatamento na Amazônia. A medida ignora impactos indiretos e viola o artigo 225 da Constituição.

Emenda nº 11 – Projetos de “segurança energética”

Com critérios vagos e subjetivos, a emenda permite que grandes empreendimentos com alto impacto socioambiental sejam classificados como prioritários e recebam licenciamento simplificado. A mudança reduz o controle sobre projetos que deveriam passar por rigorosa avaliação.

Emenda nº 28 – Revogação da Lei da Mata Atlântica

Um dos pontos mais criticados, essa emenda permite o desmatamento de áreas primárias e maduras da Mata Atlântica sem análise prévia de órgãos ambientais. A medida facilita a supressão vegetal até em áreas urbanas e fere compromissos internacionais assumidos pelo Brasil, como o Acordo de Paris.

 

Héber Carvalho com Brasil de Fato

 

 

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Last Update: 17/07/2025