A imposição de uma tarifa de 50 % sobre produtos brasileiros pelo presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, passou a ocupar o centro do debate político interno e rearranjou interesses de governo federal, governos estaduais, Congresso e setor privado.
A medida, anunciada em 20 de junho e ainda sem data de revisão, tornou‑se pauta obrigatória nas negociações diplomáticas conduzidas pelo Palácio do Planalto e também gerou efeitos colaterais na sucessão presidencial de 2026.
Segundo editorial da Folha de S.Paulo publicado nesta terça‑feira, 15 de julho, o governador de São Paulo, Tarcísio de Freitas (Republicanos), figura como um dos agentes mais afetados. O jornal sustenta que o chefe do Executivo paulista, até então apontado como nome potencial da direita para concorrer ao Planalto, adotou postura que desagradou distintos interlocutores.
O texto da Folha afirma que Tarcísio demonstrou “completa inabilidade política” ao relacionar o tarifaço a uma suposta perseguição judicial ao ex‑presidente Jair Bolsonaro (PL) e ao responsabilizar o presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) pelo desgaste diplomático.
Primeiras declarações e repercussão no meio empresarial
Logo após a divulgação da carta de Trump — documento no qual o líder norte‑americano justifica a tarifa sob alegação de “proteção de mercado” e menciona “caça às bruxas” contra Bolsonaro — Tarcísio apresentou manifestação pública alinhada ao ex‑mandatário brasileiro.
O governador criticou a diplomacia federal, solicitou ao Supremo Tribunal Federal (STF) liberação de passaporte para Bolsonaro e sinalizou que, se eleito presidente, assinaria indulto caso o ex‑chefe do Executivo fosse condenado pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) ou por outras instâncias no processo por tentativa de golpe de Estado.
Empresários paulistas ligados a exportação de aço, alumínio, agronegócio e setor automotivo reagiram de imediato. Associações de comércio exterior apontaram risco de retração de receita caso não ocorra revisão da tarifa.
São Paulo concentra cerca de um terço das vendas do Brasil aos Estados Unidos, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria, Comércio e Serviços. Integrantes da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp) e do Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) procuraram o Palácio dos Bandeirantes para cobrar “postura técnica” nas tratativas com Brasília e com a embaixada norte‑americana, relatou a Folha.
Ajuste de discurso e críticas de aliados bolsonaristas
Diante da pressão, Tarcísio alterou tom de declarações em coletiva no dia 5 de julho. Passou a defender “interesses paulistas” e a destacar necessidade de diálogo direto entre Itamaraty, Departamento de Comércio dos EUA e representantes do setor privado. Em pronunciamento, ponderou que “qualquer gesto produtivo requer ambiente sereno” — frase que sinalizou distanciamento momentâneo de ataques institucionais.
A mudança não conteve reações na base bolsonarista. O deputado federal Eduardo Bolsonaro (PL‑SP) classificou o governador como “desrespeitoso” e insinuou, em rede social, que o ex‑ministro da Infraestrutura teria “abandonado quem o elegeu”. Parte de comunicadores influentes no segmento conservador, como canais de vídeo e podcasts, também passou a questionar lealdade do político paulista ao bolsonarismo. Caciques do Republicanos demonstraram preocupação com impacto eleitoral nas bancadas estaduais, segundo relatos obtidos pela reportagem.
Leitura do Planalto e capitalização de Lula
Enquanto Tarcísio enfrentava desgaste, Lula adotou agenda de reuniões com diplomatas estrangeiros e com associações industriais. Em 3 de julho, o presidente informou que solicitaria consultas formais à Organização Mundial do Comércio (OMC) caso não houvesse recuo norte‑americano. Assessores palacianos relatam que a estratégia busca retratar o governo como defensor de empregos domésticos.
O editorial da Folha conclui que o governador paulista experimenta “o pior dos dois mundos”: recebe críticas de apoiadores de Bolsonaro e, simultaneamente, perde confiança de empresas exportadoras. Lula, por sua vez, amplia espaço ao apresentar narrativa de proteção econômica. Analistas de mercado avaliam que, se o impasse tarifário avançar sem solução, o Planalto poderá, nos próximos meses, converter o tema em ativo político junto a segmentos que dependem da venda externa.
Reações no Congresso e horizonte de negociação
Parlamentares de São Paulo protocolaram nesta semana requerimento de audiência pública com a equipe econômica para examinar cenários de impacto regional. O presidente da Câmara, Arthur Lira (PP‑AL), indicou que pretende criar grupo de trabalho suprapartidário dedicado ao tema. Senadores governistas defendem que o Brasil proponha, em paralelo, agenda de cooperação em setores de energia renovável e tecnologia, mirando possível troca de concessões que permita reverter a tarifa.
Nos Estados Unidos, assessores de Trump afirmam que a medida serve de mensagem para parceiros que, na visão da Casa Branca, “não protegem interesses norte‑americanos”. Delegação de diplomatas brasileiros desembarca em Washington na próxima semana para primeira rodada oficial de conversas desde o anúncio tarifário. O Itamaraty confirma que irá monitorar andamento das tratativas e reportar atualizações quinzenais a ministérios setoriais e às presidências da Câmara e do Senado.
Como o episódio projeta 2026
Estratégias eleitorais para a campanha de 2026 já consideram o lugar de Tarcísio no campo conservador. Dirigentes do PL avaliam dois caminhos: manter aposta em Bolsonaro caso o ex‑presidente recupere direitos políticos ou construir candidatura alternativa sem vínculo direto, hipótese que esbarra em resistência do eleitorado fiel. Republicanos, por sua vez, discutem cenários em que o governador de São Paulo se reaproxima de setores produtivos e reduz aparições ao lado de lideranças bolsonaristas.
Pesquisadores do Centro de Estudos de Opinião Pública (Cesop/Unicamp) observam que crises comerciais tendem a influenciar avaliação de governos estaduais apenas quando há percepção de responsabilidade direta. No caso de Tarcísio, a exposição derivada de comentários alinhados a Bolsonaro criaria associação difícil de dissociar, ainda que o governo federal venha, eventualmente, a negociar saída diplomática satisfatória.
Próximos passos
O governo brasileiro aguarda retorno oficial dos Estados Unidos sobre pedido de flexibilização anunciado em nota de 9 de julho. Caso não haja resposta, o Itamaraty pretende abrir contencioso na OMC com base em cláusulas de preferência previstas no Acordo Geral sobre Tarifas e Comércio (GATT). Paralelamente, entidades do setor privado articulam missão empresarial que inclui encontros com parlamentares norte‑americanos para apresentar dados de impacto em cadeias de produção integradas.
A sequência de movimentações nos próximos 60 dias deve indicar se o tema continuará a moldar ambiente pré‑eleitoral. Até lá, governadores, prefeitos e lideranças partidárias monitoram evolução do caso, conscientes de que cada declaração pode redefinir alianças e posições na disputa presidencial de 2026.