Menos de três dias após o segundo turno das eleições legislativas francesas, o líder do partido França Insubmissa (FI) já começa a sofrer os primeiros golpes de seus “aliados” direitistas. A primeira facada veio justamente do ex-presidente François Hollande, do Partido Socialista (PS), que, em reação à manifestação ao “companheiro” da Nova Frente Popular (NFP) Jean-Luc Mélenchon, do partido França Insubmissa, disse que o líder de esquerda deveria “calar a boca”:

“Se ele realmente quer ajudar a Nova Frente Popular, ele deveria se afastar”, disse Hollande, após o discurso de Mélenchon no 20º distrito operário de Paris, no último domingo (7), quando reivindicou o cargo de primeiro-ministro e o governo, após a divulgação da vitória da NFP. “Ele deveria simplesmente calar a boca”, acrescentou o político do partido, que, de socialista, só tem o nome.

Após o segundo turno das eleições parlamentares, ocorrido no último domingo (7), a coalizão Nova Frente Popular terminou o escrutínio com o maior número de cadeiras na Assembleia Nacional (equivalente à Câmara dos Deputados do Brasil), 180, sendo 142 conquistados no domingo, após mais sete milhões de eleitores franceses apoiarem a coalizão. A coalizão de esquerda, no entanto, aliou-se à frente ligada a outra frente, denominada Ensemble, com os partidos da direita tradicional, incluindo o impopular presidente francês, Emmanuel Macron.

Por meio da aliança informal entre a NFP e o Ensemble criada para impedir a vitória do Reagrupamento Nacional (RN, partido de extrema direita liderado por Marine Le Pen), as duas coalizões têm, juntas, 339 das 577 cadeiras na Assembleia, garantindo uma folgada maioria ao conjunto. Isso foi possível, no entanto, por meio de acordos em que a esquerda impulsionou o fortalecimento da direita tradicional, com a luta contra o avanço da extrema direita se impondo sobre a luta pela independência da classe trabalhadora, resultando em retiradas de candidaturas onde a direita centrista era mais forte e, ainda, em uma anulação do FI em relação aos setores direitistas da NFP, como o próprio desmoralizado PS, que, após o fracasso do governo Hollande, ressurgiu na Assembleia Nacional, com 65 cadeiras, 10 a menos que o FI.

Excluindo-se o FI, as principais forças da NFP são o próprio PS e os também imperialistas Ecologistas, partido que, na esteira da mobilização eleitoral contra o RN, conquistou 33 cadeiras. Com isso, a direita do NFP conta com 98 cadeiras, suplantando o partido de Mélenchon.

Torna-se evidente, portanto, que todas as articulações feitas nas eleições, longe de trazerem uma vitória para esquerda, implicaram em uma derrota dos trabalhadores e da esquerda francesa. Partido dominado pelo imperialismo, o PS renasceu sem nenhuma mudança mínima em sua composição (como demonstra a presença de Hollande) após a derrocada total.

A derrota dos trabalhadores é tanto mais expressiva se for considerado que a esmagadora maioria dos votos que acabaram diluídos entre a NFP no primeiro momento, e a aliança ampla entre a coalizão e o próprio Ensemble, deveriam ir para a FI. As articulações, finalmente, serviram para neutralizar a tendência de voto no único partido da NFP com popularidade real e usar essa popularidade para dar uma sobrevida ao falido centro político dominado pelo imperialismo.

Passada a euforia que acometeu os setores desorientados da esquerda, esse é o primeiro problema que aparece com a nova composição da Assembleia Nacional. O segundo é a reação à reivindicação de Mélenchon e a primeira facada sentida pelo FI. Seria democrático que ele fosse apontado para o cargo de primeiro-ministro, mas não existe a obrigação de fazê-lo, ainda que a NFP tenha a maior fatia dos assentos e o FI seja o maior partido do bloco.

No entanto, o líder do PS, Olivier Faure, já se prontificou a ser primeiro-ministro, o que seria a forma mais benigna do golpe contra o FI: o NFP ganhou a maior quantidade de assentos e governará, porém, através do PS, mesmo não sendo o partido com mais votos na coalizão. Do ponto de vista da composição social e à luz da comparação entre o governo Hollande e Macron, Faure como primeiro-ministro seria uma mera atualização do arranjo político para dar sobrevida à mesma política que vinha sendo praticada com o correligionário de Macron Gabriel Attal, o atual primeiro-ministro.

Com o PS na chefia do governo francês, manter-se-á a mesma posição de Macron em relação a todas as questões essenciais, como a defesa OTAN e do sionismo e a política neoliberal para a economia.

Outro golpe possível é o afastamento do FI da coalizão NFP, com vistas à formação do novo governo, unindo os 98 parlamentares da “esquerda” (PS e Ecologistas) aos 159 macronistas (Ensemble) e aos 39 do partido de Sarkozy, Republicanos, totalizando 296 votos, mais do que os 289 necessários para a maioria absoluta. Abrem-se, nesse desenvolvimento, duas possibilidades: o governo da direita do NFP apoiado por Macron ou governo de Macron apoiado pela direita do NFP.

Atento a esta possibilidade, Macron rejeitou o pedido de demissão de seu primeiro-ministro, Attal, que o anunciara no domingo (7). Muita coisa ainda pode acontecer, o que coloca a necessidade de uma atenção aos próximos desenvolvimentos na França. Mas, até aqui, um fato já está mais do que certo: acreditar no conto do vigário de uma “vitória da esquerda” é um atestado de desorientação enorme.

A única vitória certa no desfecho das eleições francesas foi a do golpe de mão do imperialismo, tal qual fizera no Reino Unido. Outro vencedor, naturalmente, foi o regime de opressão em escala global, que, por meio de trapaças e manobras, como lhe é característico, manteve o controle de dois dos mais importantes países do bloco imperialista, em duas eleições onde estava ameaçado, mas conseguiu manobrar situações críticas e manter a estabilidade de sua ditadura.

Não se sabe até quando, mas, por hora, se manteve.

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Última Atualização: 10/07/2024