O jornalista Jeferson Miola, em artigo do Brasil 247, afirma que “a conjuntura virou espetacularmente a favor do governo Lula e do campo democrático nas últimas semanas”. Mas essa visão otimista ignora uma verdade incômoda: sem uma política que priorize o povo, o governo não estará virando o jogo — estará cavando a própria cova. Em 2025, com a crise econômica apertando e a extrema direita de olho em 2026, Lula precisa abandonar ilusões institucionais e políticas impopulares para vão entregar a vitória de bandeja ao bolsonarismo ou para outro setor da direita.
O contexto político é muito mais tenso do que Miola sugere. Ele celebra a reação do governo à derrota no Congresso sobre o aumento do IOF, afirmando que “a eficiente reação do governo e da esquerda em relação à tentativa de votação do aumento do imposto IOF para compensar a desoneração da folha de pagamento foi um golaço”.
Mas onde está o golaço? Aumentar o IOF, um imposto regressivo que pesa mais no bolso dos trabalhadores, é uma medida impopular que só afasta a base popular do governo. Segundo o IBGE, a carga tributária no Brasil já consome 33% do PIB em 2024, e impostos como o IOF sobrecarregam os mais pobres, enquanto os ricos seguem intocados.
Dados do Ipea mostram que, em 2023, os 10% mais pobres gastaram 32% de sua renda com impostos indiretos, contra apenas 10% dos mais ricos. Como mobilizar o povo com uma política que o penaliza? Além disso, a crise das tarifas de 50% impostas por Trump ao Brasil precisa ser aproveitada, exige uma reação firme com uma política de aumentar a produção nacional, fomentar o mercado interno, reindustrializar o País etc.
A tese aqui é clara: a conjuntura só virará a favor de Lula se o governo abandonar políticas impopulares e se alinhar ao movimento operário e popular, não à fantasia de um “campo democrático” (como diz Miola) com a burguesia.
Miola argumenta que “o governo agora ganhou o mote do inimigo externo para a campanha eleitoral de 2026”, referindo-se às tarifas de Trump. Mas agitar o espantalho (no caso de Trump, que não representa o setor primordial do imperialismo) de um inimigo externo não basta se o governo insiste em erros internos graves, como defender o STF e sua política antidemocrática.
O Supremo, liderado por Alexandre de Moraes, tem promovido censura e perseguição a bolsonaristas, como no caso das investigações contra Bolsonaro, que Miola cita como favoráveis ao governo.
Ele diz que “o impacto do avanço das investigações sobre a tentativa de golpe de estado em 8 de janeiro é devastador para o bolsonarismo”. Mas isso é errado. Na verdade, enquanto o bolsonarismo se fortalece (de fato, apesar da tentativa de fraude eleitoral realizada pelo STF), a esquerda perde apoio ao se colocar contra os direitos democráticos.
Endossar a censura do STF, que suspende perfis nas redes e prende opositores sem direito à justa defesa, é jogar contra a ilusão que chamam de “democracia”.
A esquerda não pode se iludir com a ideia de que, para combater Bolsonaro, é preciso apoiar as medidas autoritárias realizadas pelos agentes do imperialismo “democrático” no Brasil. O STF é um instrumento da burguesia que apoiou o golpe de 2016 contra Dilma, não é aliado do povo — é parte do problema. Lula precisa do movimento operário, dos sindicatos e das ruas, não de uma burguesia “democrática” que nunca existiu e que, em 2016, organizou a destituição de um governo eleito.
Miola acredita que “para o bolsonarismo e para a direita caudatária do fascismo o impacto dos dois fatos é desastroso”. Aqui, ele cai em um otimismo ingênuo que ignora a força da extrema direita. O bolsonarismo não está enfraquecido; pelo contrário, a insatisfação popular com medidas como o IOF e a crise econômica só o fortalecem.
A crise das tarifas de Trump é uma oportunidade tanto para a esquerda quanto para a direita capitalizar o descontentamento. Miola vê uma “erupção política com desdobramentos benéficos ao governo”, mas sem uma política correta, essa erupção será um incêndio que queimará a esquerda.
Se Lula continuar apostando em alianças com a burguesia ou em medidas impopulares, Tarcísio e Bolsonaro sairão fortalecidos, enquanto o governo perde credibilidade. A esquerda, por isso, precisa de uma política que “coloque o trabalhador no centro” (como diria o próprio Lula), como a defesa de empregos e a soberania nacional contra pressões externas.
Outro ponto fraco de Miola é a ilusão do “campo democrático”. Ele fala em “um campo democrático que pode se consolidar em torno de Lula”. Mas que campo é esse? A burguesia que Miola parece cortejar é a mesma que financiou o impeachment de Dilma e que, em 2025, continua lucrando com as reformas trabalhista e da previdência. O golpe de 2016 mostrou que não existe burguesia “democrática” no Brasil.
Lula só terá uma base sólida se mobilizar o movimento operário e popular, como os sindicatos da CUT, que representam sete milhões de trabalhadores, ou movimentos como o MST, que têm força para pressionar por mudanças reais. Acreditar em uma aliança com a burguesia é repetir os erros do passado e abrir espaço para a direita bolsonarista.
O otimismo de Miola é um veneno em doses pequenas. Lula pode, sim, aproveitar a crise, mas só com uma política que rompa com a burguesia, rejeite a censura do STF e priorize o povo. Isso significa investir na produção nacional para gerar empregos. Significa também abandonar políticas impopulares como o IOF e enfrentar o STF, que, com sua cruzada contra a liberdade de expressão, só dá munição à propaganda bolsonarista de vitimização.
Se o governo continuar no caminho atual, a “virada da conjuntura” a favor do governo, anunciada por Miola, será apenas um conto de fadas, enquanto Tarcísio e Bolsonaro riem por último. Lula tem uma escolha: ouvir e mobilizar o povo ou se afundar na ilusão de uma burguesia “democrática” que sempre o trairá.