Aqui está o artigo reescrito:
Oitenta e um bilhões jogados no lixo
Por obra do Poder Executivo, a Cidade de São Paulo foi condenada a um modelo de coleta de resíduos sólidos que exclui catadores e põe em risco a saúde financeira da cidade, além da saúde humana e ambiental.
por [Nome do Autor]
Em outubro de 2004, a então prefeita de São Paulo, [Nome da Prefeita], assinou os primeiros contratos de concessão dos serviços de coleta (comum e seletiva) à iniciativa privada com as empresas [Nome das Empresas], por um prazo de 20 anos, que terminariam em outubro próximo. O equívoco, naquele edital, e antes disso, no art. 38 da Lei 13.478/2002, foi dar a prerrogativa ao Poder Executivo de prorrogar os contratos tão longos por igual período, sem licitação.
É o que o prefeito [Nome do Prefeito] fez, dia 14 de junho, antes mesmo do vencimento dos atuais contratos, para evitar o debate no período eleitoral. E, obviamente, para colher frutos dessa renovação em campanha eleitoral. Tudo foi feito sob sigilo, com o Tribunal de Contas do Município, sem passar pela Câmara Municipal, audiências públicas ou qualquer debate mais amplo a respeito de uma questão dessa envergadura.
Aliás, seria mesmo apenas uma prorrogação, ou se trata de novos contratos, verdadeiramente? A própria prefeitura, aliás, reconhece isso em várias passagens dos documentos enviados ao TCM. Sem entrar nos outros absurdos, apenas isso desautorizaria e colocaria na ilegalidade a operação de suposta prorrogação, exigindo, no mínimo, nova licitação.
Os novos contratos representam um aumento de 223% dos gastos municipais no sistema todo, totalizando R$ 81 bilhões pelos próximos vinte anos, ou R$ 4 bilhões anuais ou assustadores R$ 11 milhões por dia! Hoje, a prefeitura gasta cerca de R$ 1,8 bilhão por ano, o que já é uma enormidade.
Os contratos preveem, ainda, os maiores investimentos em duas Unidades de Recuperação Energética (UREs), nome pomposo para incineradores de resíduos. Aqui adianta muito pouco argumentar que se trata de novas tecnologias, como a pirólise, porque, ao final de tudo, o que vai acontecer é a geração de energia elétrica a partir da queima de um combustível não renovável.
Serão enormes estruturas, caríssimas, cuja construção consumirá milhões de reais, e cuja manutenção e operação também drenará muitos recursos, considerando-se o elevado custo de filtros de gases. Ao final, ainda haverá emissões e, sempre, a ameaça à saúde pública e ambiental, decorrentes da falta de fiscalização do poder público e da diminuição de custos típica da iniciativa privada nessas operações no Brasil.
Aí reside um ponto que é preciso deixar muito claro: as UREs não são nem nunca serão soluções ambientalmente adequadas ou protagonistas de economia circular no Brasil. São exatamente o contrário disso, pois não geram incentivos à reciclagem, pesquisa e desenvolvimento de novos materiais para embalagens, redução de sua produção, extração e uso de matérias primas virgens e, finalmente, qualquer traço de educação ambiental.
Ademais, é mentiroso dizer que UREs são a solução mais moderna nos países desenvolvidos. Existe um passivo de muitas unidades construídas no passado, cujas novas implantações são desencorajadas e até proibidas em diversos países, atualmente.
Mas há mais a dizer sobre os novos contratos e modelo de gestão de resíduos sólidos escolhidos pelo poder político e econômico. Ele é excludente, pois não inclui os mais importantes agentes da reciclagem, os catadores e catadoras.
Estima-se que na capital haja, pelo menos, vinte mil pessoas vivendo diretamente da reciclagem. São catadores e catadoras cuja eficácia na coleta é quatro vezes maior e cujo custo é quatro vezes menor. A oportunidade de geração de empregos na coleta seletiva é enorme. Atualmente, a prefeitura “habilita” pouco mais de vinte cooperativas e remunera seu trabalho de triagem dos recicláveis nas centrais quase do mesmo modo como se fazia no feudalismo ou durante o período da economia escravocrata: seu pagamento é com os próprios resíduos que elas separam. Sim, é isso mesmo, pagamento com o produto do próprio trabalho, cujo valor flutua ao sabor do “mercado” de recicláveis. Não há exploração maior.
Pergunta-se: por que as cooperativas não são merecedoras de contratos para realizar a coleta seletiva? Porque há racismo, preconceito de classe e domínio do poder econômico.
A prefeitura tem ciência de que o modelo de coleta porta a porta feito por cooperativas é mais barato e mais eficaz. Ela dispõe de estudos feitos à época da elaboração do Plano de Gestão Integrada de Resíduos Sólidos (PGIRS), em 2014, que fizeram a comparação de custos e eficiência entre cooperativas e concessionárias.
Ou seja, o Executivo optou por um modelo mais caro e menos eficaz, que não gera empregos, não aumenta a reciclagem e que beira a improbidade administrativa (Lei federal 8.429/1992, arts. 10 e 11) e poderá caracterizar irresponsabilidade fiscal, caso não cumpra os requisitos legais (Lei complementar 101/2000, arts. 16 e 17).
Para finalizar, vejamos a justificativa e o embasamento que a prefeitura apresentou para prorrogar os contratos bilionários. Trata-se de estudos da FIPE (Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas), ligada à Faculdade de Economia e Administração da Universidade de São Paulo (FEA-USP). A fundação é responsável por importantes índices econômicos e de preços, tais como o IPC-Fipe, que apura os preços ao consumidor na Cidade de São Paulo.
O relatório da Auditoria do TCM, enviado à SP Regula/Prefeitura de São Paulo no final de fevereiro passado fazia diversas recomendações e apontava erros de vários tipos, inclusive materiais, no estudo da FIPE que embasava a ação da SP Regula e a elaboração dos novos contratos.
Os chamados “Achados da Auditoria” desmontam, desmoralizam e até mesmo apontam a ilegalidade de não haver referência nem observância das diretrizes e indicações do PGIRS paulistano, o documento mais importante vigente no assunto. Propositadamente, o arrazoado da FIPE menciona apenas o Planares (Plano Nacional de Resíduos Sólidos), documento elaborado na gestão bolsonarista, além de ignorar também pontos importantes da Política Nacional de Resíduos Sólidos, notadamente os que se referem à prioridade da reciclagem sobre a incineração ou outros tratamentos, e à obrigatoriedade de implantar sistemas para compostagem de resíduos orgânicos, que representam quase 50% de nosso lixo doméstico.
É preciso que fique claro: o PGIRS é mais importante para o município do que o Planares, exatamente porque é específico e traz parâmetros municipais, enquanto o Planares traz apenas nacionais. Não seguir o PGIRS é ilegal.
O corolário dos argumentos da FIPE, para justificar a não coleta de orgânicos na cidade, foi escrever que apenas o preço de sacolinhas biodegradáveis distribuídas aos cidadãos inviabilizaria economicamente tal operação. Só tem um detalhe: essa prestigiosa instituição estimou o custo de cada sacolinha a R$ 0,39, quando qualquer pesquisa de Google aponta para R$ 0,05.
A Auditoria do TCM aponta equívocos grosseiros na contabilidade dos valores que a prefeitura supostamente deve às concessionárias – e que ela alega estar economizando com as renovações –, indica também que os contratos propostos são novos, e não apenas prorrogações, além de diversos outros pontos que devem ser reexaminados pela Justiça.
Infelizmente, os apontamentos da Auditoria do TCM foram ignorados pela SP Regula/prefeitura e até mesmo pelos conselheiros do TCM, visto que aprovaram o processo de prorrogação.
Sem nenhum debate, participação ou transparência, Ricardo Nunes prorrogou o segundo maior contrato do município – atrás apenas do transporte – e o primeiro contrato de coleta de lixo do país.
Além disso, Nunes terá de explicar isso à população e assumir que vai contra o Objetivo do Desenvolvimento Sustentável no 12 (“assegurar padrões de produção e de consumo sustentáveis”) e a todas as discussões e decisões atuais em direção à mitigação das emergências climáticas.
Carlos Thadeu C. de Oliveira – Sociólogo e coordenador de Incidência Política da ONG Pimp My Carroça/Cataki, que apoia os catadores de materiais recicláveis.
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