Em coletiva de imprensa nesta segunda-feira (7) após o encerramento da Cúpula dos Chefes de Estado do bloco, presidente ressaltou principais pontos do encontro no Rio de Janeiro e disse ser necessária uma mudança estrutural na geopolítica internacional
“O Brics é um novo jeito de a gente fazer o multilateralismo sobreviver no mundo. A gente não quer mais um mundo tutelado. A gente quer fortalecer o processo democrático, o processo multilateral. A gente quer a paz, o desenvolvimento e a participação social. Se a gente quiser criar alguma coisa nova no mundo, a gente vai ter que criar novos paradigmas de participação e não pode repetir os mesmos erros”.
Com essas afirmações, durante coletiva de imprensa nesta segunda-feira, 7 de julho, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva resumiu sua visão do que o Brics representa para o cenário geopolítico internacional. A Cúpula dos Chefes de Estado do bloco, encerrada hoje no Rio de Janeiro (RJ), foi a primeira a reunir 11 membros titulares e 10 países parceiros.
O encontro também contou com a participação de oito países convidados e de diversos representantes de organizações internacionais, incluindo o secretário-geral da ONU, António Guterres; a diretora-geral da Organização Mundial do Comércio, Ngozi Okonjo-Iweala; o diretor-geral da Organização Mundial de Saúde, Tedros Adhanom Ghebreyesus; e a presidenta do Novo Banco de Desenvolvimento, a ex-presidenta Dilma Rousseff.
Reestruturação Internacional
Para Lula, o bloco – do qual fazem parte, como países-membros, o Brasil, a Rússia, a Índia, a China, a África do Sul, a Arábia Saudita, o Egito, os Emirados Árabes Unidos, a Etiópia, a Indonésia e o Irã – se fortalece a cada ano como uma alternativa para uma reestruturação internacional, capaz de lidar com os crescentes desafios deste século.
“A gente não quer mais guerra fria, a gente não quer mais desrespeito à soberania, a gente não quer mais guerra. É por isso que a gente está discutindo com muita profundidade a necessidade de mudança estrutural. Inclusive no Estatuto da ONU, para que a gente possa recriar alguma coisa com base nos acontecimentos geopolíticos de 2025 e não de 1945. Aquele mundo ficou para trás”, frisou o presidente.
Multilateralismo, Guerras e ONU
Lula voltou a defender o multilateralismo como a forma mais eficaz para um debate internacional aprofundado e para a busca de consensos. Desde a Segunda Guerra Mundial, observou o presidente, o atual modelo de governança global tem 80 anos de experiências a serem avaliadas, e é preciso discutir o que deu certo e o deu errado.
“O multilateralismo foi uma coisa que deu certo. Querem destruir. Precisamos ter consciência de que o mundo precisa mudar. Nós estamos vivendo hoje, possivelmente, depois da Segunda Guerra Mundial, o maior período de conflito entre os países. É guerra esparramada para tudo quanto é lado. A guerra Rússia e Ucrânia, quem é que negocia? Não tem uma instituição capaz de sentar na mesa, se os dois que estão em guerra, fazer uma avaliação e fazer uma proposta”, cobrou Lula.
“Cadê a instituição multilateral para colocar um fim nisso? Não existe. A ONU deveria estar coordenando, mas a ONU não pode coordenar porque ela está envolvida nisso. Quando eu digo a ONU, é porque a ONU tem três (países) no seu Conselho de Segurança que estão envolvidos nisso. Com raríssima exceção a China, que não está. Mas o restante está envolvido, tanto da Europa quanto dos Estados Unidos. É por isso que nós estamos reivindicando uma mudança na governança mundial. Que participe país africano, país do Oriente Médio, que participe país da América Latina, que participem outros”, cobrou o presidente.
FMI
Outro ponto em que o Brics pode inovar, segundo Lula, é na apresentação de um novo modelo para o sistema financeiro, que contribua para que as nações em desenvolvimento, principalmente aquelas do Sul Global, possam crescer e elevar seus patamares de qualidade de vida.
“A gente não quer mudança no FMI porque eu não gosto do FMI. A gente quer mudança do FMI para o FMI ser um banco de investimento para atender a necessidade dos países mais pobres. Não é para emprestar dinheiro e levar os países à falência, como tem acontecido. Porque o modelo de austeridade que tem sido feito com outros países é fazer com que a dívida seja impagável cada vez mais”, disse.
Sistema Financeiro
Criado em 1944, o Fundo Monetário Internacional (FMI) nasceu durante a Conferência de Bretton Woods e iniciou sua atuação em 1945, quando 29 países, entre os quais o Brasil, subscreveram o convênio constitutivo do organismo internacional. O FMI conta atualmente com 189 países-membros.
“O Banco do Brics (Novo Banco de Desenvolvimento, NDB, na sigla em inglês) serve de modelo para que a gente possa criar um novo tipo de financiamento, em que a gente possa garantir, inclusive, que em alguns países a dívida possa ser utilizada como forma de investimento em infraestrutura, no setor da saúde, no setor energético, no setor de infraestrutura. Alguma coisa tem que mudar. O que a gente não pode é continuar com a mesmice de sempre”, afirmou Lula.
Moeda Local
Indagado sobre as discussões para que as negociações entre os países do Brics possam ser feitas em moeda local, substituindo o dólar, Lula disse que se trata de um caminho natural, que não pode ser freado. “É uma coisa que não tem volta. Isso vai acontecendo aos poucos e vai acontecendo até que seja consolidado. Ninguém determinou que o dólar é a moeda padrão. Em que fórum foi determinado?”, questionou.
Lula inclusive lembrou o exemplo de Brasil e Argentina. “Em 2004, nós aprovamos um comércio entre Brasil e Argentina que poderia ser feito nas moedas locais. Eu acho que o mundo precisa encontrar um jeito de que a nossa relação comercial não precise passar pelo dólar. Quando for com os Estados Unidos, ela passa pelo dólar. Mas quando for com a Argentina, não precisa passar. Quando for com a China, não precisa passar. Quando for com a Índia, não precisa passar. Quando for com a Europa, discute-se em euro. Obviamente que nós temos toda a responsabilidade de fazer isso com muito cuidado. Os nossos bancos centrais precisam discutir isso com os bancos centrais dos outros países”, ressaltou.
Inteligência Artificial
Em um mundo cada vez mais marcado pelo uso de inteligência artificial, Lula defendeu ainda que a IA não fique limitada a apenas alguns países e algumas empresas. Para ele, trata-se de uma tecnologia que precisa ser democratizada. “É preciso que a gente, no Brics, crie um sistema de discussão em que todos possam ter acesso à inteligência artificial. Ela não pode ser uma coisa de dominação, de meia dúzia de empresas que vão controlar os bancos de dados no mundo. Eu acho que, por conta disso, o Brics está incomodando”, declarou.
Debates Frutíferos
Para Mauro Vieira, ministro das Relações Exteriores, a Cúpula do Brics no Rio de Janeiro conseguiu avançar em questões muito atuais para a humanidade. “Realizamos debates frutíferos ao longo das três sessões. Tratamos da reforma da governança global, do fortalecimento do multilateralismo e da inteligência artificial, do meio ambiente e da saúde”, pontuou.
“Foi adotada uma Declaração de Líderes forte e que cristaliza nosso entendimento comum sobre a reforma da governança global como um dos mais urgentes desafios na luta contra o unilateralismo. Houve um apoio claro da China e da Rússia, membros permanentes do Conselho de Segurança, ao maior protagonismo do Brasil e da Índia naquele órgão, o que é um avanço importante de todas as reuniões anteriores. Não nos omitimos sobre os temas mais prementes da política internacional”, concluiu o ministro.
Publicado originalmente pela Agência Gov em 07/07/2025