Denúncias de prisões ilegais, racismo e violência marcam a nova onda de ações judiciais contra a política migratória do governo Trump
Nos últimos meses, o governo do presidente Donald Trump tem enfrentado uma crescente avalanche de ações judiciais que acusam as autoridades federais de ilegalidades em operações de detenção e deportação. As medidas de endurecimento nas políticas migratórias têm gerado críticas severas por parte de grupos de defesa dos direitos humanos, advogados e cidadãos que afirmam terem sido vítimas de abordagens violentas, prisões sem mandado e até racismo institucionalizado.
Segundo uma análise da Bloomberg, mais de 150 ações judiciais foram movidas nos Estados Unidos desde o início do segundo mandato de Trump, em janeiro, todas questionando os métodos utilizados pelo governo para identificar, deter e deportar estrangeiros considerados ilegais no país. Esses processos cobrem uma ampla gama de violações alegadas — desde danos ao meio ambiente na construção de centros de detenção até práticas que supostamente desrespeitam direitos constitucionais de privacidade e segurança.
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Um dos casos mais polêmicos envolve uma ação coletiva arquivada em 2 de julho em Los Angeles, na qual defensores dos imigrantes acusam o governo de criar “uma rede ilegal de detenções e deportações que não mostra sinais de cessar”. O processo destaca que agentes fortemente armados estariam usando força excessiva, fazendo prisões sem ordem judicial e aplicando perfis raciais para prender pessoas não brancas — incluindo cidadãos norte-americanos. Os autores da ação solicitaram uma medida emergencial para impedir que as autoridades continuem realizando operações com base na cor da pele.
Além disso, há relatos preocupantes sobre como os detidos estão sendo tratados. Em outra frente legal, um cidadão norte-americano preso em junho próximo a uma loja da Home Depot em Los Angeles entrou com um pedido administrativo exigindo US$ 1 milhão em indenização. Segundo documentos entregues ao Departamento de Segurança Interna no dia 1º de julho, Job Garcia foi detido enquanto filmava agentes fazendo outras prisões no estacionamento da loja. Ele permaneceu sob custódia por 25 horas antes de ser liberado sem qualquer acusação formal.
Thomas Saenz, presidente e conselheiro geral do MALDEF (Mexican American Legal Defense and Educational Fund), que representa Garcia, afirmou que a intensificação das operações de imigração pelo governo Trump “é o que resulta em prisões indiscriminadas, frequentemente violentas, prejudicando pessoas alvejadas sem motivo válido”. Para ele, a postura do governo está colocando em risco não apenas estrangeiros, mas também cidadãos americanos.
A porta-voz do Departamento de Segurança Interna, Tricia McLaughlin, rebateu as acusações, afirmando que as operações são “altamente direcionadas” e que os agentes cumprem todos os protocolos legais. Ela classificou as denúncias de perfil racial como “nojentas e categoricamente falsas”. Sobre o caso de Garcia, ela afirmou que o homem teria agredido verbalmente e atacado fisicamente um agente da Patrulha Fronteiriça. A versão contraditória é contestada por Saenz, que diz que Garcia estava exercendo seu direito à livre expressão.
A escalada nas operações de imigração foi uma das bandeiras centrais da campanha de reeleição de Trump. Desde o início do ano, as prisões e detenções de imigrantes aumentaram significativamente. No começo de junho, o Immigration and Customs Enforcement (ICE) mantinha mais de 50 mil pessoas sob custódia — um número não visto desde 2019, durante o primeiro mandato do presidente.
As ações judiciais costumam surgir logo após anúncios ou implementações de novas políticas governamentais. Nos primeiros meses do mandato, juízes já analisavam recursos contra ordens executivas que visavam restringir a cidadania automática por nascimento e limitar o acesso de refugiados aos EUA. Depois vieram reclamações contra a expulsão acelerada de membros de gangues venezuelanas, utilizando leis de emergência da época de guerra, bem como a revogação do status legal de estudantes estrangeiros. Todos esses casos ainda tramitam na Justiça.
Enquanto isso, no sul dos Estados Unidos, o aumento das prisões levou ao projeto de construção de uma nova instalação de detenção imigrante no pântano da Flórida, apelidada pelas autoridades locais de “Alligator Alcatraz”. Com capacidade para até cinco mil pessoas, a estrutura já começou a receber detidos no início de julho. Mas ativistas ambientais e juristas contestam sua existência, alegando que o governo federal não fez as análises obrigatórias de impacto ambiental.
O Departamento de Justiça argumenta que a responsabilidade pela construção cabe ao estado, com base em poderes emergenciais concedidos pelo governador Ron DeSantis, que busca reduzir a superlotação nas cadeias locais. Apesar disso, um grupo de defesa ambiental e de direitos humanos pediu urgência ao tribunal federal para suspender a obra, mas ainda não há data marcada para audiência.
Outro ponto de conflito surgiu recentemente com uma ação movida por promotores-gerais democratas de vários estados. Eles entraram com uma ação judicial para impedir que o Departamento de Saúde e Serviços Humanos compartilhe dados de beneficiários do Medicaid — programa federal que oferece assistência médica a famílias de baixa renda — com as autoridades de imigração. A preocupação é que informações pessoais sejam usadas para identificar e deportar imigrantes, mesmo aqueles que têm direito legal ao benefício.
Os representantes estaduais também solicitaram que registros obtidos em junho fossem destruídos ou devolvidos, e alertaram que, caso as famílias evitem usar o serviço médico por medo de represálias, os próprios estados terão que arcar com os custos. “Estamos sendo usados em prol de uma cruzada anti-imigrante”, disse um dos promotores.
McLaughlin, da Segurança Interna, defendeu a troca de informações como necessária para garantir que apenas pessoas elegíveis recebam benefícios públicos.
Com tantos processos em andamento e mais ações previstas, o cenário atual retrata um país dividido entre a política de portas fechadas pregada pelo governo Trump e os grupos que defendem que os direitos humanos, civis e ambientais não podem ser sacrificados em nome de uma agenda migratória mais rígida. Enquanto os tribunais decidem o futuro dessas medidas, as ruas, cortes e comunidades seguem tensionadas, num jogo de xadrez político e humano cujas consequências afetam milhões de vidas.