Primeiro foram os leões devolvidos à savana de Cannes. Agora, os mamíferos voltaram ao centro da polêmica. O que sobra disso tudo, no mundo quase selvagem da publicidade brasileira, é um problema que vai além das agências: ele também habita as áreas de marketing.

A discussão sobre os leões “caçados” já foi tratada de forma exaustiva. Uns abordaram o uso equivocado da inteligência artificial. Outros, a crise que abalou uma das marcas mais prestigiadas da publicidade nacional: a DM9. Os leões voltaram para a jaula, mas o problema persiste e vai além.

É inegável a criatividade da publicidade brasileira. Também é sabido que agências no mundo inteiro inscrevem campanhas veiculadas uma única vez, apenas para concorrer a prêmios. Os festivais fecham os olhos e se tornam vitrines de roupas que jamais serão vendidas. Ainda assim, o prestígio dos prêmios é real. As agências os usam como diferencial competitivo. Mas, no dia a dia, a rotina é outra: atender às demandas reais dos clientes.

Alguns diretores de marketing adoram agências premiadas. Se uma campanha falhar, podem alegar que escolheram os melhores, se protegendo de críticas. Mas atenção: nenhuma campanha vai ao ar sem aprovação. No sucesso e no fracasso são todos cúmplices.

Publicidade é tática, não estratégia. Tampouco é a única responsável pelo sucesso, aqui entendido como metas batidas. Sua eficácia depende de o produto estar no ponto de venda (ou marketplace), com exposição adequada, preço justo na visão do target, atributos que atendam ao consumidor e margem para o canal. Se essa engrenagem falha, a publicidade também falha.

O risco da “grande ideia”, além de devolver leões, é alimentar a ilusão de que uma sacada resolve tudo. É o caso de outra polêmica animal: os mamíferos da Parmalat. Criada em 1996, a campanha com crianças vestidas de bichinhos virou um ícone da publicidade brasileira. Houve distribuição de pelúcias — e o sucesso foi tanto que o estoque evaporou. Um feito histórico, também da DM9. Em 2007, a Parmalat resgatou os mamíferos, já adolescentes.

Agora a NotCo — marca de alimentos à base de plantas — decidiu trazer os mamíferos de volta, mas sob um viés negativo. Os bichinhos, agora crescidos, sofrem de estufamento por consumirem leite de origem animal. A campanha foi criada pela agência David. Não sei qual o briefing que deu origem à campanha.

Responder a uma campanha com outra, ainda mais no mesmo segmento, raramente é boa ideia. A NotCo contraria sua própria proposta de desenvolver produtos idênticos em textura e sabor aos de origem animal. Se seu produto realmente reproduz sabores com perfeição, por que mostrar efeitos negativos do leite tradicional? Talvez fosse mais eficaz mostrar os mamíferos com amigos tomando NotMilk sem notar diferença. Alguns poderiam até tomar leite comum. E os que não podem ou não querem não seriam excluídos. Isso poderia estimular a experimentação por quem não é vegano e não tem problemas com o leite de origem animal. Manter o foco no posicionamento é fundamental, especialmente quando as verbas não são milionárias. Se gerasse experimentação, teria um público muito maior. Aliás, se era para buscar uma campanha do passado poderia ser a da Schin, onde o mote era “experimenta, experimenta”. Ainda assim seria bom negociar com a Parmalat ou quem quer que seja.

A tentação de gerar polêmica é grande. Como se a polêmica garantisse lembrança de marca. Arrisco dizer que a Parmalat saiu mais fortalecida e lembrada. Se a lógica é polemizar, há um universo de slogans prontos. Imagine campanhas como “O primeiro gim a gente nunca esquece”, “Tênis branco é isso aí”, “SUV tem 1001 utilidades”, “Preservativo, uma boa ideia”… e por aí vai. Polêmicas de campanhas vetadas pelo Conar são tema entre publicitários e não atingem consumidores.

Áreas de marketing devem ser eficientes. Criatividade é ferramenta auxiliar. Profissionais de marketing devem conversar com o comercial, dialogar com o financeiro, ir a campo, entender margens, objeções e estoques. Posicionar uma marca é missão do marketing e responsabilidade grande demais para ser terceirizada.

Campanhas buscam estimular consumo e consolidar marcas. Se falham, afetam negócios e, consequentemente, empregos. Propaganda é um negócio. Ignorar isso é agir como Nero, lançando postos de trabalho e leões na mesma arena. E, claro, torcer para os leões.

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Last Update: 07/07/2025