Desde o ataque do Hamas ao sul de Israel, o estado sionista está fazendo uma guerra de extermínio contra todos os setores que se opõem a sua dominação. O aspecto mais sinistro dela é a ofensiva genocida sobre a Faixa de Gaza que destruiu totalmente sua área habitável e causou mais de 60 mil mortos – mulheres e crianças são a maioria entre eles-, além dos que estão sob os escombros, os feridos ou os desaparecidos. Registre-se que a Faixa foi uma criação artificial do novo estado sionista em 1948-49, o que explica seu formato retangular, tendo concentrado nesta pequena área um enorme reservatório de refugiados palestinos expulsos do novo estado de Israel e seus descendentes. Essa origem e concentração em 2% da Palestina Histórica explicam por que foi sempre o setor mais forte na resistência palestina. Mas os massacres perpetrados por Israel, tão comuns na Faixa, nunca tiveram esta dimensão e caráter tão bárbaros como agora.

A direção do estado sionista se aproveitou da comoção sem precedentes em Israel pela derrota sofrida nas primeiras horas do ataque de 07/10/2023, que derrubou a cerca que impede a circulação dos habitantes de Gaza e depois assaltou as bases militares que cercam a Faixa e que garantem a soberania colonial israelense sobre o território habitado por palestinos. O ataque contra civis israelenses, lamentável, foi um fato posterior naquele dia e foi o mais importante para unificar os judeus israelenses no apoio a uma represália sem piedade à ousadia dos palestinos em se revoltar contra a terrível opressão que sofrem desde 1947-8 e determinou a dimensão e os métodos de uma operação militar que já passou de 636 dias. É fundamental também compreender que a grande maioria dos que fizeram a ação de 7 de outubro era composta de descendentes dos palestinos que moravam em 1948 em aldeias sobre cujos escombros foram construídos os kibutzim atacados e que nunca mais puderam retornar a elas.

A ascensão de um governo Republicano de extrema-direita nos Estados Unidos, que tende sempre a ser ainda mais favorável a Israel do que os dos Democratas, potencializou a costumeira violência colonial do sionismo, em um espasmo de barbárie que, nas últimas semanas, concentrou-se no bloqueio da entrada ajuda humanitária – única fonte de nutrição em Gaza- e agora, nas operações de tiro ao alvo contra civis palestinos que formam filas para receber essa ajuda, incluindo mulheres e crianças. Só nesta semana mais de 600 palestinos foram assassinados a sangue frio esperando a comida para suas famílias. As imagens de crianças morrendo de fome nos levam a recordar outros casos do estilo como na província separatista de Biafra, província da Nigéria, entre 1967 e 1970. A diferença é que vemos essas cenas em tempo real, assim que ninguém poderá alegar desconhecimento.

O governo Netanyahu segue buscando a limpeza étnica de Gaza, apoiado publicamente por Trump, mas nenhum país árabe aceitou ainda a ”transferência” de mais de um milhão de palestinos a seus territórios para abrir espaço a uma nova “colonização” de Gaza, como houve depois da guerra de 1967, mas em uma dimensão muito maior. Não é por nenhuma preocupação com a vida dos palestinos que os reacionários governos árabes que fazem fronteira com Israel negam-se a aceitá-los, mas pelo medo de que a população árabe, apoiadora fervente da causa palestina, veja esta posição como conivente com Israel e porque esses refugiados recomeçariam a luta contra Israel e causariam problemas internos importantes, como na península do Sinai, no Egito. De qualquer forma, apesar de tudo, a resistência ao assalto sionista em Gaza continua e segue provocando baixas no exército de ocupação.

Na Cisjordânia, o aumento da pressão se expressa no aumento dos ataques dos colonos armados que buscam destruir plantações de palestinos e a expropriação de suas terras. O exército apoia os colonos e faz operações punitivas nos lugares em que essa resistência – liderada pela juventude palestina – está mais ativa, como nas cidades de Jenin e Nablus.

Além disso, a repressão sobre os palestinos de Israel aumentou, em particular com as ameaças àqueles que se atrevem a demonstrar solidariedade com a população martirizada em Gaza. Há um salto de qualidade com o ataque a Ayman Odeh, dirigente do Hadash, partido de esquerda -árabe-judaico. Suas declarações foram no sentido de que os palestinos de Israel não participem das forças de segurança que operam nos territórios ocupados. Em entrevista a um canal de TV, acentuou sua posição estendendo-a aos judeus israelenses para que não sirvam não servir nas forças de ocupação e que “não devem matar”. Depois, foi expulso à força pela segurança no meio de uma sessão do Parlamento por criticar a guerra em Gaza. O processo contra ele está transcorrendo e possivelmente será cassado. É mais um sinal contra a minoria palestina de Israel e aos judeus que se opõem ao sionismo.

Mas os projetos do governo de Netanyahu vão mais além das fronteiras da Palestina Histórica. Israel utilizou a rebelião do Hamas também para buscar ajustar contas com uma a potência regional rival -o Irã. Sua tática foi a de diminuir a força e/ou destruir os grupos político-militares que apoiam o Irã. Tudo começou com os ataques contra o Hezbollah no Líbano (que por uma escolha tática não se uniu ao Hamas e mesmo assim pagou um alto preço), seguidos pelos ataques aos houtis do Iêmen e bombardeios esporádicos a alvos militares bem como humanos no Irã (leia-se cientistas que trabalham no projeto nuclear iraniano). Além disso, aproveitou a rebelião contra a ditadura de Assad na Síria para destruir parte importante da força militar do exército sírio, mesmo sabendo que essa força não foi nunca utilizada para qualquer ataque a Israel desde a guerra de 1973, período em que governou a dinastia dos Assad. Ao mesmo tempo, avançou na conquista de território nas colinas de Golã, que já estão parcialmente anexadas a Israel há décadas.

A decadência americana torna a situação mais complicada. Neste momento, os EUA teriam dificuldades em empreender uma guerra sem limites contra o Irã. Depois das derrotas no Iraque e no Afeganistão, os sucessivos governos americanos têm sido refratários a ingressar em guerras sem fim. Isso se refletiu na campanha de Trump, criticando Biden por atolar os americanos nelas.

Israel continua sendo o instrumento mais confiável e eficaz dos EUA para tanto. A presença do Irã como país independente depois da revolução de 1979 que derrubou a sanguinária monarquia do Xá dificulta o controle americano na região sem o apoio de seus aliados mais confiáveis, que são Israel e os países do Golfo e a neutralidade de outros como a Turquia. Alguns aspectos do Irã foram e são extremamente irritativos para os americanos: como país independente, nacionalizou o petróleo e o gás e apostou no desenvolvimento na energia nuclear (o que já havia começado no reinado do Xá), no aumento de suas exportações (90% do petróleo comercializado pelo Irã, ameaçadas pelas sanções americanas, foram absorvidas pela China que as necessita muito). Já o gás é utilizado no consumo interno como fonte de energia. Além disso, diversificou sua economia, promovendo uma importante industrialização.

Por exemplo, é o principal produtor de veículos automotores na região. Além disso, vários setores de alta tecnologia têm prosperado graças ao investimento estatal. O desenvolvimento de misseis balísticos e de drones é um desses, mas também biotecnologia (vacinas e outras tecnologias médicas), nanotecnologia e possui um importante quadro de engenheiros e cientistas para essas e outros setores avançados. Mesmo assim, as sanções americanas tornam essa situação mais complicada.

No dia 13 de junho passado, ao ver o poder iraniano diminuído, mas sem que tivesse renunciado a seu programa nuclear, Israel partiu para o ataque direto para destruí-lo – com o consentimento de Trump-, centrando-se em Teerã e nas cidades onde há usinas nucleares, como em Esfahan. A resposta iraniana a essa agressão não provocada foi feita com misseis sobre Israel e a população israelense, especialmente em Tel-Aviv, sua maior cidade, e Haifa seu principal porto, tivessem sofrido um desgaste desconhecido em sua vida desde os combates da II Guerra. Os judeus israelenses experimentaram, em um grau muito menor, mas inédito, o sofrimento causado pelas guerras sem fim desfechadas por Israel sobre os palestinos e seus vizinhos. As cenas de destruição urbana recordam em parte Beirute e o sul do Líbano e trazem ao centro do país uma cópia reduzida do que significam ataques sobre populações urbanas.

Segundo os sionistas, o ataque foi causado pelo fato de o Irã estar a pouco tempo de ter bombas atômicas. Uma acusação renovada há mais de 30 anos e nunca provada. Inclusive, as inspeções da Agência Internacional de Energia Atômica não constataram isso.

Vale mencionar o jogo duplo de Israel, com a conivência das potências que possuem armas atômicas. O fato de Israel possuir um arsenal nuclear significativo há décadas é ignorado (as avaliações de quantas ogivas possui Israel variam, sendo algumas na escala de mais de 100). E os governos israelenses impedem costumeiramente inspeções internacionais a seu programa nuclear. Esta situação foi revelada em 1986 por Mordechai Vanunu, um ex-técnico na Usina de Dimona. A denúncia foi feita ao jornal London Sunday Times, em que declarou que, naquela época, Israel teria de 100 a 200 ogivas. Logo depois foi sequestrado pelo Mossad na Itália e levado para Israel. Lá foi condenado a 18 anos de prisão, tendo passado 11 anos em solitária. Depois, a Corte Suprema lhe impôs várias penas adicionais por ter se comunicado com estrangeiros e ter sido entrevistado por órgãos de imprensa internacionais. Desde então tem proibido o contato com qualquer meio de comunicação estrangeiro e sair de Israel. A Corte Suprema segue mantendo essa condição, há quase 40 anos de seu rapto. Todos os anos ele reitera seu pedido de poder deixar o país. Mas o longo braço da “justiça” israelense não o permite. É claro que depois de 40 anos, pouco sobrou para Vanunu revelar, mas o golpe na credibilidade israelense com o depoimento deste prisioneiro perpétuo de Israel por contar a verdade é o que preocupa todas as instâncias de todo o establishment sionista.

Pelo que sabe, o programa nuclear israelense se centra em Dimona, no sul de Israel. Um detalhe do mundo ao revés em que vivemos é que Israel, o acusador do Irã, tem muitas bombas atômicas desde pelo menos antes de 1986, a partir de sua usina nuclear na cidade de Dimona, no sul de Israel, montada com ajuda francesa nos anos 1950. Depois, trocou materiais e informações com o regime do apartheid sul-africano nos anos 1970 e 80. A colaboração incluiu o recebimento de uranio por Israel e tecnologia militar avançada foi repassada para o regime do apartheid. Ressalte-se que vários dirigentes racistas sul-africanos inclusive Joahannes Vorster, Primeiro-Ministro de 1966 a 1978, tinham sido apoiadores abertos do nazismo durante a “Solução Final”.

A acusação sem provas ao Irã recorda tristemente a que foi feita contra o Iraque de Sadam Hussein, de que possuía armas de destruição em massa, o que se demonstrou falso e custou mais de um milhão de mortos iraquianos nas mãos das tropas dos EUA.

Na sequência vimos os EUA utilizarem caças bombardeios furtivos (os B2) que jogaram um número indefinido de bombas de mais de 14 mil kg (!!!) sobre as instalações nucleares iranianas. A decisão de lançar o ataque foi coordenada entre Israel e os EUA e seu objetivo era o de destruir as usinas nucleares iranianas e o urânio enriquecido que, segundo Israel, poderia ser trabalhado para utilização para construir ogivas nucleares.

Após o bombardeio americano, houve um debate entre Trump e agências de inteligência dos EUA quanto à eficácia da ação e parece que a versão de Trump de que teve sucesso total foi contraditada. Após esse bombardeio, o governo americano propôs uma trégua ou cessar-fogo, sobre a qual não há nem documentos escritos conhecidos e não se sabe se e como seria implementada. Essa decisão pode ser creditada ao temor de setores da burguesia isolacionista americana e dos setores similares que existem no movimento MAGA (Make America Great Again – Façamos a América Grande Novamente) que apoiou Trump nas eleições. E, mais geralmente, expressou as dificuldades de os EUA manterem uma grande guerra contra um país das proporções do Irã na região e as dificuldades na “contenção” da China como potência mundial desafiante.

Aparentemente, houve uma disputa no establishment americano sobre o prosseguimento da guerra que poderia ameaçar se transformar em mais uma guerra sem fim, de que em particular os republicanos querem fugir. O que até agora impediu que ela continuasse, apesar da posição do governo israelense.

De qualquer forma, a longa visita de Netanyahu aos EUA nesta semana deverá colocar na mesa os caminhos do conflito com o Irã e da guerra em Gaza.

Para ir direto ao ponto: estamos perante um país independente do imperialismo que se defende de agressões militares, além das terríveis sanções a que está submetido e que dificultam muito a vida do povo iraniano.

No entanto, declaramos que defendemos a nação iraniana contra os que a atacam (Israel e Otan), mas não defendemos seu regime político repressivo teocrático e autoritário, como se viu nas mobilizações das mulheres contra o assassinato de uma delas que se negou a utilizar o véu como manda a Polícia Religiosa dos Aiatolás. E este é só um exemplo importante, mas há outros: o regime segue a mesma política de países em que há minorias curdas e que se negam a defender o direito de autonomia desta imensa minoria de cerca de 20 milhões de pessoas.

E no caso de Gaza, defendemos o fim da guerra declarada por Israel, com a saída de suas tropas e a normalização da vida em todos os seus aspectos, a começar pela sobrevivência e o fim do terror imposto pelo ocupante, além de uma complexa e difícil reconstrução da Faixa. A experiência com o cessar fogo anterior em que os termos mais de médio e longo prazo não podem deixar de ser acordados e não vemos que esta seja a intenção de Israel e seu patrocinador nesta empreita macabra. Mas uma trégua menos ambiciosa poderia ser muito importante para as centenas de milhares palestinos, entre os quais muitas crianças, estão ameaçadas de morrer de inanição.

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Last Update: 05/07/2025