Por Tânia Mandarino*
Nesse 4 de julho de 2025, enquanto os Estados Unidos celebravam sua independência, a Justiça Federal no Paraná testemunhava a posse de Danilo Pereira Junior como vice-diretor e José Antonio Savaris como diretor do Foro.
Uma coincidência de datas que, ressoa com ironia e simbolismo, dada a complexa teia de eventos que envolvem a Operação Lava Jato e a percepção de impunidade que paira sobre seus protagonistas.
Sérgio Moro estava presente.
O que deveria ser um momento de renovação institucional, avaliam observadores atentos, tornou-se mais um capítulo na narrativa de um sistema que segue protegendo os seus, mesmo diante de graves evidências em relatórios contundentes.
Danilo Pereira Junior, em particular, mantém a jurisdição da 13ª Vara Federal de Curitiba, o berço da Lava Jato, apesar de ter se declarado suspeito para atuar nos processos da própria operação. Essa nuance levanta questionamentos sobre a efetividade da responsabilização e a continuidade de uma agenda que desvirtua o propósito da justiça.
A “República de Curitiba”, ainda que adormecida, parece seguir em berço esplêndido.
Oito anos sem qualquer retratação
No mesmo dia da posse, manifestantes se reuniram em frente à sede da Justiça Federal em Curitiba, empunhando uma faixa com a mensagem contundente: “8 anos sem um pedido de desculpas do TRF4 para LULA. Laus, Gebran e Paulsen, aceitem a DEMOCRACIA”.

Um 4 de Julho sombrio para os que têm sede de Justiça
Essa manifestação evidencia a persistência de uma ferida aberta na sociedade brasileira. O Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF4) foi o palco de decisões cruciais que levaram à condenação e prisão injustas de Luiz Inácio Lula da Silva, posteriormente anuladas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).
Apesar da anulação das condenações e do reconhecimento da parcialidade do ex-juiz Sergio Moro pelo STF, o TRF4 nunca emitiu um pedido formal de desculpas. A ausência de um gesto de reparação por parte da instituição é um evidente sinal de intransigência e de desrespeito à própria democracia.
A comparação com o STF, que, em certa medida, já fez um “pedido de desculpas” ao anular as condenações e reconhecer erros processuais, acentua a percepção de que o TRF4 se mantém em uma posição de negação, perpetuando a narrativa de uma “aberração histórica”, como descrevem os manifestantes.
O relatório do CNJ e a inércia da PGR
Não nos esqueçamos do Relatório de Correição Extraordinária do Conselho Nacional de Justiça (CNJ), elaborado pelo Ministro Luis Felipe Salomão, resultado de uma investigação aprofundada na 13ª Vara Federal de Curitiba e no próprio TRF4, que apontou uma série de irregularidades e, mais grave, “hipóteses criminais” contra magistrados envolvidos na Operação Lava Jato e seus parceiros.
Entre os nomes citados, Danilo Pereira Junior, Gabriela Hardt, o ex-juiz Sérgio Moro e outros desembargadores do TRF4.
Apesar da gravidade das conclusões do relatório, que levou à abertura de processos disciplinares no CNJ e até mesmo a afastamentos cautelares (ainda que posteriormente revogados), a atuação da Procuradoria-Geral da República (PGR), sob o comando de Paulo Gonet, tem demonstrado conivência com todos eles.
A expectativa era de que o relatório do CNJ subsidiasse denúncias criminais contra os envolvidos.
No entanto, o que existe é uma inércia por parte da PGR, que, segundo denúncias, teria “engavetado” o caso e, em um movimento ainda mais controverso, enviado o processo para o próprio TRF4 – a instituição que, em tese, deveria ser investigada.
Essa decisão da PGR levanta sérias dúvidas sobre a independência e a imparcialidade do Ministério Público. A ideia de que uma instituição investigada possa se “proteger” ao receber de volta um processo que a incrimina é um golpe na confiança pública e na busca por responsabilização.
A ausência de denúncias por parte do PGR Gonet, após tanto tempo da apresentação de um relatório tão contundente, reforça a narrativa de que há forças poderosas agindo para proteger os envolvidos na Lava Jato.
A continuidade dos “premiados”: Hardt e Mattos
O cenário de aparente impunidade se agrava ao observarmos a situação de outros personagens centrais na operação Lava Jato.
Gabriela Hardt, que sucedeu Sergio Moro na 13ª Vara Federal de Curitiba e foi alvo do relatório do CNJ, continua em suas funções. Embora tenha sido afastada cautelarmente em abril de 2024, seu afastamento foi revogado pelo plenário do CNJ, e ela segue trabalhando em uma vara criminal da Justiça Federal do Paraná. Apesar das conclusões do relatório do CNJ, ela permanece atuante como magistrada, o que reforça a ideia de que há uma blindagem em torno desses magistrados.
Outro caso emblemático é o do procurador federal Diogo Castor de Mattos. Sua demissão, determinada pelo Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP), foi revertida judicialmente e ele foi mantido na carreira, da qual jamais chegou a ser afastado.
Mais preocupante ainda é o fato de que a Procuradoria Geral da República, sob a gestão de Paulo Gonet, desistiu de recorrer da decisão que o livrou da demissão.
Esse aval da PGR à manutenção no cargo de um procurador que foi alvo de uma decisão de demissão pelo CNMP, além de ter cometido estelionato com a identidade de uma pessoa inocente, é mais uma mostra de que a responsabilização efetiva foi evitada por anjos protetores no TRF4 e na PGR.
Além disso, inquérito policial e a notícia de fato contra Matos e outros procuradores da Lava Jato desapareceram misteriosamente após o mesmo bate-bola: a PGR enviar para o TRF4, que devolve para a PGR, sob o argumento que teriam sido unificados e enviados para o STF no Inquérito 4781, em sigilo absoluto.
O silêncio do STF na única ação penal contra Sérgio Moro
A ação penal contra Sérgio Moro no Supremo Tribunal Federal (STF) é outro ponto de interrogação que contribui para a sensação de impunidade.
O STF recebeu uma denúncia contra Moro pelo crime de calúnia contra o ministro Gilmar Mendes em junho de 2024. No entanto, o julgamento dos embargos opostos pelo réu, que estava previsto para setembro de 2024, foi cancelado e, desde então, não houve qualquer movimentação nova nos autos.
Esse silêncio processual levanta a suspeita de que a estratégia seja a de protelar o julgamento até que os crimes prescrevam, livrando Moro, que também consta do relatório do CNJ e seus comparsas da Lava Jato de qualquer responsabilização penal.
A morosidade e a falta de transparência em casos de alta relevância política e jurídica minam a confiança da população no sistema de justiça.
A questão que se impõe é: por que não avança um caso tão importante, envolvendo um ex-juiz e ex-ministro que foi figura central em uma das maiores operações anticorrupção do país? Quem mais estaria protegendo esses indivíduos em esferas superiores do poder judiciário?
Os bilhões desviados e as perguntas sem resposta
O juiz Eduardo Appio, que por um breve período esteve à frente da 13ª Vara Federal de Curitiba, trouxe à tona informações alarmantes sobre o desvio de bilhões de reais da União para os Estados Unidos.
Appio afirmou que estava investigando esses desvios, que ele estimou em R$ 5 bilhões, quando foi afastado de suas funções. A gravidade dessas alegações, que apontam para um desfalque monumental aos cofres públicos, exige uma resposta clara e contundente das autoridades.
No entanto, o que se observa é um silêncio ensurdecedor e uma falta de ação efetiva para investigar e responsabilizar os envolvidos no esquema criminoso.
O que foi feito de tudo isso até agora?
Por que Gonet, que deveria zelar pela aplicação da lei e pela defesa do patrimônio público, parece proteger os integrantes da quadrilha da lava jato, a operação que quebrou o país?
Quem mais os protegeria no STF, garantindo que esses casos não avancem e a prescrição venha a se tornar uma realidade?
São perguntas que exigem respostas urgentes: estariam buscando alcançar a prescrição dos crimes cometidos?
Sérgio Moro os teria nas mãos com chantagens e “festas da cueca” ou seria bem mais que isso?
Seria verdade que se a Lava Jato cair criminalmente como deve ser, cairia também a República brasileira?
Essas indagações apontam para uma crise institucional profunda, onde a justiça, em vez de ser um pilar da democracia, se coloca a serviço de interesses escusos, protegendo aqueles que deveriam ser investigados e punidos.
A República em xeque

Justiça Federal do Paraná testemunha a posse de Danilo Pereira Junior como vice-diretor e José Antonio Savaris como diretor do Foro
A posse de Danilo Pereira Junior e José Antonio Savaris, em 4 de julho, o protesto na frente da justiça federal em Curitiba, a inércia da PGR diante do relatório do CNJ, a continuidade de Gabriela Hardt e Diogo Castor de Mattos em seus cargos e o silêncio em torno da ação penal contra Sérgio Moro no STF somados às graves denúncias de desvio de bilhões pintam um quadro preocupante da justiça brasileira.
A coincidência de datas, o simbolismo do 4 de julho e a persistência de uma narrativa de impunidade levantam questões fundamentais sobre a essência de nossas instituições, o que diz com o próprio Estado Brasileiro.
O que temos diante dos olhos não é apenas a falência de uma operação judicial corrompida por interesses geopolíticos e econômicos, mas a falência do próprio modelo de justiça atrelado à democracia representativa de corte burguês.
O Judiciário, longe de ser um poder neutro, é o coração pulsante do Estado capitalista e, como tal, seguirá operando em favor do grande capital financeiro internacional, da geopolítica imperialista e das elites que há séculos se revezam no comando da República.
A ideia de que esse sistema possa se reformar por dentro é, quando muito, uma ilusão.
Enquanto o povo brasileiro permanecer relegado à condição de expectador, a justiça será sempre seletiva, os de cima permanecerão protegidos e impunes, e o horizonte democrático seguirá interditado.
É preciso, portanto, avançar para além das denúncias. O momento histórico exige mais do que indignação: exige organização popular, enraizada nos territórios, nas comunidades, nos sindicatos, nas escolas, nos movimentos sociais e populares, nos partidos de massa.
Só a força coletiva do povo poderá abrir caminho para uma nova institucionalidade — uma justiça popular, comprometida com os interesses da maioria e com a superação da ordem capitalista.
A democracia que queremos não se constrói com acordos palacianos nem com conchavos em tribunais.
Ela nasce das ruas, da solidariedade ativa, da luta de classes. É nesse caminho que o Brasil poderá, de fato, romper com a tutela da elite e abrir caminho para um projeto de nação soberana, com o socialismo no horizonte.
*Tânia Mandarino é advogada. Integra o Coletivo Advogadas e Advogados pela Democracia (CAAD)