A vereadora bolsonarista Jéssica Lemonie (PL), de Itapoá (SC), entrou para a lista de parlamentares que atacam livros sem ao menos saber do que se trata. Em sessão da Câmara Municipal, Lemonie pediu a retirada de um suposto livro chamado “Capitães DE Areia” das escolas públicas, confundindo o título da obra clássica de Jorge Amado, lançada em 1937.

O professor e escritor João Cezar de Castro Rocha ironizou a fala da parlamentar. “Vereadora! Calma: se fossem DE areia, bastava um vento forte e os capitães se desfaziam no ar. Em 1937 Jorge Amado lançou Capitães DA Areia — meninos e meninas abandonados que se abrigavam em trapiches na praia. Por isso, DA areia, pois viviam, por assim dizer, NA areia, na praia. Vereadora! O seu mandato é de areia?”, disse, em publicação no Instagram.

“Marginalização infantil”

A tentativa de censura, baseada em desinformação, é mais um capítulo da cruzada bolsonarista contra a cultura e a educação públicas. Sem sequer saber o título da obra, Lemonie justificou sua proposta dizendo que o livro promoveria a “marginalização infantil” por conter trechos de violência e criminalidade. Além de classificar Jorge Amado como um “escritor comunista” e sua obra como uma “infiltração da esquerda” nas escolas públicas.

Capitães da Areia retrata a dura realidade de crianças e adolescentes em situação de abandono em Salvador e foi, também, alvo de censura no passado sob o Estado Novo de Getúlio Vargas, quando exemplares do livro foram queimados em praça pública por militares.

O livro não glamouriza a marginalização; ao contrário, expõe a hipocrisia de quem julga de fora, como a vereadora. É a prova de que essas crianças pensam, sofrem e questionam, mesmo sendo tratadas como “casos perdidos”.

“Olhavam para o padre sem compreender. Pedro Bala franzia a testa como quando tinha um problema a resolver, o Professor tentou falar. Mas João Grande compreendeu tudo, apesar de ser o mais burro de todos…”

Analfabetismo militante

A tentativa de Lemonie soma-se a uma sequência de episódios semelhantes. Em 2020, obras de autores como Machado de Assis, Rubem Fonseca, Franz Kafka e Nelson Rodrigues foram alvo de censura pela Secretaria de Educação de Rondônia, sob o argumento de conterem “conteúdos impróprios”.

Mais recentemente, O Avesso da Pele, de Jeferson Tenório, romance que narra, pelo olhar de um filho, a trajetória marcada pela violência sofrida por um homem negro ao longo da vida, foi retirado de circulação em escolas do Paraná e de Goiás. A obra venceu o Prêmio Jabuti em 2021.

Para Castro Rocha, a situação ilustra uma espécie de analfabetismo militante, onde a ignorância é exaltada como força política. “Dona de uma certeza que só os ignorantes completos possuem”.

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Last Update: 04/07/2025