O ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), marcou para 10 de setembro audiência pública para debater a pejotização nas relações de trabalho. Mendes é relator de processo sobre o tema e em abril suspendeu todas as ações relativas a essa questão, até que haja um entendimento geral do STF.

A atividade é uma oportunidade importante para que trabalhadores e suas representações denunciem o processo de precarização trazido pela pejotização.  Além de especialistas no assunto, os debates contarão com representantes da Câmara dos Deputados, Senado Federal, ministérios do Trabalho e Emprego e da Previdência, além do Tribunal Superior do Trabalho (TST).

Futuramente, o julgamento do STF deverá criar uma jurisprudência sobre o tema, que passará a ser seguido pelos demais tribunais do país. A decisão de Mendes de suspender as ações até decisão final foi criticada por especialistas, juristas e sindicalistas por deixar um vácuo sobre a garantia de direitos. 

Segundo manifesto assinado pela Associação Nacional das Magistradas e dos Magistrados da Justiça do Trabalho (Anamatra), a Associação Nacional dos Procuradores e das Procuradoras do Trabalho (ANPT) e a Associação Brasileira da Advocacia Trabalhista (Abrat), a decisão “ameaça a efetividade dos direitos trabalhistas, uma vez que impede o julgamento dos processos, com base em fatos e provas, atingindo os trabalhadores mais vulneráveis”.

Diz, ainda, que “permitir a ‘pejotização’ apenas com base em um contrato formal, sem investigar a realidade da prestação de serviços, abre precedente perigoso para a precarização das relações de trabalho, afastando direitos como férias, 13º, FGTS, jornada limitada, entre outros”. 

Impactos da precarização

A pejotização é uma das modalidades usadas pelo capital para ampliar seus lucros e reduzir seus custos e responsabilidades com os trabalhadores, processo que se acirrou com a reforma trabalhista de Michel Temer.

Desde então, a disseminação do uso desse tipo de contratação, à revelia das regras da CLT, tem levado a um aumento da judicialização. Dados do Ministério Público do Trabalho (MPT) apontam que de 2020 a março de 2025, foram ajuizadas 1,21 milhão de reclamações trabalhistas sobre o assunto.

Em 2018, após a reforma, o STF proferiu o entendimento de que era “lícita a terceirização entre pessoas jurídicas distintas, independentemente do objeto social das empresas envolvidas”. Mesmo não se tratando diretamente do tema da pejotização, o STF passou a usar a tese para casos deste tipo. 

No entanto, para a Justiça do Trabalho, terceirização e pejotização são casos bem distintos. A primeira pressupõe a existência de uma empresa intermediária, de fato, que, em tese, deve arcar com os custos e garantir os direitos do trabalhador terceirizado. Já na segunda, o empregado abre uma empresa (pessoa jurídica) apenas para fornecer nota ao empregador como se fosse um prestador de serviço eventual, mas mantém um vínculo estável com a empresa, o que é uma forma de burlar a CLT. 

A Justiça do Trabalho vem considerando ilegal o contrato via PJ quando há elementos como regularidade no trabalho do contratado; subordinação do mesmo a uma chefia; recebimento de salário fixo; quando o trabalho acaba tendo de ser feito especificamente por aquela pessoa, além de ser considerado se há ou não garantia do pagamento do salário, independentemente dos riscos do negócio. 

Em geral, ao preencher esses requisitos, a Justiça trabalhista entende que, na verdade, há um vínculo entre empresa e empregado, obrigando o patrão a pagar os direitos devidos. 

A pejotização é um claro ataque aos direitos trabalhistas, uma vez que as pessoas contratadas dessa forma, além de terem um vínculo frágil com a empresa — como se fosse mero prestador de serviço — ainda perde direitos garantidos há décadas, como férias, décimo terceiro, FGTS e seguro desemprego. 

Na avaliação do senador Paulo Paim (PT-RS), um dos parlamentares mais dedicados à temática trabalhista, a pejotização é “frequentemente utilizada para reduzir encargos trabalhistas e tributários” e “se configura como fraude ao ocultar uma relação empregatícia tradicional”. 

Ele salienta que, quando identificada como fraude, “a pejotização pode levar à condenação do contratante ao pagamento de todos os direitos não quitados, além de multas e outras penalidades”. 

Dados da Fundação Getúlio Vargas apontam que desde que a reforma trabalhista passou a vigorar até 2023, o número de trabalhadores com registro de MEI (microempreendedor individual), com renda mensal de até R$ 6.750, aumentou 24%, enquanto os enquadrados no Simples Nacional — renda de mais de R$ 6.750 até R$ 400 mil mensais — saltou 90%.

Outro problema grave trazido pela pejotização (e a alta informalidade, em geral) é a redução da arrecadação e seu impacto sobre a previdência. De acordo com nota técnica da FGV, entre 2018 e 2023, o governo deixou de arrecadar entre R$ 89 bilhões e 144 bilhões. 

A nota aponta que “se os trabalhadores por conta própria que foram incorporados no mercado de trabalho após a promulgação da reforma trabalhista tivessem sido contratados como celetistas, calculamos que a arrecadação tributária teria sido pelo menos 89 bilhões superior à observada [caso fossem empregados em empresas do Simples Nacional], ou de 144 bilhões [caso fossem empregados em empresas do Lucro Real ou Lucro Presumido], considerando os valores acumulados entre 2018 e 2023. Estes valores representam, respectivamente, cerca de 6,2% ou 3,8% da arrecadação pública federal de 2023”.

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Last Update: 04/07/2025