O governo Lula encontrou metade de sua bandeira política, um modo profundamente capitalista de instituir justiça fiscal: a progressividade. É um princípio tão antigo quanto a instituição dos métodos tributários. Diz que, quem ganha mais precisa pagar proporcionalmente mais.
A progressividade parte do princípio de que os primeiros reais servem para a subsistência. Portanto, precisa haver isenção para todas as faixas. Depois, à medida que a renda vai aumentando, vai aumentando progressivamente a alíquota sobre as partes seguintes.
No Brasil, a regressividade atingiu níveis inacreditáveis. As pessoas do topo da pirâmide pagam proporcionalmente menos impostos do que a base. A taxa efetiva de um super-rico não passa de 10%, contra alíquotas muito maiores na base.
O aumento do IOF (Imposto sobre Operações Financeiras) visava conseguir saídas para fechar o orçamento. A molecagem de Hugo Motta, o desastrado presidente da Câmara Federal, forneceu o mote para a reação do governo. Ao vetar o IOF, fez o Ministro Fernando Haddad sair da discrição habitual e lançar o mote do “pobre contra o rico”.
No Brasil, a alíquota máxima da tabela de IR é de 27,5%. Com as diversas formas de ganhos financeiros, rendas de mais de R$ 1 milhão mês não paga mais que 10%.
Compare com outras economias.
País | Alíquota Máxima Federal (%) | Alíquota Total Máxima (%) | Notas |
EUA | 37 | ~50,3 (com estaduais) | Varia muito por estado |
França | 45 | 49 (com sobretaxas) | Sistema familiar pode reduzir efetivo |
Reino Unido | 45 | Até 60% (marginal efetiva) | Acima de £ 125 mil não há dedução pessoal |
Itália | 43 | ~46 (com regionais) | Impostos locais variam |
Canadá | 33 | ~53,5 (com província) | Depende fortemente da província |
Japão | 45 | ~55 | Impostos locais somam cerca de 10% |
O que Haddad propôs não foi nenhuma luta de classe, mas a elevação do Brasil ao mesmo patamar de justiça tributária de países desenvolvidos, uma proposta civilizatória.
Imediatamente, houve o reboliço da mídia, incapaz de disfarçar os interesses pessoais de seus controladores. Editoriais contra o aumento do IOF, editoriais denunciando o MEI (Microempreendedor Individual), com uma falta de sutileza comprometedora. É evidente que a linha editorial de empresas jornalísticas reflete os interesses econômico-financeiros de grupos. Mas nunca de forma tão ostensiva quanto agora, denotando um profundo amadorismo.
De qualquer modo, Lula encontrou seu primeiro mote eleitoral: o da justiça tributária, que os jornais preferem falar em colocar os pobres contra os ricos, nós contra eles.
Falta o segundo pedaço da bandeira: o plano de metas. O governo já cumpriu brilhantemente seu desafio de tirar, mais uma vez, o Brasil do mapa da fome. Falta agora dizer claramente o que o país quer ser, quando crescer.
Há uma série de planos sendo tocados individualmente por Ministérios: o da Indústria e do Comércio, o da Fazenda, do Planejamento, de Ciência, Tecnologia e Inovação. Falta a síntese principal: o plano de metas de Lula.
Há uma guerra mundial pela frente, com o Congresso dominado pelo que de pior a política brasileira produziu na história, pretendendo açambarcar as funções do Executivo.
É um momento tenso, cujas práticas mais abjetas estão sendo testadas no grande laboratório do Paraná. Foi lá que a Polícia Militar invadiu uma sessão que pretendia discutir seus crimes. E é lá que deputados estaduais pretendem cassar o mandato de um combativo deputado da oposição.
Ontem, no coquetel de abertura do encontro do Novo Banco dos BRICS, a ex-presidente Dilma Rousseff analisou os arroubos do Congresso, sob Eduardo Cunha, e agora, sob o jovem Hugo Motta. O que se queria, nos dois momentos, era tirar o poder do Executivo sobre o orçamento.
Criou-se um moto perpétuo, no qual o Centrão, aliado à ultradireita, controla as emendas e, através delas, garante a reeleição dos seus. O país prepara-se para enfrentar uma organização perigosíssima, porque está controlando os instrumentos para conseguir a maioria eleitoral.
E, sem um plano de metas claramente definido, perpetua-se o quadro atual, com cada grupo – Faria Lima, jornais, Joãos Dorias da vida – tenta tirar sua lasquinha, sem que haja uma massa crítica dos chamados pais refundadores da República.
Essa refundação só será possível com Lula acenando claramente para o tipo de país que se pretende.
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