Mesmo com lucro milionário, fiscalização aponta que Pluma Agroavícola submeteu terceirizados a condições degradantes
A Pluma Agroavícola, maior produtora de ovos férteis e pintos de corte da América Latina, foi alvo de uma operação do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) que resgatou 23 trabalhadores em condições análogas à escravidão. Os prestadores de serviço foram resgatados em 19 de agosto de 2024, nas granjas São Francisco e Santa Rita, localizadas na área rural do Paranoá, no Distrito Federal. A abordagem envolveu equipes da Superintendência Regional do Trabalho e Emprego (SRTE), Ministério Público do Trabalho (MPT) e Polícia Federal. Atualmente, a empresa cumpre medidas determinadas por um Termo de Ajustamento de Conduta, firmado após a fiscalização.
Com 69 filiais, a empresa foi fornecedora de ovos do Instituto Butantan para os testes da vacina ButanVac até agosto de 2024. Atualmente, fornece insumos para a produção da vacina contra a gripe. O contrato vigente com o Butantan termina em agosto deste ano. Procurado pelo Brasil de Fato, o instituto informou que “não foi notificado sobre a autuação em questão”. A Pluma (leia nota na íntegra), por sua vez, frisou que os trabalhadores eram contratados por uma terceirizada, que o contrato foi rompido imediatamente, e que, “após o fato ocorrido, optou por não mais utilizar esta forma de contratação.”
De acordo com o relatório da fiscalização (disponível no site do MTE), os trabalhadores, oriundos de outros estados, tinham os valores do transporte e da feira descontados diretamente do pagamento. A moradia oferecida pela empresa era precária: sem acesso regular a água potável, sem colchões adequados, roupas de cama ou espaço apropriado para cozinhar. As refeições eram preparadas dentro dos próprios quartos e a água utilizada vinha de um lago no interior da fazenda.
A gravidade do caso levou a auditoria fiscal a caracterizar o cenário como trabalho análogo à escravidão. Segundo o auditor-fiscal Rodrigo Ramos, responsável pela operação, o modelo adotado era voltado à produção de baixo investimento, com o uso de mão de obra terceirizada.
“Essa tentativa de reduzir custos às custas da dignidade dos trabalhadores é o que caracteriza a escravidão contemporânea”, explica.
Ele ainda apontou que os trabalhadores eram tratados como “descartáveis” e recebiam por produção, mas sem recibos e sem saber exatamente o valor dos salários. “Precisavam produzir muito para, no máximo, receber um salário mínimo”, afirmou Ramos.
“O que a gente identificou ali foi justamente um processo visando a redução dos custos de produção, através da contratação interposta de mão de obra, cuja única finalidade era aliciar e colocar os trabalhadores ali”, resume.
Enquanto isso, no mundo dos negócios, a Pluma distribuiu R$ 34 milhões em participações nos lucros somente em 2024. Ainda neste ano, recebeu isenções fiscais que somam R$ 125.975.210,77, segundo dados da Receita Federal.
Em nota enviada ao Brasil de Fato, a Pluma afirmou ter “tolerância zero frente a qualquer indício de violação de direitos humanos e trabalhistas” e que a caracterização de situação análoga à escravidão “partiu unilateralmente dos órgãos de fiscalização envolvidos, antes mesmo de propiciar à empresa o direito ao contraditório e a ampla defesa”.
Também considerou que “os trabalhadores não se encontravam em tais condições, sendo que os autos de infração aplicados, neste particular, foram objeto de impugnação pela empresa”.
“A Pluma Agroavícola informa que mantém contrato com instituições públicas, inclusive com o Instituto Butantan, justamente por se tratar de uma empresa idônea, sendo reconhecida e respeitada mundialmente”, diz um trecho da nota.
O flagelo da terceirização
A produção nas granjas era realizada por contratados da empresa Job Desenvolvimento e Soluções Empresariais, terceirizada com quem a Pluma firmou contrato. Segundo o relatório do MTE, no entanto, era a própria Pluma quem dirigia os trabalhos: treinava os trabalhadores, fornecia equipamentos, arrendava a terra e comercializava os ovos produzidos. À Job cabia apenas recrutar e repassar os valores a título de remuneração.
“Era a Pluma que dava as ordens, treinava, fornecia equipamentos, arrendava a terra e vendia a produção, era ela a real empregadora”, afirma o auditor-fiscal do trabalho.
Ainda de acordo com Rodrigo Ramos, a tentativa inicial da Pluma foi eximir-se da responsabilidade por meio da apresentação de contratos com a intermediária. No entanto, a empresa reconheceu que era a real empregadora. “Entenderam que não havia como fugir da responsabilidade.”
A fiscalização também apontou que a Pluma Agroavícola descumpriu obrigações básicas de segurança do trabalho ao não implementar estruturas obrigatórias no setor rural. Segundo os auditores, a empresa não possuía o Programa de Gerenciamento de Riscos no Trabalho Rural (PGRTR) nem o Serviço Especializado de Segurança no Trabalho Rural (SESTR), exigências legais para atividades com alto risco de adoecimento e acidentes. A responsabilidade por essas medidas foi repassada à empresa terceirizada, que não as executou.
Para os fiscais, essa omissão representa uma tentativa de reduzir custos operacionais à custa da saúde dos trabalhadores: “A Pluma acabou lucrando em cima disso. Ela não teve que fazer esse investimento e tinha lá um contrato dizendo que a intermediária era responsável”.
As condições nos alojamentos também foram alvo da fiscalização. Segundo o relatório, os quartos tinham mofo, colchões velhos e ausência de roupas de cama. Os trabalhadores cozinhavam em fogareiros improvisados dentro dos dormitórios, sem acesso a uma cozinha adequada. A água utilizada não era potável e os banheiros estavam em situação precária de higiene.
O uso de agrotóxicos de forma inadequada foi outro elemento destacado no relatório pela equipe do Ministério do Trabalho. “Nós vimos também que havia aplicação de herbicidas, né, como o Roundup [glifosato], por exemplo. E os trabalhadores que aplicavam não tinham treinamento, não tinham os equipamentos de proteção adequados. E não tinha local próprio para armazenar esse produto. Inclusive um recipiente com o produto estava numa varanda, com acesso livre para qualquer pessoa, criança, animais”, relata Rodrigo Ramos.
O Brasil de Fato tentou contato com a Job Desenvolvimento e Soluções Empresariais, mas não obteve resposta até a publicação desta reportagem. O espaço está aberto para manifestação da terceirizada.
Empresa assina TAC, mas não reconhece culpa criminal
Após o resgate dos 23 trabalhadores em situação análoga à escravidão, a Pluma Agroavícola firmou um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) com o Ministério Público do Trabalho (MPT) no Distrito Federal. O documento (acesse aqui) estabelece uma série de obrigações para a empresa, como a proibição de terceirização fraudulenta, adequações nos alojamentos e cumprimento das normas de saúde, segurança e meio ambiente do trabalho rural. Também foram incluídas cláusulas específicas sobre prevenção ao tráfico de pessoas.
A empresa comprometeu-se a pagar R$ 2,75 milhões em indenizações por danos morais individuais aos trabalhadores resgatados e R$ 520 mil por danos morais coletivos. Esse segundo valor será destinado a projetos do Departamento de Polícia Federal – como a compra de drones e materiais médicos – ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) e à Universidade Federal da Bahia, que receberá recursos para o “Projeto Caminhos do Trabalho”. O TAC ainda prevê multas pesadas em caso de descumprimento: até R$ 50 mil por cláusula violada, acrescido de valores por trabalhador prejudicado.
Apesar das evidências e da gravidade dos fatos, a Pluma não reconheceu responsabilidade criminal. O próprio termo ressalva que sua assinatura “não importa, por parte dos compromissários, confissão da prática do crime previsto no artigo 149 do Código Penal”, e tem como finalidade a resolução extrajudicial das irregularidades trabalhistas.
O cumprimento do TAC poderá ser fiscalizado a qualquer tempo pelo Ministério Público do Trabalho ou pelo Ministério do Trabalho. A empresa é obrigada a manter uma cópia do termo no livro de inspeção e no quadro de avisos da unidade. Caso permaneça em silêncio diante de notificações do MPT, a conduta será considerada embaraço à fiscalização, gerando multa de R$ 50 mil. O acordo tem vigência por prazo indeterminado.
A Pluma afirma ter optado por assinar o TAC, “em que pese os trabalhadores envolvidos na investigação não fossem seus empregados” e que “realiza o monitoramento contínuo e rigoroso do cumprimento das obrigações pactuadas, com vistas à prevenção de quaisquer infrações”.
Também destaca que “atualmente todos os empregados lotados nas Granjas da empresa Pluma Agroavícola são diretamente contratados por esta, com a observância de todos os direitos trabalhistas e sociais previstos nos pactos internacionais, na Constituição Federal, na legislação e nas normas individuais e coletivas”.
Publicado originalmente pelo Brasil de Fato em 03/07/2025
Por Pedro Stropasolas e Rodrigo Chagas
Edição: Geisa Marques