Caso decida de fato avançar na ‘taxação dos BBBs — bancos, bilionários e bets —, o governo Lula (PT) precisa agir com cautela, especialmente em relação ao sistema financeiro. O alerta é de André Perfeito, economista-chefe da Necton/Apce, que classifica o setor bancário como “hipertributado” e essencial para garantir a eficácia na necessária redução da taxa de juros.
Em entrevista à CartaCapital, Perfeito defende que qualquer aumento na carga sobre o setor pode comprometer a capacidade de os bancos transmitirem os efeitos de uma política monetária mais frouxa: “Precisamos diminuir a taxa de juros, e é o sistema financeiro que gera eficácia e eficiência na transmissão desse dinheiro.”
Aos bilionários e casas de apostas, porém, Perfeito defende taxação pesada. “O mundo das bets se transformou, ao arrepio do bom senso, em um problema de saúde pública, para não dizer um problema econômico”, critica. Já aos mais ricos, completa, precisam assumir mais responsabilidade na sustentação do Estado.
O economista também alerta para o impacto das mudanças no mercado de trabalho sobre a arrecadação. Com o avanço da informalidade, a capacidade de financiar o Estado via CLT diminui. “Os excedentes necessários para o futuro virão cada vez menos da CLT. É preciso repactuar a tributação com foco em renda e grandes fundos.”
Após a derrota com a derrubada dos decretos do IOF, petistas e governistas subiram o tom contra o Congresso. A aposta é colar em Lula a imagem de um presidente que tributa os mais ricos e isenta os assalariados — narrativa considerada estratégica para 2026.
Sobre o pessimismo da Faria Lima com as contas públicas, o economista pondera: déficit primário do Brasil, em torno de 0,7% do PIB, está longe de ser um desastre quando comparado a outros emergentes ou países ricos. “A tendência é que o real e a bolsa se apreciem.”
Confira os destaques a seguir:
CartaCapital: Como o senhor avalia a crise do IOF, agora também nas mãos do STF?
André Perfeito: Essa questão tem duas dimensões. Uma delas de ordem política, com P maiúsculo. Tem relação com uma visão de Haddad e Lula a respeito de uma espécie de justiça tributária. Na ótica do Lula e do Haddad, esta é uma reforma estrutural, no sentido de garantir uma equidade maior da dinâmica tributária no Brasil.
Só que existe outra dimensão, que é a política com p minúsculo, da ordem da execução orçamentária. Como o Congresso joga com a eleição de 2026 embaixo do braço, não consegue ou não quer construir alternativas de corte de gastos. E aí sobra, na ótica do ministro da Fazenda, só uma coisa: aumentar a carga tributária.
O Congresso, além de não cortar, tem criado constrangimentos grandes nos gastos, como o aumento de deputados ou mesmo a ideia de ter colocado tanto jabuti na MP das eólicas, que eventualmente pode até subir o custo da energia elétrica.
Não aguento não fazer essa provocação: muita gente do mercado falou que o Lula 3 seria um bom governo porque o Congresso era mais de centro-direita. Só que o Congresso não está se mostrando nem um pouco fiscalista. Então, essa hipótese não se mantém de pé.
CC: E as emendas parlamentares passam de 50 bilhões de reais ao ano…
AP: É uma discussão que os deputados deveriam fazer. Será que faz sentido isso? Eles poderiam falar: “Estamos em um momento de esforço e vamos reduzir aqui também”. Mas eles não têm bônus político nenhum com isso.
E aí também se revela que a Nova República está em xeque. Porque com a extrapolação dos atributos do Congresso sobre o Orçamento, gerou-se um choque quase inescapável.
Isso foi potencializado no governo Bolsonaro e é um sério problema de ordem política para os dois lados. Vamos supor que eventualmente entre Tarcísio no ano que vem. Ele enfrentará também um problema seriíssimo a respeito disso. E não é porque o Congresso será do partido dele que ele conseguirá controlá-lo.
CC: Há um caminho para o governo avançar na taxação de BBBs — bancos, bets e bilionários?
AP: Eu acho que com bilionários e bets faz sentido. Sim, é preciso taxar os bilionários, criar um tipo de estrutura em que seja mais possível repartir o peso da administração do Estado. Bets também tem de taxar, não tem papo. O mundo das bets se transformou, ao arrepio do bom senso, em um problema de saúde pública, para não dizer um problema econômico.
Com os bancos eu tomo alguns cuidados. Vão dizer: “Pô, está falando o cara da Faria Lima”. Mas não é bem isso.
A atividade bancária no Brasil já é hipertributada. Como é tudo registrado, não há como fugir. Além disso, precisamos diminuir a taxa de juros, e é o sistema financeiro que gera eficácia e eficiência da transmissão desse dinheiro.
O Banco Central sempre tomou muito cuidado também com as fintechs, porque são um serviço bancário, mas também de inovação tecnológica. Não se quer matar isso.
CC: Há outras medidas além das que o governo menciona para avançar em justiça social e tributária?
AP: Diminuir a regressividade da carga tributária É sem dúvida é importante. E tem uma questão relevante que perdemos um pouco de perspectiva: o mundo do trabalho mudou. E a tributação do mundo do trabalho precisa mudar, tem de ser pactuada com as próximas gerações.
Suponhamos que hoje há cinco pessoas trabalhando por uma pessoa aposentada. Essas cinco gerarão excedente em produto, não em dinheiro, para aquele aposentado. Cobertor, comida, qualquer coisa que gere a subsistência daquela pessoa.
Se no futuro houver uma pessoa trabalhando para cinco aposentados, você pode ter todo o dinheiro do mundo, mas se não tiver produto, provocará inflação.
O governo teria de pensar em termos estruturais sobre como repactuar essa relação o mais rápido possível. Porque sempre parece que o problema da Previdência é falta de dinheiro, mas não é. É falta de produto. Se não dará para tributar o trabalho, tributará o quê? A renda? Fundos? Terá de ser por ali.
CC: Haddad costuma citar medidas de corte de gastos que o Congresso não aprovou (como o fim da desoneração da folha). A meta fiscal de 2026 (superávit de 0,25% do PIB) terá de mudar?
AP: Talvez não, porque esse jogo de braço a respeito do IOF o governo pode ganhar. Mas o que o Haddad disse é o drama: se o Congresso é de centro-direita, por que não aprova isso?
Trabalho com a hipótese de que provavelmente o Lula não ganhará a eleição, por conta das mudanças no mundo do trabalho. As pessoas estão menos sensíveis a um tipo de solidariedade identificado com alguém de esquerda. E quem evidenciou isso foi o “sociólogo” Pablo Marçal no ano passado. Ele ganhou em lugares em que o PT ganhava.
Se vencer alguém de direita, ele enfrentará muito mais problemas. Porque tentará fazer corte, não conseguirá e buscará fazer dinheiro de uma forma porca: privatizando tudo a toque de caixa.
CC: E há razão para o pessimismo do mercado financeiro com as contas?
AP: Vamos supor que tenhamos um déficit primário neste ano de 0,7% do PIB — o FMI projeta 0,56%. A média dos países industrializados será em torno de 2%. Dos principais países emergentes, será em cerca de 4% do PIB. A despeito dessa visão muito negativa de nós por nós mesmos, para quem olhar o Brasil de fora, a situação não parece tão ruim.
A tendência é que o real e a bolsa se apreciem. Se o mercado financeiro acreditar que está ruim, ficará na ponta contrária — ou seja, perderá dinheiro. E o problema é que, nessa dinâmica política e econômica, se perder dinheiro, ficará mais pessimista ainda.
A situação fiscal do Brasil é séria, não digo que não seja. E tem uma questão política gravíssima sobre a qual falamos agora. Mas disso derivar que o Brasil quebrará? Francamente… Não é o caso e muito menos para quem olha de fora do País.