A má á interpretação dos acontecimentos políticos é uma das principais razões para a completa desorientação da esquerda nacional. No Brasil atual, erros como subestimar o inimigo — ou mesmo não compreender quem de fato são os inimigos — levam a esquerda pequeno-burguesa a fazer projeções equivocadas e análises confusas da situação.
O ato bolsonarista do último domingo (29) é um exemplo dessa confusão. Influenciados pela leitura da imprensa burguesa, alguns setores da esquerda interpretaram o fato de o ato ter sido menor do que os anteriores como um sinal de enfraquecimento da extrema direita e, a partir disso, concluíram que a vitória de Lula nas próximas eleições estaria praticamente garantida.
É o caso de Mario Vitor Santos, colunista do portal Brasil 247. Em sua coluna intitulada “Com a ausência do bolsonarismo das ruas, quem pode almejar 50% do Parlamento é Lula”, ele argumenta que há “uma progressiva decadência do bolsonarismo em sua capacidade de fazer mover suas massas”. Segundo o autor, “o movimento expõe fragilidade, o que pode prenunciar uma decadência mais séria”.
No entanto, o fato é que o ato bolsonarista foi ainda algumas vezes maior do que todos os últimos atos da esquerda no país. Embora os números não sejam exatos, na última vez em que a esquerda foi às ruas — em 15 de junho, em defesa da Palestina —, a manifestação dificilmente chegou a 5 mil pessoas. Já as estimativas mais conservadoras indicam que o ex-presidente Bolsonaro levou cerca de 12 mil pessoas às ruas.
Isso ocorre, em grande medida, porque Lula e o PT se recusam a encampar a mobilização popular no país. Enquanto o bolsonarismo, sentindo-se perseguido pela ditadura do Judiciário, convoca seus apoiadores às ruas, Lula e o PT optam por não fazê-lo. A razão é simples: o governo Lula acredita que o STF fará o trabalho de derrotar o bolsonarismo por ele.
Embora seja verdade que Bolsonaro tenha mobilizado menos pessoas neste último domingo, concluir que isso indica uma decadência do bolsonarismo é, no mínimo, precipitado. É preciso reconhecer que se tratou de uma manifestação numerosa, especialmente diante da campanha da imprensa contrária e da intensa perseguição institucional contra o bolsonarismo e seus apoiadores. Após as condenações arbitrárias e autoritárias promovidas por Alexandre de Moraes, pode-se dizer que, hoje, uma pessoa corre o risco de ser presa simplesmente por participar de uma manifestação bolsonarista.
O próprio Mario Vitor Santos reconhece isso, ao afirmar que “a capacidade de mobilização da extrema-direita está perdendo ímpeto pelo medo do encontro com a lei”. Essa observação revela a crença de parte da esquerda de que é o STF, a Polícia Federal e as instituições repressivas do Estado burguês que conterão o bolsonarismo — e não o enfrentamento político direto por parte da própria esquerda.
O articulista ainda afirma que a mobilização bolsonarista estaria “esmorecendo pelo efeito da atuação do governo federal, cujos programas começam a fazer entregas mais perceptíveis para diversos estratos”. Essa análise, no entanto, é profundamente equivocada e revela o perigo de se viver numa ilusão. O governo Lula não conseguiu até agora implementar nenhuma medida de impacto popular real que tenha melhorado a vida da população. Pelo contrário: ações como a taxação das “blusinhas” vindas da China, o teto no aumento do salário mínimo, o pente-fino no Bolsa Família e no BPC, a tentativa de monitoramento do Pix, entre outras, revelam o caráter antipopular do governo, que hoje se encontra politicamente acuado.
Além disso, o articulista repete o discurso da grande imprensa de que Bolsonaro estaria “abrindo mão da disputa presidencial”. Em sua coluna, escreve: “O problema maior é a desorientação política de um Bolsonaro tão autocentrado e inseguro que acha que pode abrir mão da disputa presidencial e ao mesmo tempo pedir ao eleitor, cada vez mais acomodado e alheio, que se empolgue na batalha eleitoral, que lhe dê 50% da Câmara e 50% do Senado”. Ainda que esse fosse o cenário, é inegável que o bolsonarismo possui hoje uma presença muito mais significativa no Legislativo do que a esquerda e o PT — o mesmo se aplica aos governos estaduais e prefeituras. A capacidade eleitoral do bolsonarismo, portanto, continua sendo amplamente superior.
Mario Vitor conclui: “Parece mais lógica a estratégia que apresenta Lula. Para fazer uma bancada poderosa em 2026, um candidato a presidente forte é fundamental. Nesse sentido, Lula parece em condições de sonhar, a depender da campanha, com a composição de uma ampla e mais fiel bancada pluripartidária nas Casas, que chegue, ela sim, aos 50%”.
Esse trecho expõe o fracasso de uma estratégia baseada em conclusões erradas. É evidente que o PT e a esquerda não conseguirão conquistar 50% das cadeiras legislativas. A proposta do autor, na prática, implica ampliar ainda mais as alianças com partidos de direita e de “centro” para atingir tal meta — ou seja, entregar ainda mais o governo Lula à burguesia. Se hoje o PT já se mostra incapaz de governar, esse cenário se tornaria ainda mais grave caso embarcasse nessa estratégia.
A confusão política de amplos setores da esquerda os impede de perceber a verdadeira disputa em curso: o imperialismo e o setor mais poderoso da burguesia desejam impedir que tanto Lula quanto Bolsonaro concorram nas próximas eleições. Toda a perseguição política ao bolsonarismo, bem como as sabotagens e sufocamentos ao governo Lula, visam à construção de um “candidato ideal” — alguém que represente uma espécie de “Milei brasileiro”. Ainda não é possível afirmar com precisão quem será o escolhido para cumprir esse papel, mas é evidente que parte da esquerda apoia, mesmo que ingenuamente, o STF e o Judiciário que hoje perseguem o bolsonarismo — acreditando que essa repressão lhes beneficiará politicamente no futuro. Trata-se de um cálculo confuso e incorreto, que pode levar a um erro fatal.