A “souvernização” dos saberes e fazeres culturais: artesanato, pero no mucho
por Allan Carlos Moreira Magalhães
Os souvenirs são uma das diferentes formas dos viajantes levarem para as suas casas objetos que rememorem os lugares visitados. O próprio significado da palavra, que possui origem francesa, indica esse sentido: recordação ou lembrança. Assim, tudo aquilo que for capaz de promover recordações nos viajantes pode ser considerado um souvenir, desde pequenos itens produzidos em escala (como chaveiros, imãs de geladeira, canetas, canecas, camisas), que estão sendo comercializados em todos os locais turísticos, mas também peças de arte, artesanato ou produtos próprios de cada região.
Contudo, a massificação destes objetos de recordação tem impulsionado a criação de produtos estereotipados que descaracterizam as identidades locais, promovendo uma homogeneidade cultural em que todas as “feirinhas de artesanato”, independentemente do local no Brasil em que você esteja, seguem comercializando produtos oriundos de uma mesma “linha de produção”, cujas pequenas variantes são alguns elementos simbólicos locais remodelados para se encaixarem no mercado.
As “feirinhas de artesanato” são lugares de parada obrigatória em toda excursão turística. É uma forma de estimular o comércio sob o pretexto de que os visitantes terão a oportunidade de conhecer produtos locais. Porém, estes espaços massificados, que parecem todos iguais, estão se assemelhando ao “não lugar” a que Marc Augé [1] se refere, pois consiste num espaço público de rápida circulação pelos seus frequentadores, que possuem em comum a credencial de turista, e são conduzidos a estes locais com promessas de conhecerem a cultura e o artesanato local.
No entanto, o que encontram, na maioria das vezes, é o oposto: espaços padronizados e representações culturais descaracterizadas e estereotipadas.
O turismo de massa é um dos grandes responsáveis pela construção desse “não lugar” ao envolver um grande fluxo de turistas em destinos de grande atrativo, a exemplo de praias famosas. Nestes locais impera a lógica de mercado e o turista é um dos ativos das empresas que organizam as excursões, já que são antes de tudo ávidos consumidores dispostos a gastar com bens e serviços que lhes proporcionem experiências e recordações ofertadas segundo os interesses econômicos das empresas que organizam os passeios turísticos.
E, nesta dinâmica de mercado massificado, os saberes tradicionais e os seus produtos artesanais enfrentam dificuldades para se inserir porque seguem lógicas distintas de produção e para nele ingressar, mais por imposição do mercado do que mesmo por escolha, tendo que reinventar suas técnicas e usos de matérias primas, correndo o risco de promover a “souvernização” do produto artesanal em razão da massificação da sua produção para atender demandas de mercado.
Assim, são necessárias políticas culturais que repensem essa lógica de mercado e transformem o turismo em oportunidade para os artesãos e artesãs que são os detentores dos saberes e fazeres que marcam a identidade cultural de uma comunidade.
O reconhecimento como Mestre da Cultura ou Tesouro Vivo não deve ser apenas um título simbólico, mas deve também ser acompanhado de políticas culturais que promovam dignidade e valorização pela oferta de condições materiais para que esses saberes sejam mantidos e transmitidos para as gerações futuras, como, por exemplo, ofertar espaços dignos para produzirem, exporem e comercializarem seus produtos, e que a eles seja dada visibilidade e inclusão nos roteiros de visitação turística.
[1] AUGÉ, Marc. Não lugares: Introdução a antropologia da supermodernidade. São Paulo: Papirus, 2017.Allan Carlos Moreira Magalhães, Doutor em Direito. Professor da Universidade do Estado do Amazonas. Articulista do Instituto Brasileiro de Direitos Culturais (IBDCult). É Autor do livro “Patrimônio cultural, democracia e federalismo” e coautor do livro “É disso que o povo gosta: o patrimônio cultural no cotidiano da comunidade”
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