A chave para selar, por dentro da democracia, o seu próprio fim
por Gustavo Tapioca
“Em meio ao desfecho próximo do julgamento no Supremo Tribunal Federal (STF) sobre a tentativa de golpe de Estado, aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro observam o início de uma mudança significativa em seu discurso político. Durante um ato na Avenida Paulista no último domingo (29), Bolsonaro, pela primeira vez, concentrou mais energias e focou seu apelo na eleição de uma maioria no Congresso Nacional, em vez de insistir em sua própria candidatura à Presidência em 2026.”
O comentário de Andreia Sadi coincide com o de vários outros comentaristas. João Cezar de Castro Rocha, por exemplo, vem reiterando que o interesse de Bolsonaro e de toda a direita e extrema direita é conquistar maioria no Congresso Nacional particularmente no Senado Federal. “Exatamente como fez o primeiro ministro da Hungria Viktor Orbán.” A estratégia da extrema direita brasileira de conquistar a maioria no Senado tem paralelos diretos com a trajetória de Viktor Orbán na Hungria — e é justamente esse o alerta feito pelo professor João Cezar de Castro Rocha.
O modelo Orbán inspira a extrema direita no Brasil
Viktor Orbán não deu um golpe. Não fechou o Congresso. Nem precisou suspender eleições. Mas hoje governa um país onde a democracia virou uma casca — bonita por fora, apodrecida por dentro. A “revolução legal” promovida por Orbán é, segundo o professor João Cezar de Castro Rocha, o modelo ideal para a extrema direita brasileira.
“A ideia não é destruir o sistema: é capturá-lo”, alerta o professor. Em entrevista ao podcast Onde Vamos?, Castro Rocha traça o paralelo direto entre o bolsonarismo e o projeto iliberal que Orbán levou à frente na Hungria: manipular a Constituição, desacreditar o Judiciário, controlar a mídia e infiltrar ideologia religiosa na política.
Enquanto Orbán usou a maioria parlamentar para redesenhar o Estado húngaro, aqui no Brasil a extrema direita aposta em ataques sistemáticos ao STF e ao TSE, tentando destruir a credibilidade das instituições para depois dominá-las. O 8 de janeiro foi apenas a forma bruta de uma tática mais longa e inteligente: “transformar o sistema por dentro, mantendo uma aparência democrática.”
Se na Hungria o governo se aliou à Igreja Católica para sustentar seu autoritarismo, no Brasil o elo é com o neopentecostalismo de viés teocrático. Castro Rocha chama a atenção para a chamada “teologia do domínio”, adotada por setores evangélicos que sonham com um Estado regido por princípios religiosos — desde que interpretados por seus próprios pastores.
Celular: a arma mais poderosa
A arma mais poderosa da nova extrema direita não está no púlpito nem no palácio: está no celular. A digitalização da política, o uso de fake news e a criação de “verdades alternativas” — turbinadas por algoritmos — permite ao bolsonarismo aplicar a mesma lógica de Orbán sem precisar fechar jornais ou mandar prender jornalistas. Basta descredibilizar tudo.
“Não há mais disputa racional”, diz Castro Rocha. “Eles constroem uma realidade paralela, onde o bolsonarismo vira fé, e a democracia, inimiga”. Enquanto a esquerda aposta em programas sociais e medidas institucionais, a extrema direita aposta em emoção, ressentimento e espetáculo — um coquetel eficiente que seduz, radicaliza e transforma cidadãos em soldados ideológicos.
A estratégia da extrema direita brasileira de conquistar a maioria no Senado tem paralelos diretos com a trajetória de Viktor Orbán na Hungria — e é justamente esse o alerta feito pelo professor João Cezar de Castro Rocha.
A comparação de Castro Rocha
Na Hungria, Orbán usou a maioria de dois terços no Parlamento, conquistada democraticamente, para reescrever a Constituição em 2011. Com isso, impôs regras que dificultam a alternância de poder, enfraqueceram o Judiciário, submeteram a mídia e permitiram o controle de agências reguladoras. Tudo “dentro da lei”.
No Brasil, a extrema direita busca conquistar o Senado como peça-chave para repetir essa lógica: com maioria, pode aprovar emendas constitucionais, nomear aliados ao STF e ao STJ, pressionar ou deslegitimar o TSE e blindar juridicamente o projeto autoritário.
Orbán nunca precisou dar um golpe clássico. Sua estratégia foi usar as próprias ferramentas da democracia liberal para subvertê-la: criar regras de jogo que garantem sua permanência no poder. Um autoritarismo de verniz democrático.
Segundo Castro Rocha, o bolsonarismo aprendeu essa lição: não é necessário romper com a legalidade — basta usá-la contra seus próprios princípios. Com o Senado dominado, seria possível desidratar a Constituição de 1988, enfraquecer a separação dos poderes e pavimentar um “Estado de exceção permanente”, disfarçado de ordem institucional.
Controle do Judiciário como objetivo comum
Em Budapeste, Orbán nomeou aliados ideológicos para as cortes superiores, criou um Conselho Judicial obediente e reduziu a autonomia do Ministério Público. A consequência é a ausência de freios ao Executivo.
No Brasil, a ofensiva contra o STF tem sido constante. Ter o controle do Senado permitiria à extrema direita indicar ministros com perfil alinhado ao autoritarismo — o que, ao longo do tempo, deslocaria o centro de gravidade institucional para o lado da repressão e da impunidade.
O paralelo é claro: Orbán é um espelho no qual a extrema direita brasileira se mira. Ambos usam as estruturas democráticas para construir, legalmente, regimes autoritários. Conquistar o Senado, nesse contexto, não é apenas mais um passo eleitoral — é a chave para selar, por dentro da democracia, o seu próprio fim.
Gustavo Tapioca é jornalista ex-diretor de Redação do Jornal da Bahia. Foi Assessor de Comunicação Social da Telebrás. Consultor do Fundo das Nações Unidas para a Infância e Consultor do Instituto Interamericano de Ciências Agrárias (IICA/OEA).
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