O episódio do IOF ilustra muito bem o estado de fraqueza do governo, que a burguesia já comemora. Infelizmente, Lula e o PT parecem não ter aprendido nada com o golpe de 2016: mais uma vez, apostaram na lealdade dos inimigos, que gentilmente chamaram de frente ampla. Desta vez, fizeram coro com a ladainha da luta contra o fascismo bolsonarista e da famigerada defesa da democracia burguesa. Para completar a lista de equívocos, mergulharam de cabeça na política identitária. Em suma, caíram em todas as armadilhas da burguesia.

Haddad defende a sua “justiça tributária”: em sua cabeça, por que 140 mil pessoas, num universo de 213 milhões de brasileiros, não poderiam ganhar um pouco menos para diminuir a injustiça embutida na distribuição de impostos? Ele até formulou publicamente esse pensamento, num surto de bom-mocismo, quase apelando para os bons sentimentos da burguesia. Nesse sentido, o identitarismo parece ter feito um grande estrago na mente das lideranças do campo progressista. É como se o ministro achasse possível usar a estratégia da culpa moral para solucionar a luta de classes.

Nunca é demasiado lembrar que os bancos que financiam projetos sociais e culturais de qualquer tipo, inclusive e principalmente os de viés identitário, apenas fazem bonito com o chapéu alheio, pois todas essas boas ações de valorização das minorias são bancadas por isenções fiscais. Em suma, eles abrem as burras para os identitários, como se fossem sensíveis às causas, mas apenas estão fazendo marketing à custa do erário. Imposto é a palavra mais odiada pela burguesia. A empresários e banqueiros peça uma doação, peça uma esmola, mas não fale em imposto. Só o Haddad não sabe disso?

O Congresso Nacional que temos representa majoritariamente o capital, não o trabalho, portanto nunca vai votar uma medida contrária aos interesses da burguesia. Deveria chamar a atenção o fato de o presidente eleito ser do PT e os deputados serem dos partidos de direita. O que explicaria essa curiosa formação? Currais eleitorais, compra de votos? Uma coisa é certa: a situação ficou clara logo após a eleição, mas ninguém quis ver, todos se fiando em que Lula é o cara que sabe conversar, é o cara que é bom de negociação etc. etc. Cansamos de ouvir isso dos analistas da mídia progressista. “Lula sabe o que faz”, “Lula vai dar um jeito”.

Estava claro que Lula precisaria do povo mobilizado, afinal a sua única força, mas ele achou que bastaria “negociar” com os inimigos. Agora, no episódio do IOF, quando o Congresso derrubou o decreto presidencial, a situação se escancarou. Vejamos o que Lula disse:

“O erro, na minha opinião, foi o descumprimento de um acordo, que tinha sido feito no domingo [8 de junho] à meia-noite na casa do presidente [da Câmara] Hugo Motta. Lá estavam vários ministros, deputados, o ministro [Fernando] Haddad com sua equipe e, quando chega na terça-feira, o presidente da Câmara tomou uma decisão que eu considerei absurda”.

O erro foi ter confiado, mais uma vez, nos inimigos de classe. Lula sonha com a conciliação entre as classes, como se tudo dependesse de uma boa conversa no domingo à noite na casa do Hugo Motta. Qual era a garantia de que o acordo seria cumprido? O fio do bigode do Motta?

Para a coisa ficar ainda pior, é preciso olhar para a proposta em si. Ainda que desse uma mordida maior nos mais ricos, exatamente porque, sendo mais ricos, têm mais dinheiro aplicado no mercado financeiro, a proposta – para variar nem um pouco – acabaria afetando a classe média, que hoje faz grande esforço para não escorregar para a pobreza e vive no limite de seu padrão, sem horizonte seguro pela frente. Diga-se de passagem, fazer a classe média pagar a conta de eventuais benefícios sociais não tem nada de progressista, apenas mostra medo da burguesia.

Haddad tomou para si a inglória tarefa de tirar leite de pedra. Com uma dívida pública aumentada artificialmente pelos sucessivos ajustes na taxa de juros, impostos pelo Banco Central “autônomo”, falta dinheiro para fechar as contas. Dado que o quinhão dos banqueiros, que, a cada ano, drena metade do orçamento do país, é inegociável, é preciso arrecadar. Haddad passou pente-fino em programas sociais para raspar o tacho, e a burguesia já mostrou que não está disposta a contribuir sequer com uma migalha de imposto para fazer a “justiça tributária” do ministro. Em outras palavras, só resta ao governo arrochar a população.

Com Sidônio ou sem Sidônio, o povo não vai sair às ruas para defender o aumento do IOF. A campanha “ricos contra pobres”, idealizada pelo marqueteiro do governo, não é suficiente para repor o abandono do conceito de luta de classes, que perdeu terreno na esquerda para o identitarismo.

Sem saída, Lula apelou para o xerife da nação: o STF. O presidente da República transferiu ao STF o poder de decidir sobre “a constitucionalidade” do seu decreto derrubado pelo Congresso. Caberá, por sorteio, vejam só, ao ministro Alexandre de Moraes arbitrar o jogo entre a Presidência da República (esquerda) e o Congresso (direita bolsonarista). O STF, porém, não é uma força neutra, isenta, racional, mas o representante de uma força política bem definida (direita imperialista, antigo PSDB), que se articula para voltar à Presidência da República.

A frente ampla e a luta contra o fascismo foram o canto de sereia da burguesia, que atraiu o PT para o fundo do mar. A esta altura, a burguesia articula a prisão do Bolsonaro e já não precisa de Lula para nada. Quanto ao identitarismo, nem isso vai sobrar para o PT, pois o bando de oportunistas que se vale dessa política já está com o pé na canoa dos “coxinhas”, com cujo ideário neoliberal se identifica plenamente. O pior de tudo é que as derrotas do governo Lula são derrotas do povo. Um ajuste de rota à esquerda parece ser a única opção. Haverá tempo e coragem?

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Last Update: 03/07/2025