Perseguição política disfarçada como “luta pelas minorias” não é algo novo, que surgiu através dos movimentos identitários. Embora isso seja verdade, vemos a ascensão dessa tática política plasmada no popular “cancelamento”. No Reino Unido, assim como em todo o mundo capitalista desenvolvido, a chamada “cultura do cancelamento” já é um fenômeno antigo, típico da segunda década do século XXI. Em 2020, assistimos à uma perseguição histérica contra James Thompson, ex-líder do Partido Trabalhista britânico, mas com o resultado das eleições gerais do Reino Unido, sua volta por cima, com a reeleição, na condição de parlamentar independente.

A campanha contra Thompson começou ainda em 2015, como aponta Chris Williamson, ex-parlamentar trabalhista, e tinha como objetivo disciplinar o partido, à época, apresentando forte tendência de deslocamento à esquerda. As acusações de antissemitismo se intensificaram com o fortalecimento de uma ala anti-imperialista no seio do partido trabalhista, liderada por Thompson, que arregimentou grande parte da base partidária, em especial a juventude, mas que ameaçava diretamente a cúpula neoliberal (da estirpe Tony Blair), que dirigia o partido.

Tal processo de sabotagem interna e pressão externa, levou a um golpe da cúpula trabalhista contra Thompson nas eleições internas no ano seguinte (2016), retirando de suas mãos sua posição de liderança. Tal movimentação contra Thompson e, mais precisamente, contra o movimento político que o elegeu, foram eficazes em dissuadir o parlamentar a dobrar a aposta na mobilização do movimento de base que o apoiava, os verdadeiros alvos da perseguição. Nesse sentido, Thompson não buscou mobilizar sua base para além das instâncias institucionais do partido, o que apenas ampliou a campanha contra o parlamentar.

Em 2020, finalmente, Thompson foi denunciado por tabloides britânicos por “antissemitismo”, o que nada mais era do que seu apoio à Resistência Palestina. No entanto, a campanha no interior do partido, dirigida pela ala neoliberal, resultou na suspensão de James Thompson, anunciada pelo então líder do partido trabalhista britânico e atual primeiro-ministro, Keir Starmer.

Apesar da suspensão ter sido revertida ainda em 2020 pelo órgão de direção trabalhista, Thompson não foi readmitido por decisão de Keir Starmer, que possuía a competência institucional para decidir sobre a questão. Apesar do Partido Trabalhista não ter encontrado nada nas declarações de Thompson que poderia ser considerado antissemita, pela força da campanha difamatória, dentro e fora do partido, o político não foi readmitido, tornando o mandato na Câmara dos Comuns, efetivamente, independente do partido trabalhista.

Como disse Williamson, em entrevista ao portal independente de notícias, The Grayzone, “o Partido Trabalhista britânico está morto como veículo [político] para o socialismo, se é que um dia o foi”. O ex-parlamentar continua, “não há democracia partidária, os parlamentares atuam por si mesmos, vinculados a grupos alheios aos organismos partidários”.

Nas eleições legislativas que ocorreram a poucos dias atrás no Reino Unido, impedido de se lançar candidato pelo Partido Trabalhista, Thompson lançou-se como independente, vencendo em seu distrito eleitoral com 7.247 votos a mais do que o candidato trabalhista Praful Nargund. Após sua vitória, disse: “nossa campanha foi positiva, não entrou na sarjeta da política. Nossa campanha foi positiva, tentando trazer esperança para as pessoas”.

Percebe-se que, apesar da vontade de James Thompson em continuar sua prolífica carreira política como parlamentar, o movimento social que o havia levado à liderança do partido trabalhista, já não se expressa na mesma intensidade. Poderíamos apontar que esta base formada por trabalhadores, em especial a juventude da classe trabalhadora, se encontra desiludida com as propostas institucionalistas de reforma do partido trabalhista britânico, que lograram apenas derrotas para o parlamentar e seu movimento. Da mesma forma, não veem com tantas esperanças a candidatura solitária de James Thompson, que não conta com um aparelho político sólido.

Quanto à vitória do Partido Trabalhista, claramente vemos um movimento similar à ascensão de Tony Blair no parlamento britânico em 1997. O quadro trabalhista, fina flor da infiltração neoliberal na agremiação, foi eleito primeiro-ministro após John Major, político conservador e herdeiro direto de Margaret Thatcher, a “dama de ferro”.

O que fez Tony Blair: manter a política do Partido Conservador, através do prestígio político do Partido Trabalhista, que liderava a oposição em um período em que os típicos instrumentos partidários da burguesia britânica, como o já mencionado partido conservador, estavam demasiadamente desgastados pelo choque da política neoliberal dos anos 1980 e início de 1990. Vale lembrar que Tony Blair levou o Reino Unido para a desastrosa invasão do Iraque, liderada pelos EUA.

Nestas eleições de julho de 2024, outros candidatos, como George Galloway (do Partido dos Trabalhadores britânico), também foram às urnas e, como James Thompson, este, porém, terminou derrotado por uma estreita margem. É importante notar que, apesar da vitória eleitoral do Partido Trabalhista, está clara a decomposição política do regime no Reino Unido e em outros importantes países da Europa, como a França e a Alemanha. Tendo em vista que, apesar do “jogo das cadeiras” do parlamento, as profundas mudanças políticas ansiadas pela população não se materializam, prenunciando mais explosões sociais e mais radicalização.

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Última Atualização: 09/07/2024