O governo de Javier Milei deportou, de forma forçada e sob denúncias de ilegalidade, uma família palestina composta por cinco pessoas que desembarcou legalmente no aeroporto de Ezeiza, na grande Buenos Aires, no dia 16 de junho. 

Os membros da família Abu Farha, cristãos residentes em Belém, na Palestina ocupada, e proprietários de empresas de turismo religioso na região, haviam obtido visto argentino na embaixada de Tel Aviv, além de apresentar carta convite, reservas de hotel, seguro saúde e passagens de retorno.

Ainda assim, foram detidos por mais de 24 horas sem qualquer explicação formal, com os passaportes retidos, impedidos de se alimentar, buscar medicamentos para doenças crônicas e vestir roupas adequadas à temperatura. 

Advogados acionados por parceiros argentinos da família tiveram o acesso negado. Um habeas corpus foi apresentado por um segundo advogado, Uriel Biondi, após 16 horas de detenção. O que não impediu a deportação.

A família relata ter sido enganada por um agente migratório, que os fez assinar um documento em espanhol sob a alegação de que servia apenas para autorizar o acesso a uma área de embarque com restaurante. 

Na verdade, tratava-se da autorização de deportação, e nenhum tradutor foi oferecido apesar da solicitação expressa. “O agente nos mentiu, nos enganou e nos fez assinar sem que ninguém traduzisse nada”, afirmou Sandy Bassam Hanna Abu Farha, uma das filhas.

Alerta internacional por homonímia

Diante das repercussões, o governo Milei justificou a recusa de entrada com base em uma suposta “alerta internacional” sobre Bassam Hanna Issa Abouferha. Contudo, não houve esclarecimento sobre a origem, o órgão emissor nem o conteúdo da referida alerta, apesar das cobranças feitas pela imprensa do país. 

O habeas corpus apresentado esclarece que se trata de um caso de homonímia, ocorrido há sete anos, quando o patriarca da família tentou transferir dinheiro a um banco na China e teve a operação recusada por suposta semelhança de nomes com outra pessoa.

O caso foi solucionado com envio de documentação comprobatória e, desde então, o passageiro passou a viajar com um documento oficial que esclarece a confusão.

“Se meu pai tivesse algum problema, não poderia viajar à China duas vezes por ano e à Europa ao menos dez vezes ao ano. Viram nossos passaportes cheios de carimbos e vistos”, afirmou Sandy. 

A família carregava, inclusive, um atestado de boa conduta emitido pela Autoridade Nacional Palestina e documento oficial esclarecendo que Bassam não é a pessoa com quem fora confundido.

Apesar da elucidação, a deportação foi executada sem possibilidade de revisão judicial nem apresentação de defesa. Em Istambul, onde desembarcaram após o voo forçado, a família teve de reorganizar a viagem de volta à Palestina, embora três deles não tivessem visto de permanência na Turquia.

DNU 366, política de exclusão e a sombra de Trump

O caso ocorre sob vigência do Decreto de Necessidade e Urgência (DNU) 366/2025, assinado por Milei em maio, que ampliou as possibilidades de rejeição de entrada com base em “suspeitas fundadas” sobre a intencionalidade do viajante. 

A imprensa argentina, no entanto, aponta que o decreto tem inspiração direta na política migratória de Donald Trump e rompe com a tradição argentina de hospitalidade e abertura.

“Hoje entra quase qualquer um, sem muitas perguntas, e as condições de deportação são muito flexíveis”, afirmou o porta-voz da Casa Rosada, Manuel Adorni. 

Juristas ouvidos pela Pagina 12 denunciaram que a deportação da família Abu Farha viola garantias constitucionais elementares, como o direito à defesa e ao devido processo legal. A família pretendia passar apenas nove dias no país e retornar com um grupo de turistas religiosos.

Xenofobia institucional: “foi porque eram palestinos”

Amigos argentinos da família afirmam que a medida foi motivada por discriminação étnica. “Foi um caso de xenofobia. E foi porque eram palestinos. Tinham tudo comprovado”, relatou uma das fontes ao El Ciudadano

Organizações de direitos humanos denunciam que a ação abre precedente para perseguições com base em origem nacional, religiosa ou cultural.

Juristas argentinos alertam para o risco de que a migração passe a ser tratada sob pretextos de segurança não comprovados, criando uma zona de arbítrio e racismo institucional. 

“Se isso aconteceu com uma família com todos os documentos e visto oficial, o que pode acontecer com refugiados e migrantes vulneráveis?”, questionou um especialista ao periódico El Ciudadano.

Decisão política, não técnica

Segundo informações publicadas pelo La Izquierda Diario, fontes com conhecimento direto da Direção Nacional de Migrações — o órgão federal responsável pelo controle de entrada e saída de pessoas no território argentino — afirmaram que uma deportação deste tipo não teria ocorrido sem ordem de um alto cargo político. 

Embora o diretor de Migrações, Sebastián Seoane, seja servidor de carreira, a decisão não teria sido administrativa. Todas as suspeitas recaem sobre o ministério da Segurança, comandado por Patricia Bullrich.

Para essas fontes, ouvidas pelo mesmo veículo, o caso revela uma tentativa deliberada de “agradar Israel” em meio ao conflito em Gaza. O gesto, dizem, é político, diplomático e ideológico. O dano à imagem internacional da Argentina e às instituições democráticas do país ainda não foi mensurado.

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Last Update: 02/07/2025