A Bolívia e o método do golpe por tentativa e erro

Por Luís Carlos Silva**

Antes de entrar diretamente no assunto relativo à Bolívia, queria refrescar a memória de nossos leitores sobre um fato ocorrido há mais de 51 anos, em outro país.

Em 29/06/1973, durante a primeira experiência de construção do socialismo através das vias da democracia liberal que estava sendo levada adiante sob o comando de Salvador Allende, no Chile, houve uma rebelião militar encabeçada pelo tenente-coronel Roberto Souper, cujo objetivo declarado era pôr fim ao governo da Unidade Popular. Foi a movimentação que ficou conhecida como o “tanquetazo”.

Em poucas horas, o levantamento foi sufocado pelas forças que se mantiveram alinhadas às diretrizes do governo constitucional. À cabeça das tropas legalistas estava o então comandante geral do exército indicado pelo presidente Salvador Allende, o general Augusto Pinochet.

Porém, aquilo que à primeira vista parecia ter sido uma grande vitória do campo popular, em pouco tempo, veio a confirmar que o desenlace tinha sido justamente o oposto dessa sensação inicial.

É que os articuladores dos interesses reacionários e pró-imperialistas souberam aproveitar as informações extraídas do falido golpe para corrigir e aperfeiçoar sua estratégia para quando aparecesse a seguinte oportunidade.

E esta não tardou nem três meses em se apresentar. Então, em posse das avaliações de como reagiram os setores antigolpistas da vez anterior, o próprio general Augusto Pinochet desfechou um novo e mortífero ataque visando depor o governo eleito.

Mas, como nessa nova arremetida os usurpadores contavam com os dados dos estudos sobre as táticas empregadas pelas forças da resistência, a empreitada sediciosa foi vitoriosa, uma vez que soube neutralizar os esforços de resistência do campo popular.

Este preâmbulo exposto até aqui tem a finalidade de chamar a atenção dos que estão associados com os sonhos de construção de um mundo mais justo e solidário sobre a recentemente malograda operação de um setor militar liderado pelo general Juan José Zúñiga visando tomar o poder na Bolívia.

Não obstante o alçamento ter sido inviabilizado em poucas horas, outros coordenadores das classes dominantes devem estar estudando com muita atenção as peculiaridades das reações ocorridas no momento em que a intentona foi perpetrada.

É mais do que provável que eles estejam realizando um levantamento minucioso do comportamento reativo das organizações populares diante da agressão golpista, assim como uma análise a respeito de como as fissuras existentes entre as lideranças das forças progressistas afetaram sua capacidade de luta.

Certamente, eles vão procurar fazer uso de todo esse conhecimento para neutralizar a possível resistência a uma nova investida, que poderá ocorrer a qualquer momento.

Da mesma maneira que as classes dominantes recorrem ao método de tentativa e erro para detectar debilidades em nossas linhas, os que nos identificamos com os interesses das maiorias populares também precisamos aprender a extrair ensinamentos sobre a movimentação dos golpistas antipopulares.

A patetada encabeçada pelo general Juan José Zúñiga pode não ter significado somente um episódio de um amalucado e imbecilizado general boliviano. E isto a despeito de ele até poder se enquadrar pessoalmente nas categorias de maluco e imbecil.

É preciso levar em conta que os tais idiotas também podem ser úteis e até imprescindíveis para a consecução de projetos inteiramente contrários às aspirações do povo.

Tal como ficou evidente no caso brasileiro, verdadeiros energúmenos são capazes de desempenhar tarefas valiosíssimas em favor das oligarquias e do imperialismo.

O único que se requer daqueles que se propõem a assumir este papel é que estejam inteiramente desprovidos de pruridos e sensibilidades morais e, por outro lado, dotados de suficiente ambição a ponto de motivá-los a aceitar agir do modo mais sórdido imaginável em troca de substanciais benesses pessoais.

Os próceres do lavajatismo e do bolsonarismo estão aí para deixar patente que isto faz todo sentido.

Portanto, as lideranças democrático-populares precisam aprender a superar diferenças menos relevantes nestes momentos de gravidade para não deixar que nossas disputas intestinas facilitem o trabalho de nossos eternos exploradores.

O povo boliviano precisa contar com nossa ampla solidariedade, mas também tem o dever de buscar formas de forjar sua indispensável unidade.

No vídeo que oferecemos neste enlace (no topo), o caso boliviano é tratado de uma maneira que nos ajuda a refletir sobre como enfrentar o problema.

**Luís Carlos Silva é economista e mestre em linguística pela UFRJ.

*Este texto não representa obrigatoriamente a opinião do Viomundo.

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Última Atualização: 09/07/2024