O Brasil tem sofrido nos últimos 2 meses um forte ataque especulativo contra o real, que levou o dólar de R$ 5,11 para mais de R$ 5,60. Fatores externos à parte, com sua grande influência nos fluxos de câmbio, chama a atenção a postura do presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto. Numa mistura de omissão e ação de sabotagem contra o Brasil, tem sido determinante sua contribuição para a onda especulativa, embora setores da mídia, complacentes com o presidente do BC, prefiram atribuir a situação ao presidente Lula em razão de suas críticas à atuação da autarquia.
O Brasil tem condições de enfrentar o ataque ao real. Em 2 meses, as reservas cambiais do país saltaram de US$ 352 bilhões para US$ 357 bilhões, recursos que podem ser utilizados para conter a especulação. Mas, ao contrário do que ocorreu no governo Bolsonaro, Campos Neto – indicado pelo ex-presidente – ficou estranhamente imobilizado, não atuando no mercado de câmbio para segurar a cotação.
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No governo anterior, quando surgia um movimento de especulação cambial, Campos Neto usava as reservas internacionais – que, aliás, foram acumuladas nos governos Lula e Dilma. No governo militarista passado, o presidente do BC usou US$ 65,8 bilhões a fim de manter o câmbio sob controle. Só na véspera das eleições de 2022, Campos Neto vendeu US$ 20,85 bilhões.
Agora, não só ficou inerte como fez declarações que contribuíram para agravar a crise cambial. Ao comentar a questão fiscal, disse que não era da sua conta – mas ajudou a encher as burras de quem especula com o dólar no Brasil. Participou de conversas com banqueiros e integrantes da oposição ao governo Lula. Há algo estranho no ar que precisa ser investigado.
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Na prática, a fala do presidente do BC, e não as de Lula, impulsionou a apreciação do dólar, muito mais do que em outros países latino-americanos. Campos Neto ajudou quem apostou na ausência de intervenção do BC. Uma investigação é necessária para se saber os nomes das empresas e dos rentistas que ganharam com a paralisia do BC frontalmente contrária aos interesses nacionais. O presidente Lula está certo: um presidente do BC não pode se achar mais importante que o chefe do Executivo federal, eleito por mais de 60 milhões de brasileiros.
Ora, o próprio site do BC mostra: “O Banco Central regulamenta o mercado de câmbio e autoriza e supervisiona as instituições que nele operam. O Banco Central tem atribuição para executar a política cambial, podendo atuar diretamente no mercado, comprando e vendendo moeda estrangeira de forma ocasional e limitada, com o objetivo de conter movimentos desordenados da taxa de câmbio”. O presidente do BC ignora o papel legal da entidade que preside. Aposta ostensivamente no enfraquecimento do real e, para consolidar essa atitude antinacional, não interfere no câmbio. Com a certeza da impunidade, Campos Neto sinaliza para o mercado inação completa, o que estimula um ataque especulativo ao real. Trata-se de uma verdadeira sabotagem contra o Brasil.
Mais grave é que esse estímulo à desvalorização do Real também estimula uma alta das expectativas inflacionárias. Com isso, Campos Neto reforça seu próprio argumento em prol da alta nas taxas de juros, atendendo aos especuladores, rentistas e ao “mercado”. Não tem perfil técnico, mas sim, o de um opositor ao governo Lula.
Todo esse cenário remete a uma questão: a tão falada autonomia plena do Banco Central. Engavetado por quase 30 anos, o projeto que concede autonomia formal ao Banco Central foi aprovado no governo passado, capturado pelo sistema financeiro. Como a bancada do PT na Câmara denunciou há 10 anos, tratava-se, na prática, da permissão para que um órgão estratégico ficasse descolado das plataformas dos governos escolhidos pelos brasileiros nas urnas.
Antes da mudança, nunca faltou ao Banco Central a autonomia operacional necessária para executar a política monetária, ou seja, a capacidade de fazer suas escolhas para perseguir as metas de inflação fixadas pelo Poder Executivo por intermédio do Conselho Monetário Nacional. A autonomia, como vemos agora com Campos Neto, assegurou a um segmento burocrático do Estado – submetido à forte influência do já privilegiado sistema financeiro – o poder de agir independentemente do Executivo e do programa do governo eleito para promover a retomada do caminho do desenvolvimento com justiça social e do combate às desigualdades sociais e regionais. A autonomia do BC significou aprofundamento do secular modelo elitista do Brasil.
Merlong Solano Nogueira é deputado federal (PT-PI) e vice-líder da Bancada do PT na Câmara dos Deputados
Artigo publicado originalmente no site Poder 360