O financiamento da educação está em um mar de disputas sobre o orçamento público. Quando pensamos que nos livramos do famigerado teto de gastos, temos de conviver com o novo arcabouço fiscal que, para “os mercados”, ainda é insuficiente, pois gostariam de restringir ainda mais as despesas obrigatórias para deixar mais recursos com o pagamento e serviço da dívida pública, ambos incensados até mesmo pelos altos juros praticados pelo Banco Central, a despeito de os indicadores econômicos anunciarem que vamos bem.

Neste contexto, assistimos, bastante indignadas, às discussões sobre a retirada dos mínimos obrigatórios da saúde e da educação, vinculados constitucionalmente, além da especulação sobre a desvinculação dos reajustes das aposentadorias do salário mínimo, podendo levar a um estado de total mal-estar social.

Daí a importância de reforçar, nesse artigo, o quanto permanecemos distantes de um financiamento adequado para a educação, não somente em âmbito federal, como em níveis subnacionais. O que estava previsto no Plano Nacional de Educação, que encerrou sua vigência no primeiro semestre, era atingirmos o patamar de 10% do PIB entre 2014 e 2024 para a educação. Contudo, partimos de 5% e chegamos em 5%. Não saímos do lugar e ainda tivemos uma pandemia no meio do caminho, piorando o que já estava ruim.

O balanço do PNE apresentado pela Campanha Nacional pelo Direito à Educação demonstra que, em todas as etapas de ensino, as metas não foram atingidas. Na educação infantil, o resultado ficou em 37% de atendimento da demanda, quando a meta era atingir 50%. E vale ressaltar que, em muitos locais, o atendimento é feito por creches conveniadas e não públicas. Com relação à pré-escola, chegamos a atingir a meta, mas a pandemia provocou um retrocesso ainda não sanado. O Índice de Desenvolvimento da Educação Básica, o Ideb, em todos os níveis, não ficou dentro da meta.

O número de estudantes que concluiu o ensino fundamental caiu com a pandemia. Além disso, estamos bem distantes de atingir a meta de redução do analfabetismo funcional, que atinge 29% da população. Para a faixa etária entre 15 e 17 anos, o PNE, em 2024, previa que 85% dos alunos deveriam estar cursando ensino médio ou já ter concluído a educação básica, porém, o alcance está em 76%. Com relação ao ensino superior, a expansão prevista para a população de 18 a 24 anos não aconteceu, sendo que, entre 2020 e 2022, houve retrocesso. O mesmo se viu com a Educação de Jovens e Adultos, a educação em tempo integral.

Todos os estados brasileiros e o Distrito Federal enfrentam um problema comum: a falta de recursos suficientes

Diante desta realidade, pesquisamos os orçamentos da educação, dos estados e do Distrito Federal, do quadriênio 2019/2022, além do ano de 2023, e comparamos esses gastos com o Custo Aluno Qualidade (CAQ). No entanto, conseguimos apenas demostrar tendências, pois, como há falta de dados em vários portais estaduais e sérios problemas de transparência pública, não podemos afirmar com precisão tais informações. Os dados que conseguimos, no entanto, apontou a direção do problema.

Em comum, para todos os estados e o Distrito Federal, temos a insuficiência de recursos financeiros, além do elevado índice de contingenciamento das despesas, somado à trajetória declinante da função educação no orçamento (especialmente entre 2019 e 2021). A tendência vista nos dados é fruto de arcabouços fiscais que apostam no escasseamento do recurso como forma de melhorar sua alocação. A menos que tenhamos excluído a educação como forma eficiente de alocar um recurso, esta expectativa não parece estar se cumprindo.

As regras fiscais que constrangem o orçamento público carregam o vício de categorizar o investimento público como se fosse o gasto “bom”, e o gasto corrente, como se fosse o “ruim”. É comum, inclusive, o Governo Federal levar em consideração o nível de gasto corrente sobre a receita líquida do estado na hora de classificá-lo como bom pagador de sua dívida ou não.

O apelo ao senso comum presente neste discurso camufla uma realidade bem mais perversa: é por meio do gasto público corrente que se realizam as políticas públicas para a população na ponta. Dentro da rubrica orçamentária classificada como gasto público corrente estão despesas com bombeiros, assistentes sociais, policiais, médicos, enfermeiros e professores. Ou seja, direitos para pessoas de direitos.

Como isso se reflete na vida das pessoas

Os estados com a maior porcentagem de estudantes indígenas são Amazonas, Mato Grosso do Sul e Roraima. Os gastos per capita com educação de Amazonas e Mato Grosso do Sul se situaram abaixo da média nacional em todo o período de 2019 a 2021. Além disso, os três estados apresentavam tendência de queda nas despesas per capita liquidadas na função educação até 2021, sendo que Roraima se destaca nacionalmente pelo volume de contingenciamento. Ou seja, além de gastar menos a cada ano, o contingenciamento dentro do orçamento vinha aumentando consistentemente.

Os estudantes pretos e pardos se concentram, principalmente, nas regiões sudeste e nordeste, especialmente em São Paulo, Minas Gerais, Rio de Janeiro e Bahia. Esses estados se destacam entre os que mais possuem alunos pretos e pardos, fato que pode ser contrastado com os recursos orçamentários por estudante abaixo da média nacional verificados no Rio de Janeiro e Bahia.

Salvo algumas raras exceções, o panorama geral dos estados mostra que os recursos financeiros alocados em 2023, considerado o melhor ano do quinquênio em termos de dotação orçamentária, mal seriam suficientes para cobrir os custos dos alunos já matriculados com a qualidade necessária, quanto mais, atuar para resolver as carências de professores, infraestrutura e tantos outros itens importantes.

As regras fiscais que constrangem o Orçamento carregam o vício de categorizar o investimento como o gasto ‘bom’, e o gasto corrente, como o ‘ruim’

Comparando o liquidado com o CAQ

Mirando o ensino médio, que é etapa de responsabilidade exclusiva dos estados e DF, a comparação revela que dez estados estão atendendo aos critérios do CAQ, com alguns até superando essa referência. Por outro lado, doze estados não alcançam os requisitos estabelecidos pelo CAQ, incluindo Acre, Bahia, Goiás (este com uma das maiores discrepâncias), Maranhão, Minas Gerais, Paraíba, Paraná, Rio de Janeiro, Rio Grande do Norte, Rondônia, Santa Catarina e São Paulo. Além disso, quatro estados — Alagoas, Pará, Rio Grande do Sul e Tocantins — não possuem dados disponíveis para essa análise.

O Rio de Janeiro, por exemplo, gastou em 2023 pouco mais de 600 reais por mês com cada aluno matriculado no ensino médio da rede pública. Contudo, nem todo este valor de fato chegou até o estudante, uma vez que o orçamento também precisa atender outras formas de gasto além do seu custeio. Vale lembrar que as escolas particulares com bons índices de desempenho educacional para o ensino médio na capital fluminense costumam ter mensalidades bem acima dos 600 reais, chegando a 3 ou até 10 vezes o valor liquidado pelo estado em 2023 por estudante da rede pública.

Se 2024 ficará marcado pelo início de um novo Plano Nacional de Educação para os próximos dez anos, é preciso que o governo federal leve em consideração a diferença de capacidade arrecadatória de cada estado. Vimos que as unidades da federação com maior número de matrículas em áreas rurais e de difícil acesso costumam ter custos mais elevados para atender seus estudantes. São estados que também contam com menor capacidade arrecadatória, necessitando maior aporte de recursos por parte do governo federal.

Para além do poder transformador da educação, o que precisamos é de recursos que garantam direitos de todas as pessoas a uma vida plena, o que não é possível sem o processo de escolarização, que garante liberdade de escolhas e cidadania de fato.

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Última Atualização: 09/07/2024