O regime do Microempreendedor Individual (MEI), símbolo da formalização simplificada no Brasil, se tornou uma bomba-relógio previdenciária. Estudo recém-publicado pelo Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre estima que, desde a sua criação há 16 anos, o modelo já contratou um déficit atuarial de R$ 711 bilhões para a Previdência Social — cifra que pode saltar para R$ 974 bilhões caso haja crescimento real do salário mínimo de 1% ao ano.

O MEI, do ponto de vista estrutural, é uma bomba previdenciária”, afirmou o economista Rogério Nagamine, ex-subsecretário do Regime Geral da Previdência Social (RGPS), em entrevista à Folha.

A avaliação se baseia no descompasso entre o valor arrecadado, apenas 5% sobre o salário mínimo, e os benefícios garantidos aos microempreendedores, como aposentadoria por idade, auxílio-doença, salário-maternidade e pensão por morte.

Crescimento acelerado, contribuição mínima

O número de MEIs saltou de 44 mil em 2009 para 16,2 milhões em junho de 2025, o que representa quase 12% dos contribuintes do INSS. No entanto, eles são responsáveis por apenas 1% da receita previdenciária, gerando um descompasso estrutural que, segundo Nagamine, tende a se agravar com o tempo.

As contribuições mínimas não sustentam os benefícios. Se você paga 5% do salário mínimo por 180 meses, desembolsa R$ 18 mil e depois recebe um salário mínimo pelo resto da vida. Em um ano, esse trabalhador já recupera tudo o que pagou”, explicou Adriane Bramante, conselheira da OAB-SP e do Instituto Brasileiro de Direito Previdenciário (IBDP), também em entrevista à Folha.

Distorções no mercado de trabalho

Mais do que um desequilíbrio fiscal, o MEI também tem distorcido o mercado de trabalho formal, ao ser utilizado como alternativa à contratação com carteira assinada. Profissões como cabeleireiros, manicures e esteticistas têm migrado em massa para o modelo de parceria formalizado pela Lei do Salão Parceiro, que legaliza a atuação sem vínculo empregatício.

Vejo também muitas instituições privadas de ensino superior que deixaram de contratar professores celetistas para trabalhar com MEI”, relatou Nagamine à Folha.

Há ainda o uso do regime como forma de acesso a planos de saúde, recusados por operadoras a pessoas físicas, mas aceitos por microempresas.

Pressão eleitoral e risco futuro

O estudo também alerta para o risco de ampliação das distorções diante da pressão no Congresso para aumentar o teto de faturamento dos MEIs de R$ 81 mil para R$ 130 mil e permitir a contratação de mais um funcionário. Medidas desse tipo tendem a ganhar força em anos eleitorais e podem agravar o desequilíbrio previdenciário.

Se mantida a trajetória atual, o déficit acumulado com o MEI pode chegar a R$ 1,9 trilhão em 70 anos, projeta o economista. “O aumento da despesa pode até ser maior do que a pequena arrecadação que o MEI gera”, alertou.

Mas, apesar do rombo apontado, o MEI ainda é defendido como porta de entrada para trabalhadores informais no sistema previdenciário. Para Bramante, “foi importante para incluir os mais pobres, já que a categoria de contribuinte facultativo é mais restritiva”. No entanto, ela reconhece que “há um desvio de conduta. Isso realmente está errado”.

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Last Update: 30/06/2025