O jornalista Luís Pellegrini, editor da revista Oásis, em artigo publicado no Brasil 247 (28 de junho de 2025), equipara os governos dos Estados Unidos, “Israel” e do Irã, além de Donald Trump, Benjamin Netaniahu e o aiatolá Ali Khamenei, sob o rótulo de “soldados fanfarrões” e líderes de “governos autoritários” que utilizam a “mentira como estratégia política central”. Essa análise, superficial e moralista, cai na armadilha liberal de equiparar os governos de “Israel”, Estados Unidos e Irã sob o rótulo de “autoritários”, ignorando as profundas diferenças históricas, materiais e políticas entre eles — fundamentalmente, a análise de classes, a única com critério científico.
A comparação de Pellegrini é não apenas equivocada, mas um exercício de mau-caratismo ideológico que serve aos interesses do imperialismo, especialmente ao sionismo e aos EUA — contra os quais o autor se apresenta como crítico. Para a esquerda, é fundamental distinguir entre os opressores e os oprimidos, entre os Estados imperialistas e os países que, como o Irã, resistem à dominação global. Pellegrini afirma que a atual guerra é “uma das mais esdrúxulas em toda a história das guerras”, mas essa caracterização é uma distorção que ignora o caráter defensivo e, em última instância, revolucionário da luta do Irã, no sentido marxista do termo, como defendido por clássicos do marxismo e pela III Internacional de Lênin.
O Irã, ao contrário de “Israel” e dos EUA, não é um Estado imperialista. Sua luta é uma resposta direta à agressão contínua do imperialismo e de seu principal aliado no Oriente Médio, “Israel”. Desde a Revolução Iraniana de 1979, que derrubou a monarquia fantoche dos Pahlavi, apoiada pelos EUA, o Irã tem sido alvo de sanções, sabotagens, assassinatos de cientistas e ataques militares diretos, como os recentes promovidos por “Israel” contra instalações iranianas. Pellegrini reconhece que “foi [o Irã] o primeiro a ser atacado”, mas falha em tirar a conclusão lógica: a resistência iraniana é uma resposta legítima à agressão imperialista. Essa ofensiva não é motivada por uma suposta “ameaça atômica”, como Netaniahu cinicamente proclama, mas pela recusa do Irã em se submeter à política imperialista e por seu apoio ativo à resistência palestina e a outros movimentos anti-imperialistas na região.
No Programa de Transição (1938), Leon Trótski é categórico ao defender a necessidade de apoiar os países oprimidos contra o imperialismo, independentemente de suas formas de governo:
“A tarefa da vanguarda proletária nos países coloniais e semicoloniais não é ajudar a burguesia local a alcançar o poder, mas apoiar a luta pela libertação nacional contra o imperialismo. Isso pode incluir alianças temporárias com forças burguesas ou pequeno-burguesas, desde que sirvam para enfraquecer o domínio imperialista e avancem a causa revolucionária.”
Trótski reforça ainda:
“Nem todos os países do mundo são imperialistas. Ao contrário, a maioria dos países são vítimas do imperialismo. Certos países coloniais ou semicoloniais tentarão, indubitavelmente, usar a guerra para se livrar do jugo da escravidão. No que lhes concerne, a guerra não será imperialista, mas emancipadora.” (idem, grifo nosso).
Sabemos que Pellegrini não é marxista ou revolucionário proletário, mas a defesa de uma nação oprimida contra o imperialismo é a única política democrática possível. O Irã, como nação oprimida, enfrenta a constante ameaça de potências imperialistas que buscam subjugá-lo econômica, política e militarmente. Sua resistência é, portanto, uma guerra defensiva que, ao desafiar a ordem imperialista, assume um caráter revolucionário, pois contribui para enfraquecer o sistema capitalista global. A análise de Pellegrini, que reduz o conflito a uma disputa entre “fanfarrões” e ignora as relações de classe, carece de fundamento material e científico. O conflito no Oriente Médio não é entre “autoritarismo” e “democracia”, como sugere o liberalismo idealista, mas entre opressores (imperialismo e sionismo) e oprimidos (Irã e os povos da região).
Pellegrini afirma que Trump, Netaniahu e Khamenei são “três políticos de vocação autocrata” que utilizam “a mentira, a desinformação e o engano como estratégia política central”. Essa equiparação é cínica, pois ignora que o Irã, ao contrário dos EUA e de “Israel”, não é um agressor global, mas uma nação que resiste à opressão. Enquanto Trump e Netaniahu representam Estados que promovem guerras de agressão e ocupações coloniais, Khamenei lidera um país que enfrenta sanções e ataques para manter sua soberania. Comparar os três como “autocratas” é apagar a diferença entre opressor e oprimido, alinhando-se, ainda que inconscientemente, com a narrativa imperialista.
Pellegrini também sustenta que esses líderes “cultivam o caos e a desconfiança” e que “o uso sistemático da mentira” é uma tática para “enfraquecer a democracia”. Essa visão liberal ignora que a luta do Irã não é sobre “democracia” no sentido burguês, mas sobre sobrevivência nacional e apoio aos povos oprimidos, como os palestinos. A III Internacional, no Segundo Congresso (1920), reafirmou a necessidade de apoiar movimentos nacionais anti-imperialistas, mesmo liderados por forças não socialistas:
“Os comunistas devem apoiar os movimentos revolucionários nas colônias e países atrasados, ou, mais precisamente, os movimentos de libertação nacional dos povos oprimidos.” (Theses on the national and colonial question, 1920).
Gregório Zinoviev, em A guerra e a crise do socialismo (1919), argumenta que “as lutas dos povos coloniais contra o jugo imperialista são uma força poderosa na desagregação do sistema capitalista global”. Em outra ocasião, afirmou que “as revoltas dos povos oprimidos nas colônias e semicolônias são parte do movimento revolucionário geral contra o capitalismo”. (Report of the Executive Committee of the Communist International, 1920).
Da mesma forma, Lênin, em Imperialismo, fase superior do capitalismo (1916), destaca que o imperialismo é a principal força de opressão no mundo moderno e que “o proletariado dos países opressores não pode limitar-se a frases gerais contra o imperialismo e a favor da igualdade das nações; ele deve lutar ativamente contra a opressão das nações dependentes e coloniais, apoiando seus movimentos de libertação”.
Dito isso, equiparar o governo do Irã aos de “Israel” e dos EUA é cinismo e uma manipulação ideológica que obscurece as verdadeiras relações de poder globais. “Israel” é um Estado colonialista, fundado sobre a limpeza étnica do povo palestino e mantido como um enclave imperialista no Oriente Médio, financiado e armado pelos EUA. Sua política de apartheid é reconhecida, inclusive, por organizações do imperialismo como a Anistia Internacional e a Human Rights Watch — que não conseguem disfarçar o horror que ocorre na Palestina. Suas guerras genocidas contra Gaza e o Líbano são a antítese da luta do Irã, que, apesar de suas contradições internas, representa uma força nacionalista oriunda de uma revolução popular que derrubou o jugo imperialista em 1979. Pellegrini, ao listar “políticas repressivas em relação aos palestinos” como um traço autocrático de Netaniahu, reconhece implicitamente a violência sionista, mas falha em conectar isso à resistência iraniana como uma força oposta a essa opressão.
Os EUA, por sua vez, são a principal potência imperialista do planeta, responsáveis por guerras de agressão no Iraque, Afeganistão, Síria e outros, além de golpes e sanções que devastam nações soberanas. Comparar esses Estados, que oprimem povos ao redor do mundo, com o Irã, um governo que resiste a essa opressão e apoia a luta dos povos islâmicos, é uma distorção que serve apenas para justificar a narrativa imperialista. O Irã, como produto da Revolução de 1979, é uma vanguarda na luta contra o imperialismo e o sionismo, sendo um pilar da resistência global.
Portanto, atacar o Irã é ser conivente com o genocídio do povo palestino. O Irã é o principal e mais forte aliado dos grupos da resistência palestina, como o Hamas e a Jiade Islâmica, fornecendo apoio material, político e militar para sua luta contra a ocupação sionista. Sem o Irã, a resistência palestina estaria ainda mais isolada e vulnerável diante da máquina de guerra de “Israel”, financiada pelos EUA. Apoiar o Irã é, portanto, apoiar diretamente a Palestina e a luta pela libertação dos povos do Oriente Médio. A luta contra o imperialismo e o sionismo é indissociável da luta pela emancipação dos povos oprimidos.