Em 28 de junho de 1969, milhares de lésbicas, gays, bissexuais, travestis e transgêneros (LGBTs) de Nova Iorque bateram de frente com a opressão numa verdadeira rebelião contra a lgbtfobia. Durante quatro dias, fecharam as ruas com barricadas, enfrentaram a polícia e ganharam apoio da população e dos movimentos sociais.

Na época, 49 dos 50 estados dos Estados Unidos criminalizavam os “comportamentos homossexuais” com leis tão bizarras como a que proibia que uma pessoa portasse mais de três peças de roupas ou adornos do “sexo oposto” e resultavam em cenas brutais de humilhação, espancamentos e prisões por parte de uma força policial que ainda lucrava com esquemas de corrupção em parceria com os donos dos pontos de encontro no gueto.

Os atos homossexuais eram considerados crime em quase todo os Estados Unidos. Homossexuais, bissexuais e pessoas trans eram proibidas de assumir cargos no serviço público. Não tinham acesso à saúde e à educação pública. Eram considerados doentes e pervertidos.

Corações, mentes e ruas em chamas

O epicentro da rebelião foi o Stonewall Inn, um bar frequentado por pessoas que, como descrito na época, “não tinham nada a perder”: jovens expulsos de casa, travestis, transexuais e drags, muitas delas negras e latinas, como as trans Sylvia Rivera e Marsha P. Johnson, que estiveram na linha de frente do confronto.

A Revolta de Stonewall  levou a um intenso processo de organização das LGBTIs

Os policiais foram encurralados e trancados no boteco que, por pouco, não foi incendiado por uma multidão cuja rebeldia assumiu forma de radicalidade e deboche. Primeiro, voaram moedas; depois, tijolos. Em poucas horas, foram levantadas barricadas, o que transformou a região em território livre.

No meio da luta, houve um intenso processo de organização das LGBTIs. Foi ali que nasceram grupos como o Gay Liberation Front (GLF, Grupo de Libertação Gay), um dos principais responsáveis pela primeira Parada do Orgulho Gay, realizada em 28 de junho de 1970, reunindo mais de 10 mil pessoas, nos Estados Unidos. Também foi lá que se estreitaram os laços com outros movimentos (negro e feminista em particular) e organizações políticas de esquerda.

A partir de então, o dia 28 de junho passou a ser o dia do Orgulho Gay, e o exemplo foi seguido em diversos países. Nesse dia, as LGBTIs afirmam sua história de resistência e combate à lgbtifobia. Com isso, surgiram as famosas paradas e o movimento LGBTI atual, que impôs transformações à sociedade, derrubou leis reacionárias e conquistou alguns direitos em diversos países.

Um mundo onde ser LGBTI ainda é um crime

Hoje, pelo menos 11 países, a homossexualidade ou quaisquer manifestações de orientações sexuais ou identidades de gênero distintas da chamada “heteronormatividade” são punidas com a pena de morte.

Segundo um relatório da Associação Internacional de Lésbicas, Gays, Bissexuais e Intersexos (ILGA, na sigla em inglês), dos 193 países pertencentes à Organização das Nações Unidas (ONU), 64 criminalizam qualquer tipo de relação sexual entre LGBTI+ e outros 42 têm alguma forma de restrição legal, sendo que as punições vão de espancamentos públicos à prisão, passando por multas e restrições a direitos básicos. Enquanto isto, a união civil (ou casamento) entre LGBTI+ é permitida apenas em 34 países.

Muitos destes países estão na África, no Oriente Médio e na Ásia. Contudo, os ataques são duros nos Estados Unidos com Trump, América Latina e Europa. Países que têm seu passado fincado no stalinismo e, agora, depois da restauração capitalista, mantém o pior de suas tradições, como são o caso da Polônia, da Rússia e da Hungria, onde recentemente Órban aprovou uma lei que proíbe as marchas do orgulho.

No Brasil, segundo a Fundação Perseu Abramo, há mais de 400 projetos tramitando no Congresso para restringir direitos LGBTI+. Há uma escalada de ataques as nossas conquista, mas há também uma forte reação dos setores oprimidos que saem às ruas dos EUA as políticas xenófobas e LGBTIfóbicas de Trump ou em Budapeste em que a Parada do Orgulho foi um grande protesto contra Órban.

O ditador russo Vladimir Putin aprofunda sua cruzada contra as pessoas LGBTI+ | Foto: depositphotos

Um mundo que nos trata como doentes   

As relações afetivo-sexuais que fogem à heterossexualidade foram historicamente tratadas como doença, seja pela Igreja (como “doença da alma”) ou pela psiquiatria, especialmente a partir do século XIX com teorias pseudocientíficas usadas pela burguesia imperialista.

Hoje, apenas 25 países proíbem as “terapias de conversão” (conhecidas como a “cura gay”) e em apenas 10 a proibição é total. Contudo, em grande parte do mundo práticas bárbaras que vão da castração a brutais e antiéticas formas torturas, físicas e psicológicas ainda são permitidas. As pessoas trans são as mais afetadas, tendo sua identidade negada ou patologizada, além de obstáculos ao acesso a procedimentos necessários para que seus corpos entrem em sintonia com realmente quem são.

Lutar contra a LGBTIfobia e o capitalismo

Uma das palavras-de-ordem centrais da Revolta de Stonewall foi “Fight Back!!” (“revide” ou “lute contra”, em tradução livre). E é exatamente isto que precisamos resgatar. Este não é um mundo em que podemos lutar “ao lado” ou “com” aqueles que têm nos marginalizado historicamente. Ou nos voltamos contra eles ou viveremos sempre à margem da sociedade.

A raiz de toda a opressão que nós LGBTIs passamos está na exploração imposta pelo capitalismo, que utiliza nossas diferenças para dividir a nossa classe, aumentar a exploração e os lucros dos capitalistas. Por isso, a luta contra a lgbtifobia precisa ser combinada com a luta pela derrubada do capitalismo, pois hão há como reformar ou “humanizar” um mundo como este.

É com esse espírito que nós do PSTU atuamos, desde nessa origem no Brasil, ainda como Convergência Socialista, guiado pela teoria marxista e pelas ações construídas na Revolução Russa de 1917, onde todas as leis contra a homossexualidade foram derrubadas pelo governo revolucionário.

A história do PSTU é cruzada pela história de luta e resistência das LGBTIs brasileiras

O PSTU é parte da história de luta e resistência das LGBTIs brasileiras. Quando os ventos de Stonewall chegaram aqui, a Convergência Socialista, principal corrente política que deu origem ao PSTU, foi parte da construção e convocação do 13 de junho de 1980, dia que as LGBTIs realizaram o primeiro grande ato de rua no Brasil, sendo importante passo para a luta atual contra a opressão e parte da luta contra a ditadura civil-militar.

O ato se concentrou nas escadarias do Teatro Municipal de São Paulo e seguiu em marcha até o Largo do Arouche, local onde historicamente LGBTIs frequentam e residem. Desde abril daquele ano, vinham ocorrendo sistematicamente prisões, espancamentos e tortura de LGBTs na região central da capital paulista. Apesar de ter como foco a população LGBTI, negros e negras e prostitutas, a operação prendia qualquer pessoa que fugisse dos padrões morais defendidos pela ditadura. Em uma semana 1500 pessoas foram presas, sendo 187 travestis em uma única noite.

Mas, anteriormente aos ataques policiais orientados à comunidade LGBT, já existia um forte processo de organização do então chamado movimento homossexual no Brasil, com a formação de diversos grupos homossexuais e através da imprensa alternativa, principalmente em São Paulo e Rio de Janeiro, tendo como principais veículos o jornal “Lampião de Esquina” e o boletim “Chana com Chana”.

Todo esse processo organizativo estava inserido em uma conjuntura em que cada vez mais a ditadura civil-militar perdia suas bases de sustentação e era empurrada para a reabertura, frente às greves operárias, às lutas da classe trabalhadora e da juventude.

1980: Um 1º de maio que marcou a história da luta LGBTI

Um dos primeiros grupos a se formar no Brasil foi o SOMOS – Grupo de Afirmação Homossexual.  O SOMOS teve ainda grande importância neste início do movimento do Brasil, sendo um dos organizadores do ato de 13 de junho de 1980. Juntamente a grupos feministas, ao movimento negro e organizações de esquerda, construiu a mobilização que contou com mais de 1.000 pessoas e significou o primeiro grande ato de rua LGBTI no Brasil

A Convergência Socialista, organização que deu origem ao PSTU, participou da fundação do SOMOS e de momentos mais importantes da história do grupo: o 1° de maio de 1980 quando parte do SOMOS participou do ato histórico na Vila Euclides levando faixas de apoio dos operários em greve e do Encontro de Grupos Homossexuais na Universidade de São Paulo (USP).

E assim seguimos atuando até hoje. Combinando às lutas e as pautas das LGBTIs às da classe trabalhadora, na perspectiva da derrubada do capitalismo e pela construção do socialismo. O PSTU combate com firmeza as ideologias burguesas, usadas por um setor capitalista que tenta se apresentar como nosso aliado na luta contra o preconceito e a discriminação, quando na verdade tem um objetivo duplo e combinado: tentar apaziguar a nossa revolta e, por tabela, lucrar com o chamado “pink money”, a grana daqueles e daquelas que são vistos única e exclusivamente como consumidores em potencial. Ou como faz descaradamente o Estado genocida de Israel que através do “pinkwashing” se diz amigos das LGBTI+ enquanto promove o genocídio do povo palestino.

Também nos enfrentamos com setores da dita “esquerda progressista”, que abraçaram a falsa ideia de que é possível “reformar” ou “humanizar” o capitalismo, que acreditam que seja possível conquistar direitos e liberdade através de mudanças graduais e progressivas nos marcos do sistema capitalista e em aliança com a classe dominante.

Combatemos o stalinismo, os herdeiros das burocracias que traíram a Revolução Russa, que hoje se apresentam como “defensores desde sempre” das nossas lutas. Uma farsa que não resiste a uma breve checagem na História, já que stalinismo tratou e segue tratando as LGBTIs como “doentes”.

E, temos sido implacáveis na luta contra a extrema direita, como fizemos final de semana passado na Parada LGBTI de São Paulo, onde colocamos para correr o representante do Movimento Brasil Livre (MBL), o vereador Douglas Garcia (União Brasil). A ultradireita deve ser derrotada por completo, numa luta sem tréguas, inclusive com a cada vez mais necessária autodefesa, organizada dentro das entidades e organizações dos movimentos.

Em respeito à Revolta de Stonewall, nenhuma ilusão no governo Lula

O governo Lula, embora eleito com apoio massivo dos setores oprimidos contra Bolsonaro, tem mantido uma linha de colaboração de classes e não se enfrenta com a extrema direita. E a situação de vida das pessoas LGBTIs não mudou.

O Brasil continua sendo o campeão mundial de assassinatos de pessoas LGBTIs. O Atlas da Violência de 2025 mostrou que os casos de violência contra LGBTI+ aumentaram 1.225% nos últimos 10 anos. Lula não apenas se omite diante da violência LGBTIfóbica, dos retrocessos legislativos apresentados pela ultradireita reacionária, com resoluções como a do Conselho Federal de Medicina (CFM) – que veda a prescrição de bloqueadores hormonais para crianças trans, a administração de hormônios sexuais para menores de 18 anos e aumenta para 21 anos a idade mínima para cirurgia de redesignação – como também adota medidas contrárias aos direitos das LGBTIs, como seu projeto de novo modelo de RG, que mantinha o nome morto das pessoas trans.

As secretarias criadas pelo governo federal para representar os setores oprimidos não têm nenhuma força política ou ações positivas na sociedade. A política tem sido de negociação das pautas dos setores oprimidos com a direita e a reacionária, como ocorreu nos governos anteriores do PT, mas agora combinada com a ausência de qualquer medida paliativa. Há um apagamento total das demandas do movimento e a manutenção dos ataques.

Neste Mês do Orgulho LGBTI, o governo Lula simplesmente engavetou o programa que amplia serviços de saúde à população trans – Programa de Atenção Especializada à Saúde da População Trans (Paes Pop Trans), elaborado em 2023 e que deveria ter sido implementado desde março do ano passado.

O governo Lula não é um do governo da classe trabalhadora e nem aliado das LGBTIs, isso está demonstrado na prática. Nossa tarefa é organizar a luta, de forma independente e autônoma, para enfrentar os ataques da extrema direita e a omissão e os retrocessos do governo Lula.

Temos que ir às ruas defender um programa que apresente as reivindicações que liguem a pauta LGBTI+ à luta da classe trabalhadora, combinada à luta pelo socialismo!

Por um novo Stonewall e ir além: LGBTIs unificadas com a classe trabalhadora e independência de classe diante de todos os governos e patrões!
Explodir o armário e o capitalismo: por um mundo socialista livre de todas as formas de exploração e opressão!
As LGBTIs querem viver e sobreviver: pelo fim da escala 6×1, da violência policial e do genocídio palestino!
Lula, chega de fazer a egípcia: para enfrentar a direita, anule a Resolução 2.427/2025 do CFM, aprove cotas trans e implemente o Paes Pop Trans, já!

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Last Update: 28/06/2025