Tem crescido a crítica ao presidente Lula de que ele seria “analógico”. E é verdade que ele seja, mas o que alguns veem como defasagem, pode ser justamente sua resistência mais valiosa.
No podcast do Mano Brown, Lula foi certeiro: chamou as redes sociais de “redes digitais” — lembrando que a eletrônica, os algoritmos e as ondas eletromagnéticas não têm alma. Essa sabedoria de um homem de 80 anos, com a capacidade cognitiva inquestionável, não pode ser menosprezada. Vivemos um poderoso vício coletivo em telas e estamos cada vez mais refém da tecnologia.
Crescem os estudos que comprovam como smartphones e redes digitais alteraram nosso comportamento, afetando saúde mental e relações. Mesmo assim, continuamos dispensando desenfreadamente nossa atenção a esses dispositivos.
Milton Santos já alertava sobre essa aceleração desenfreada da globalização, que trocou profundidade por velocidade, em seu texto “elogio à lentidão”, 2001:
“O mundo de hoje parece existir sob o signo da velocidade. O triunfo da técnica, a onipresença da competitividade, o deslumbramento da instantaneidade na transmissão e recepção de palavras, sons e imagens e a própria esperança de atingir outros mundos contribuem, juntos, para que a idéia de velocidade esteja presente em todos os espíritos e a sua utilização constitua uma espécie de tentação permanente. Ser atual ou eficaz, dentro dos parâmetros reinantes, conduz a considerar a velocidade como uma necessidade e a pressa como uma virtude. Quanto aos demais não incluídos, é como se apenas fossem arrastados a participar incompletamente da produção da história.”
O paradoxo é inquestionável: quando tudo é urgente, nada é. Consumimos informações em excesso, mas perdemos a capacidade de refletir. A ansiedade vira norma, e a política vira campo de gritaria — onde a irracionalidade cresce justamente porque ninguém tem tempo para pensar.
Lula, ao governar sem se render ao frenesi digital, mostra que é possível exercer poder sem se perder no barulho da histeria. Seu nome circula diariamente em todo o país e no mundo e mesmo assim ele não cai na armadilha de trocar sua biografia por engajamento, seu prestígio pela urgência.
Sua postura lembra que, num mundo intoxicado por estímulos, desacelerar pode ser o gesto mais revolucionário. Num tempo em que até as indignações viram conteúdo descartável, resistir ao ritmo das redes digitais não é nostalgia — é sobrevivência.