Avaliações preliminares das agências de inteligência da União Europeia indicam que o Irã preservou a maior parte de seu estoque de urânio altamente enriquecido, mesmo após os ataques militares dos Estados Unidos às principais instalações nucleares do país no último fim de semana. A informação, divulgada nesta quinta-feira (26) pelo Financial Times, contradiz diretamente as declarações do presidente dos EUA, Donald Trump, que garantiu que o bombardeio “aniquilou” o programa atômico iraniano.

Segundo o jornal britânico, os 408 kg de urânio enriquecido a 60% — patamar considerado um passo antes do nível bélico — não estavam concentrados na usina de Fordow no momento do ataque. O material teria sido redistribuído previamente a diversos outros locais por ordem das autoridades iranianas, o que impediu danos diretos ao principal ativo do programa nuclear do país.

Bombardeios e versões conflitantes

Os Estados Unidos lançaram bombas antibunker contra Fordow e Natanz — as duas principais usinas de enriquecimento do Irã — e mísseis de cruzeiro contra Isfahan, um centro de conversão e armazenamento. Segundo Trump, todo o estoque de urânio “estava lá embaixo”, impossibilitando sua retirada. “Nada foi removido da instalação. Seria muito pesado e perigoso”, afirmou o presidente na rede Truth Social.

Por outro lado, imagens de satélite analisadas por especialistas europeus mostram movimentação incomum de veículos nos dias anteriores ao ataque, o que reforça a hipótese de remoção prévia do material. Ainda assim, os EUA não compartilharam um relatório completo com seus aliados, o que aumenta a desconfiança quanto à narrativa oficial de Washington.

Resistência iraniana e dúvidas estratégicas

Apesar de admitir que as instalações sofreram “grandes danos”, o governo iraniano afirmou que os EUA “não conseguiram muito”, segundo declaração do aiatolá Ali Khamenei nesta quinta. O líder supremo do país apontou que o estoque nuclear essencial foi preservado, o que enfraquece a tese de que o ataque representou um revés irreversível para o Irã.

A Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) também confirmou que não teve acesso às instalações desde o início da guerra entre Israel e Irã, em 13 de junho. O diretor Rafael Grossi relatou que recebeu uma carta prévia do chanceler iraniano Abbas Araghchi alertando que “medidas especiais” seriam tomadas para proteger o material nuclear, o que pode incluir a remoção estratégica dos estoques.

UE à espera dos EUA, que esperam Israel

A revelação complica ainda mais os rumos da diplomacia. Governos europeus — sobretudo de França, Alemanha e Reino Unido — aguardam uma sinalização dos EUA sobre a retomada das negociações nucleares, interrompidas com o início das hostilidades. Fontes diplomáticas afirmaram ao Financial Times que a política europeia para Teerã está em pausa, enquanto Washington aguarda uma definição da política de segurança de Israel.

“A situação está congelada. Os EUA não informam nem seus aliados e parecem aguardar os próximos passos de Tel Aviv”, disse uma autoridade europeia. A indefinição já provocou o colapso de conversas prévias entre chanceleres europeus e o ministro Araghchi, dias antes dos ataques norte-americanos.

Sem transparência, AIEA pode ser afastada

No início da semana, o Parlamento iraniano votou pela suspensão da cooperação com a AIEA, o que pode resultar na exclusão de inspetores internacionais do território iraniano. Embora o governo ainda não tenha formalizado essa decisão, a agência da ONU teme perder acesso a dados cruciais sobre o enriquecimento de urânio e a integridade do estoque declarado.

Grossi reforçou o apelo para que inspetores voltem “o quanto antes” a Fordow, Natanz e Isfahan, especialmente para verificar o destino dos 408 kg de urânio enriquecido. Ele lembrou que, mesmo com danos físicos às instalações, o material físico remanescente pode manter o potencial do Irã em produzir uma bomba nuclear caso esteja intacto e acessível.

Crise nuclear permanece sem solução

A série de contradições entre avaliações de inteligência, declarações públicas e relatórios incompletos revela o caráter frágil e incerto da atual crise nuclear no Oriente Médio. Trump insiste que não há necessidade de novo acordo, apesar de admitir, em falas contraditórias, que negociações com o Irã podem ocorrer na próxima semana.

Especialistas alertam, no entanto, que sem um pacto verificável, o Irã poderá avançar silenciosamente com seu programa atômico, especialmente se mantiver parte de suas centrífugas e urânio enriquecido em locais não identificados. O silêncio estratégico de Teerã e a retórica triunfalista de Trump aumentam os riscos de uma nova escalada — agora com menos informação e menos canais de verificação internacional.

Enquanto isso, as potências europeias observam, sem ação concreta, um conflito onde as bombas explodiram, mas as incertezas continuam soterradas sob a montanha de Fordow.

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Last Update: 27/06/2025