O Juiz

por Felipe Bueno

Em uma cena de Oppenheimer (2023), discute-se, no âmbito da alta cúpula do governo dos Estados Unidos, o uso efetivo de bombas nucleares como forma de forçar a rendição do império japonês na Segunda Guerra Mundial. Estamos em 1945. Há uma lista de cidades-alvo. Kyoto é poupada por trazer boas lembranças da lua de mel de um dos presentes. No filme, não faltam referências a discussões e exames de consciência do Dr. Robert e de seus colegas de trabalho acerca do uso de tecnologia nuclear e de suas consequências (então e ainda) incalculáveis na vida de civis. Destruição e morte sabidamente estavam no radar daqueles intelectuais.

Mas o que são os civis, não é mesmo?

Japoneses ou europeus. Palestinos, iranianos ou israelenses. Para não falar nos africanos que morrem em outras guerras. Para os powers that be, civis são estatísticas, margens de erro, prejuízos contados com vários zeros antes da vírgula que ao fim geralmente importam bem menos do que gostaríamos.

O noticiário atual sobre o conflito entre Israel e Irã, apesar do furo no recém-anunciado cessar-fogo, traz um céu azul sem as nuvens pesadas do dia anterior. Paz? Não, petróleo barato. Ou, pelo menos, estável, pois a estratégia iraniana (leitura de analistas, não minha) escolheu outros caminhos em vez de interromper o fluxo dos navios petroleiros que abastecem o mundo.

Já que estamos falando sobre um filme, corta! Mude-se a cena e imagine-se um vácuo de poder e de importância cada vez maior na Europa e no ocidente como um todo; a carência de líderes e de ideias renovadas. Em vez disso, as mesmas receitas velhas para perguntas novas ainda sem resposta.

Mas sabemos que o vácuo de poder não existe. E o presidente dos Estados Unidos, menos pela sua sabedoria e mais pelos botões que tem ao alcance das mãos, vai assumindo ares de juiz do mundo, avaliando comportamentos de chefes de Estado, disparando alertas e ameaças, dando conselhos e fazendo previsões.

Enquanto isso, a ONU, de seu cercadinho em Nova York, talvez tenha saudade da Guerra Fria, de um mundo que atualmente não seria levado a sério nem nos filmes do 007.

Levando ao extremo o ponto de vista de certas análises, uma catástrofe nuclear deve ser, no fim das contas, uma bênção. Sobrará petróleo no planeta. Faltará, no entanto, a humanidade para estabelecer seu preço.

Felipe Bueno é jornalista desde 1995 com experiência em rádio, TV, jornal, agência de notícias, digital e podcast. Tem graduação em Jornalismo e História, com especializações em Política Contemporânea, Ética na Administração Pública, Introdução ao Orçamento Público, LAI, Marketing Digital, Relações Internacionais e História da Arte.

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Last Update: 27/06/2025