Donald Trump, Benjamin Netanyahu e o aiatolá Ali Khamenei comemoram a vitória no confronto definido pelo presidente dos Estados Unidos, em mais uma frase de efeito sem qualquer fundamento, de “guerra dos 12 dias”. A disputa de versões mostra que nada de muito significativo aconteceu. Embora o Irã tenha declarado na quarta-feira 25 que os bombardeios israelenses e norte-americanos danificaram severamente as usinas de enriquecimento de urânio, os dois objetivos da dobradinha Tel-Aviv e ­Washington não foram alcançados. O regime dos aiatolás continua de pé e o programa nuclear do país, avaliam especialistas, sofrerá eventuais atrasos irrelevantes.

Desde a terça-feira 24, vigora um cessar-fogo de duração incerta. Trump foi obrigado a puxar a orelha de Bibi, depois de o primeiro-ministro de Israel ignorar o anúncio superlativo e autoelogioso do republicano de um acordo entre as partes na noite anterior. “Israel. Não jogue essas bombas. Se você fizer, será uma enorme violação. Traga seus pilotos de volta para casa, agora!”, escreveu o magnata nas redes sociais, visivelmente contrariado com a “impertinência” do aliado, que até aquele momento planejava lançar mais mísseis contra o Irã. Segundo o jornal israelense Haaretz, Netanyahu mudou a direção dos caças a caminho de Teerã após receber um telefonema de Trump. Os ataques a radares no norte do Irã, informou a BBC, ainda assim teriam deixado um saldo de nove mortos, entre eles o cientista Mohammad Reza Saber.

Mouin Rabbani, analista do Instituto de Estudos Palestinos e ex-oficial da ONU para a Síria, concluiu que a intenção inicial dos EUA ao apoiar a investida israelense era “melhorar sua posição de negociação com Teerã”. Ou seja, o sucesso de Netanyahu exerceria pressão suficiente para colocar um ponto final nos programas de enriquecimento de urânio e de mísseis balísticos e obrigaria os aiatolás a cortarem “ligações com os movimentos militantes na região” em um subsequente acordo ditado por Washington. A diplomacia, a partir dessa perspectiva, seria a continuação da guerra. O tiro saiu pela culatra. Os iranianos anunciaram agora a intenção de deixar o tratado de não proliferação de armamento nuclear e não mais prestar contas de suas atividades à Agência Internacional de Energia Atômica.

Nem o regime dos aiatolás soçobrou nem o programa nuclear foi aniquilado

Apesar de ser inegável a influência do governo israelense nas decisões da Casa Branca, incluído o bombardeio à usina de Fordow, a mais protegida, Trump não fez nada de muito diferente no longo processo de intervenção de Washington nos assuntos iranianos. Uma das análises mais completas consta do relatório do Instituto Brookings, de 2009: “Qual o caminho para a Pérsia? Opções para uma nova estratégia americana para o Irã”. No documento, os autores imaginavam possibilidades diplomáticas e planos militares, seja por intervenção direta (combate aéreo ou invasão terrestre) ou por mudança de regime, incentivando a insurgência de grupos internos ou apoio a um golpe militar.  O próprio “Projeto 2025 – Mandato para a Liderança/Uma Promessa Conservadora”, a agenda republicana de extrema-direita que se pretendia um guia para a segunda passagem do republicano pela Casa Branca, em capítulo devotado a elaborar políticas do Departamento de Estado, resume as possibilidades de ação desejáveis do ponto de vista do governo dos Estados Unidos.  Na página 185, lê-se o seguinte: “Em primeiro lugar, os EUA devem impedir que o Irã adquira tecnologia nuclear e capacidades de entrega (…)  Isso significa, entre outras coisas, reinstituir e expandir as sanções do governo Trump; fornecer assistência de segurança aos parceiros regionais; (…); e garantir que Israel tenha os meios militares, o apoio político e a flexibilidade para tomar as medidas que considerar adequadas para se defender do regime iraniano e seus representantes regionais, o Hamas, o Hezbollah e a Jihad Islâmica Palestina.”

Nem a entrada da força aérea estadunidense com bombardeios diretos cumpriu, porém, os objetivos estratégicos alardeados por Washington e Tel-Aviv. As primeiras análises, a partir de fotos de satélites, concluíram que as instalações nuclea­res iranianas não foram “obliteradas”, ao contrário da celebração costumeiramente egóica de Trump. Reportagem da rede de tevê CNN na quarta-feira 25 informou: o próprio setor de inteligência dos EUA chegara à conclusão de que os ataques “não haviam destruído os componentes centrais do programa nuclear” iraniano. No melhor dos cenários, o esforço de enriquecimento seria atrasado por alguns meses. Adendo: no início da ação israelense e na decisão de lançar bombas sobre o Irã, o republicano decidiu ignorar os briefings das agências de espionagem que descartavam a hipótese de o regime dos aiatolás ter desenvolvido bombas atômicas.

Teatro. O Conselho de Segurança da ONU, reunido no domingo 22, expôs novamente a sua irrelevância. Restou o discurso do representante da Rússia – Imagem: Angela Weiss/AFP

Jeffrey Lewis, especialista em armas e ex-integrante do Departamento de ­Estado do governo de Joe Biden, avaliou que os cerca de 400 quilos de urânio a 60%, ainda não enriquecido a ponto de prover uma bomba, estavam em túneis na instalação de Isfahan. “Apesar dos ataques massivos israelenses e dos EUA à instalação, não parece ter havido qualquer esforço de destruir os túneis ou o material que estava nele.” Caminhões, observou, circularam nas imediações de Fordow no dia anterior ao ataque, “possivelmente para realocar o equipamento sensível, e certamente cobrir as entradas com areia”. Rabbani, por sua vez, reforça que o Irã “permanece com o conhecimento necessário para reconstituir a totalidade de seu programa”. Somente uma campanha militar terrestre, acredita o especialista, semelhante àquela conduzida por George W. Bush no Iraque em 2003, seria capaz de derrubar o regime e enterrar o desenvolvimento das pesquisas iranianas.

Uma guerra campal seria um pesadelo para Trump. Nem mesmo os mais fanáticos apoiadores do presidente dos EUA apoiam a participação em outra campanha militar. O apresentador de extrema-direita Tucker Carlson tornou-se um crítico feroz da investida no Irã e tem insuflado a insatisfação da base. Marjorie Taylor Greene, conhecida ativista ­pró-Trump e atual deputada, tuitou: “Gastei milhões do meu próprio dinheiro e viajei o país inteiro fazendo campanha para o presidente Trump e sua agenda MAGA e suas promessas, que incluíam: ‘Não mais a guerras estrangeiras; não mais a mudanças de regime; Paz Mundial’. Apenas seis meses e já estamos de volta a guerras estrangeiras, mudança de regime e terceira guerra mundial”.

A trégua anunciada durará quanto tempo?

O professor e pesquisador de estudos militares Hector Saint-Pierre destaca um enorme desgaste dos envolvidos no confronto, “uma certa consciência do fim do equipamento militar de todos os lados, ou seja, o que chamamos de esgotamento tático”.  Na leitura de Saint-Pierre, as partes acharam uma forma de sair de um imbróglio indesejado tanto para os EUA quanto para o Irã. Teerã, apesar de celebrar a resistência aos ataques, não teria condições de manter um embate de longa duração, principalmente se houvesse um envolvimento de outros países árabes do Golfo.

A solução “honrosa” materializou-se na maneira como o Irã retaliou o bombardeio norte-americano. Na segunda-feira 23, antes de enviar mísseis em direção a Al-Udeid, base dos EUA no Catar, Teerã avisou à Casa Branca e ao governo catari. Não houve mortos ou feridos. Três horas depois, Trump classificou a retaliação de “fraca”, agradeceu o aviso da diplomacia iraniana e propôs: “É hora da paz”. “O Irã fez a coisa que deveria fazer, ou seja, dar uma resposta interna, calculada, e abrir o caminho para o presidente dos EUA se retirar do conflito”, diz Saint-Pierre. O republicano, por sua vez, poderia argumentar que bombardeou o Irã, “obliterando” o programa nuclear, cooperou com ­Israel e ofereceu a bandeira branca ao “inimigo”. O “teatro da guerra”, diz ele, permite às partes aproveitar a trégua e se preparar para um segundo round.

P.S.: O Conselho de Segurança das Nações Unidas, reunido no domingo 22, demonstrou outra vez a sua completa inviabilidade como instância de resolução de conflitos. A reunião serviu apenas para Vasily Nebenzya, representante da Rússia, em um discurso irrepreensível, expor a hipocrisia ocidental. •

Publicado na edição n° 1368 de CartaCapital, em 02 de julho de 2025.

Este texto aparece na edição impressa de CartaCapital sob o título ‘Pouco mais que nada’

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Last Update: 26/06/2025