O cientista político Sérgio Abranches. Foto: Reprodução

O cientista político e sociólogo Sérgio Abranches afirmou, em entrevista ao Valor Econômico, que o Brasil “está numa enrascada de governabilidade”. Criador do conceito de “presidencialismo de coalizão”, Abranches disse que hoje “temos um Congresso disfuncional” e avaliou que o Legislativo esvaziou o papel do Executivo, especialmente com o aumento das emendas parlamentares — algo que, segundo ele, “degringolou” de vez no governo Bolsonaro:

O presidencialismo de coalizão está funcionando no contexto atual das relações entre Executivo e Congresso ou passa por alguma disfuncionalidade?

Ele não deixou de existir, porque é uma característica estrutural do nosso modelo político, com federalismo e multipartidarismo, mas não está funcionando, e não é de agora. A entrega do governo para o Congresso começou com Michel Temer e degringolou de vez no governo Jair Bolsonaro, com uma transferência definitiva de poder sobre a execução do orçamento.

A abundância de emendas e dos fundos eleitoral e partidário faz com que os parlamentares não dependam mais do governo, que deixou de ter recursos para administrar uma coalizão. Anabolizados por esses recursos, os partidos do centrão cresceram muito, resultando num descompasso ainda maior com a representação ligada ao presidente [Lula], de partidos à esquerda.

Existem outras razões para o governo não ter base sólida?

O Brasil está numa enrascada de governabilidade. O centrão tem a maioria e é completamente invertebrado, o que faz com que não sirva de base para coalizão majoritária de governo nenhum. São partidos dominados por interesses muito particularistas e muito pequenos, associados a grupos de pressão, a lobbies poderosos. Na derrubada dos vetos [de Lula, na semana passada], vimos o lobby dos setores de gás e carvão, por exemplo.

Temos um Congresso que é disfuncional para a sociedade. Ele não pensa mais no coletivo, só nos interesses particulares e locais. A composição atual não oferece a possibilidade de coalizões majoritárias que sigam a orientação do governo. Por isso, não existe base. Nas votações que têm derrotado o governo, em torno de 60% dos votos são de partidos com ministério. As legendas já não respondem de forma coesa aos comandos, como antes. (…)

Qual a parcela de responsabilidade do governo no fracasso das negociações com o Congresso?

Não se pode atribuir os problemas no Congresso a um presidente [Lula] que é minoritário. Por melhor que ele administrasse a sua coalizão, ainda assim ele seria minoritário. O Lula é muito bom negociador, como demonstrou em seus dois primeiros governos. O problema é que ele não consegue mais fazer com que os líderes dos partidos que têm ministérios levem seus partidos a se comportarem conforme o acordado. (…)

Por que o Congresso não aparenta ter o mesmo empenho em cortar gastos que pede ao governo?

Não vota corte de gastos porque não interessa a eles, sobretudo os gastos que beneficiam os empresários que eles defendem. É pura hipocrisia do Congresso. A ideia dos economistas de que o país precisa de reformas estruturais, pode tirar da agenda do curto e médio prazo, porque com esse tipo de Congresso não vai acontecer nunca.

Haddad está na direção correta, ao fazer ajuste fiscal cortando o gasto que beneficia os ricos, para poder financiar as políticas sociais e fazer a distribuição de renda pelo lado da justiça tributária, mas o Congresso não está interessado nisso.

Falta fazer, por exemplo, uma revisão dos incentivos. Esse é o maior problema hoje no Brasil, porque eles custam caro e concentram renda. Há incentivos estapafúrdios, que não fazem sentido e conspiram contra o futuro, como os destinados ao setor do carvão. (…)

Que cenário se desenha para a eleição presidencial de 2026? A polarização continuará?

O Bolsonaro, [eventualmente] condenado e preso, é uma liderança política em declínio, [caminhando] para o desaparecimento. A pontuação dele nas pesquisas é “recall”. Quem disputou a Presidência tem mais preferência eleitoral do que quem não disputou. A saída de cena dele vai ajudar a despolarizar a população. Com relação ao Lula, ele é muito competitivo ainda e tem base de saída forte, por possuir “recall” nacional. Por outro lado, há uma defasagem entre a popularidade e a economia, algo que não existia antes.

A economia está melhorando, mas há uma sociedade muito insatisfeita com várias coisas. Se acontecer uma desinflação pelo menos no preço dos alimentos, a popularidade do Lula vai melhorar e, na hora em que ele entrar em campanha, conseguirá ser competitivo. Não sei se será competitivo o suficiente para se reeleger, mas, a não ser que ele faça algum desastre, provavelmente estará no segundo turno. (…)

E a eleição do Congresso?

O que é garantido é que a composição dificilmente mudará a favor de alterações mais sérias e certeiras, na questão fiscal e na correção da transferência de poder orçamentário do Executivo para o Legislativo. Esse é o grande problema com o qual o próximo presidente da República, qualquer que seja ele, vai ter que lidar. (…)

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O presidente Lula (PT) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Foto: Reprodução

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Last Update: 26/06/2025