
Ana Oliveira
Pragmatismo Político
Ele não a conhecia. Não era parente, nem amigo. Não recebeu nada em troca. Ainda assim, Agam, um alpinista indonésio de 33 anos, guia experiente nas trilhas do Monte Rinjani, se lançou madrugada adentro num penhasco de quase 600 metros, com cordas, capacete, coragem e a promessa silenciosa de que só sairia dali com Juliana Marins. Não conseguiu trazê-la com vida, mas emocionou um país inteiro com sua entrega.
Voluntário no resgate da brasileira que caiu em um abismo durante uma trilha na Indonésia, Agam se tornou, nesta quarta-feira (25), o rosto mais compartilhado entre perfis de luto, revolta e gratidão nas redes sociais. Em uma transmissão ao vivo feita à tarde, o alpinista recebeu milhares de mensagens de brasileiros. “Herói”, “guerreiro”, “você fez tudo”, diziam os comentários que invadiram sua live. Até às 20h20, sua conta já somava mais de 831 mil seguidores.
Juliana Marins, de 26 anos, fazia um mochilão pelo sudeste asiático desde fevereiro. Já havia passado por Filipinas, Vietnã e Tailândia antes de chegar à Indonésia. No Monte Rinjani, uma trilha conhecida por sua beleza e dificuldade, Juliana caiu em um penhasco após ser deixada sozinha por um guia que preferiu continuar a subida.
“Se tivesse chegado antes…”
Em nota publicada nas redes sociais, a família da jovem agradeceu especialmente a Agam e a Tyo, outro voluntário envolvido no resgate. “Foi graças à dedicação e à experiência de vocês que a equipe pôde chegar até Juliana e nos permitir, ao menos, esse momento de despedida”, escreveram. “Embora o desfecho já estivesse além do nosso alcance, levamos no coração a sensação de que, se vocês tivessem conseguido chegar antes, talvez o destino pudesse ter sido outro.”
O corpo de Juliana foi encontrado a mais de 500 metros de onde ela inicialmente foi vista, preso em uma saliência da encosta. Para evitar que ele deslizasse ainda mais, Agam permaneceu ali com ela durante toda a noite, preso por âncoras e envolto por neblina e frio extremo. Ele só saiu quando o corpo pôde ser içado, em uma operação que durou 15 horas.
Ajuda que vem do coração
Durante a live, internautas chegaram a pedir a conta bancária do alpinista para enviar doações. No início, Agam recusou. Disse que fazia aquilo “de coração”. Só depois de insistência dos seguidores e da tradutora que o acompanhava, aceitou receber ajuda — com a promessa de dividir tudo com os colegas e investir parte do dinheiro em projetos de reflorestamento em trilhas da Indonésia.
“Ele pediu desculpas por não ter conseguido trazer Juliana de volta. Disse que fez o melhor que podia e que os resgates no Rinjani são os mais difíceis. Ele agradeceu a todos de coração”, afirmou a tradutora, emocionada.
Com lanternas, barracas improvisadas e equipamentos próprios, Agam e Tyo foram os primeiros a alcançar a brasileira. O parque nacional onde o acidente ocorreu não conta com helicópteros especializados nem equipe técnica permanente. Juliana só foi içada do abismo 5 dias após a queda.
Um símbolo entre o abandono e a esperança
Nas redes sociais, o contraste entre o gesto do alpinista e a inércia das autoridades indonésias alimentou a comoção. Muitos apontaram que Agam deveria ser o verdadeiro homenageado, e não o governo. “O cara pagou a passagem do próprio bolso, desceu para salvar alguém que ele nunca viu. Dormiu do lado de um corpo para ele não se perder mais. Isso é um super-herói. Ele merece tudo de bom nessa vida”, escreveu uma usuária.
Outros foram diretos: “Ainda dizem que não existem pessoas boas. Agam provou o contrário. Ele é o que há de mais humano”.
O ativista Disyon Toba, local influente, também se manifestou: “Se humanos vivos não podem ser salvos, então o alerta vermelho é para o sistema de resgate. Após a tragédia de Juliana, é hora de mudar. É hora de Rinjani ter estrutura.”
Enquanto isso, o parque do Monte Rinjani segue aberto ao turismo, como se nada tivesse acontecido.
A negligência que custou uma vida
Desde o acidente, a família de Juliana denunciou falhas no protocolo de resgate, ausência de socorro imediato e despreparo das autoridades locais. Em postagens nas redes sociais, a irmã da jovem afirmou que o guia que acompanhava Juliana optou por seguir sozinho até o cume da trilha, deixando a brasileira para trás. Ela teria se desesperado ao perceber que estava sozinha, o que pode ter contribuído para a queda.
“O parque segue com suas atividades normalmente, turistas continuam subindo enquanto Juliana precisa de socorro. Não sabemos o estado dela! Ela está sem água, comida, agasalho”, escreveu a irmã, ainda antes da confirmação da morte.
A tragédia mobilizou milhares de brasileiros que acompanharam em tempo real a agonia da família. Ao fim, o nome de Agam passou a circular como símbolo do que há de mais nobre, mesmo quando tudo em volta falha.
LINHA DO TEMPO DO CASO JULIANA MARINS
Sexta-feira, 20 de junho
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19h (horário de Brasília) – Durante uma trilha no vulcão Rinjani, na Indonésia, Juliana Marins caiu em um abismo de cerca de 300 metros. Ela integrava um grupo acompanhado por um guia, mas ficou para trás após relatar cansaço. Pouco depois, turistas utilizaram um drone e conseguiram localizá-la presa em uma fenda, sem agasalho e com dificuldades de locomoção.
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22h – A família de Juliana foi avisada do acidente por turistas espanhóis que, ao encontrarem seu perfil nas redes sociais, conseguiram contato com uma amiga da jovem.
Sábado, 21 de junho
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11h40 – A família recebeu a informação de que socorristas haviam chegado à região onde Juliana estava. Segundo o comunicado, teriam fornecido água e comida, mas não conseguiram retirá-la devido ao terreno acidentado e ao mau tempo. Um vídeo supostamente mostrando o local foi compartilhado com os parentes.
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Mais tarde – Dias depois, a família descobriu que o vídeo era falso e que Juliana nunca havia recebido alimentos, agasalhos ou qualquer tipo de atendimento no local.
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Durante o dia – O Parque Nacional do Monte Rinjani divulgou nota oficial confirmando que Juliana havia caído e estimando sua localização entre 150 e 200 metros de profundidade.
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17h10 – Foi o último momento em que Juliana foi avistada visualmente por meio de drone.
Domingo, 22 de junho
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Madrugada – A família foi informada de que a informação anterior, de que Juliana havia recebido ajuda, era falsa. Às 3h30, divulgou nota expressando preocupação com as inconsistências nas comunicações das autoridades indonésias.
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Durante a madrugada – A embaixada brasileira comunicou que as buscas haviam sido retomadas, mas a família relatou que as condições climáticas impediram qualquer avanço.
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Fim da manhã – Familiares anunciaram que as buscas haviam sido suspensas oficialmente devido à forte neblina na região.
Segunda-feira, 23 de junho
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Madrugada – As operações de busca foram retomadas com o uso de drones térmicos e presença de diplomatas brasileiros.
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5h (horário de Brasília) – Juliana foi novamente localizada, aparentemente imóvel, a cerca de 500 metros de profundidade.
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11h36 – Dois alpinistas experientes se integraram à equipe de resgate, com novos equipamentos. O parque confirmou que Juliana permanecia no penhasco, sem apresentar sinais de movimento.
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23h37 – As equipes conseguiram descer 400 metros, mas estimaram que Juliana estava ainda mais abaixo — aproximadamente 1.050 metros da superfície, sendo necessário descer mais 650 metros para alcançá-la.
Terça-feira, 24 de junho
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5h42 – A família foi oficialmente informada de que a área do acidente havia sido interditada para turistas e curiosos, medida que só foi adotada quatro dias após a queda.
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6h40 – Manoel Marins, pai de Juliana, embarcou para a Indonésia após enfrentar dificuldades logísticas por conta de restrições aéreas decorrentes do conflito no Oriente Médio.
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11h (Brasília) – A família confirmou oficialmente que o corpo de Juliana havia sido encontrado sem vida pelas equipes de resgate.
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