Cientistas identificam como o câncer engana o corpo e revelam que novas tecnologias podem romper esse disfarce e devolver ao organismo sua capacidade de defesa
Um estudo inovador desenvolvido por pesquisadores da Fiocruz Minas pode representar um novo horizonte no tratamento do câncer de mama. A pesquisa, publicada na revista Cancer Nanotechnology, demonstrou que nanopartículas de óxido de ferro são capazes não apenas de frear a multiplicação das células cancerígenas, mas também de impedir que o tumor se espalhe para outros órgãos — um processo conhecido como metástase, responsável por grande parte das mortes relacionadas à doença.
Apesar dos resultados promissores, os cientistas ressaltam que ainda há um longo caminho até que a técnica possa ser testada em humanos. Mesmo assim, as descobertas abrem perspectivas para o desenvolvimento de uma futura imunoterapia mais eficaz e menos agressiva.
“Em uma análise anterior, havíamos visto que as nanopartículas impossibilitam o crescimento do tumor. Agora, com este novo estudo, compreendemos como isso acontece e vimos que elas são capazes de impedir que as células cancerígenas se espalhem e que o tumor dê origem a metástases. E o melhor: sem causar danos ao organismo. Todas essas informações mostram que estamos caminhando para chegar, de fato, a uma imunoterapia efetiva”, explica Carlos Eduardo Calzavara, pesquisador da Fiocruz Minas e um dos líderes do estudo, realizado em parceria com a pós-doutoranda Camila Sales do Nascimento.
Como as nanopartículas “acordam” o sistema imune
Para chegar a essas conclusões, os cientistas trabalharam com camundongos fêmeas portadoras de câncer de mama, dividindo-as em dois grupos: um recebeu as nanopartículas, e o outro, não. Após um período de observação, os pesquisadores notaram que, nos animais tratados, houve um aumento significativo das natural killers (NKs), células de defesa especializadas em identificar e destruir células cancerígenas. Além disso, houve redução nos neutrófilos, um tipo de célula que, em muitos casos, favorece a progressão do tumor.
Calzavara explica que o câncer frequentemente “engana” o sistema imunológico, fazendo com que o corpo não reconheça a ameaça. “O tumor do câncer de mama produz algumas substâncias que o mascaram e fazem com que o sistema imune entenda que está tudo bem. Isso diminui a resposta inflamatória e permite que as células tumorais se multipliquem desenfreadamente. O que nós vimos neste estudo é que, ao colocar as nanopartículas, induz-se um perfil inflamatório no microambiente. Elas estimulam biomoléculas que ‘acordam’ o sistema imune, que passa a detectar e eliminar as células doentes”, detalha.
Outro achado crucial foi a redução nos níveis da molécula MCP-1, associada à formação de metástases. Ao analisar pulmões e fígados — órgãos frequentemente afetados pela disseminação do câncer de mama —, os cientistas observaram que os animais tratados apresentavam muito menos focos tumorais nos pulmões, indicando que as nanopartículas dificultaram a migração das células cancerígenas. No fígado, não houve diferença significativa entre os grupos, o que sugere que o tratamento pode ter maior impacto em certos órgãos.
Do laboratório para a vida real: os próximos passos
Esta não é a primeira vez que o grupo demonstra o potencial das nanopartículas. Em 2023, um estudo anterior já havia mostrado que elas eram capazes de reduzir em quase 50% a massa tumoral em camundongos, graças à reprogramação de macrófagos — células de defesa que, quando no perfil M2, favorecem o tumor, mas, quando convertidas para o tipo M1, passam a combatê-lo.
Agora, os pesquisadores conseguiram desvendar parte do mecanismo por trás desse efeito, reforçando a esperança de um tratamento complementar para pacientes que não respondem bem às terapias convencionais. “Há muitas recidivas, ou seja, situações em que o câncer reaparece; há casos de resistência ao tratamento e há também pacientes que não suportam as atuais terapias, por serem fortes demais. Tudo isso faz com que o câncer de mama continue matando muito, não só no Brasil como no mundo, e, por isso, é tão importante expandir o leque terapêutico”, afirma Calzavara.
Antes que a técnica chegue a hospitais, porém, novas etapas de pesquisa são necessárias. Os próximos passos incluem testes pré-clínicos para avaliar possíveis efeitos colaterais, dosagem ideal e como o organismo metaboliza e elimina as nanopartículas. Paralelamente, duas novas frentes de estudo estão sendo iniciadas: uma investiga o uso do efeito hipertérmico das nanopartículas (aquecimento controlado para destruir tumores), e outra testa a combinação delas com medicamentos já usados em oncologia, o que poderia aumentar a eficácia e reduzir os efeitos adversos da quimioterapia.
Enquanto a ciência avança, cada descoberta representa um passo a mais na luta contra uma doença que afeta milhares de pessoas. E, para os pesquisadores da Fiocruz, a mensagem é clara: a nanotecnologia pode ser, no futuro, uma poderosa aliada na batalha contra o câncer de mama.