E o que parecia um otimismo exagerado quando acabou o 1º turno das eleições parlamentares francesas se transformou em realidade: a mobilização em defesa da democracia gerada pela unidade da esquerda não apenas impediu a vitória da extrema-direita como garantiu o primeiro lugar para a Nova Frente Popular (NFP). O bloco da esquerda conquistou 182 cadeiras no parlamento, contra 168 deputados da aliança Juntos, formada em torno do presidente Emanuel Macron e 143 assentos do partido de Marine Le Pen, Reunião Nacional.

Essa vitória foi possível pelo movimento de unidade entre a esquerda e a direita democrática no 2º turno, com os candidatos mais bem posicionados de cada um desses campos recebendo o apoio dos outros em cada distrito do país. Com isso, disputas que podiam ser entre três ou quatro candidatos se transformaram na polarização entre democracia contra o autoritarismo fascista.

A confirmação da esperança gerada pelo resultado do 1o turno, quando a NFP já tinha protagonizado uma virada política extraordinária nos deixa algumas lições.

A primeira delas é que a extrema-direita, por mais força que tenha hoje no Ocidente, não consegue alcançar maiorias sociais consistentes com facilidade. Sua política do ódio e seu programa baseado na violência têm sido capazes de mobilizar uma parcela significativa da população desiludida com as instituições e fragilizada pelas desigualdades, mas transformar isso em maior requer algo a mais.

As vitórias eleitorais da extrema-direita até aqui resultam mais de erros na tática política (por exemplo, a escolha de Hilary Clinton em 2016 nos EUA ou, em alguns meses, a manutenção da candidatura de Joe Biden) ou se processos de golpe contra as instituições, como foi o caso do Brasil em 2018 com a ilegal prisão de Lula.

A segunda lição é que é fundamental acreditar que é possível derrotar a extrema-direita. O otimismo exagerado mobiliza mais do que o pessimismo paralisante. Parte da tática da extrema-direita passa inclusive por alimentar o pessimismo e a desilusão. Muitas pessoas olharam para a França e pensaram que Le Pen já tinha vencido as eleições. Felizmente, a NFP pensou e ousou diferente.

No Brasil, também pensamos diferente, articulando desde 2019 uma resistência que acreditava ser possível vencer o bolsonarismo. O primeiro exemplo disso foi o grande ato da educação contra Weintraub e Bolsonaro, em maio de 2019. Esse sentimento se reforçou na pandemia, nas lutas pelo isolamento social e pela vacina, nas campanhas a favor do auxílio emergencial e das políticas de apoio à Cultura e na mobilização para derrotar a fome que assolava o nosso povo. E, finalmente, no processo eleitoral de 2022, quando a esperança venceu o medo novamente com Lula presidente.

A terceira lição é que é sim preciso ampliar para além da esquerda. Alguns setores da esquerda brasileira mais críticos ao governo Lula têm afirmado que a vitória política da NFP prova que uma tática de esquerda é melhor do que uma tática de frente ampla. O problema desta interpretação é que a esquerda francesa não conseguiu maioria sozinha.

Para obter esse resultado, foi preciso uma convergência com os partidos da direita democrática macronista em dezenas de distritos. E, no mesmo sentido, caso a NFP indique o primeiro-ministro, terá atuar em composição com Macron, não só porque ele é presidente, mas porque sua bancada será decisiva para aprovar qualquer política que um primeiro-ministro da esquerda defenda. Ora, é exatamente o quadro político que vivemos no Brasil, onde é sabido que a esquerda está longe de ter maioria parlamentar para aprovar

Esses mesmos setores da esquerda têm argumentado que a vitória da NFP foi possível por causa de um programa político nítido e nisso estão corretos. Esta é a quarta lição que a vitória da esquerda francesa nos deixa. O problema desses setores está em afirmar que não vencemos as eleições em 2022 com um programa nítido. Trata-se no mínimo de uma má vontade enorme no olhar para a política brasileira, uma desvalorização a priori do que fazemos aqui e uma supervalorização de processos que ocorrem lá fora.

O fato é que Lula em 2022 foi para as ruas com um programa nítido de defesa da democracia e de combate às desigualdades. E foi esse programa que foi eleito nas urnas. As contradições para implementá-lo existem, mas passam fundamentalmente pela maioria conservadora no parlamento do que por qualquer falta de nitidez.

A quinta lição, enfim, é que a polarização entre democracia e autoritarismo continua sendo a tendência principal da política nos continentes europeu e americano. Em todos os pleitos, seja presidencial ou parlamentares, seja nacional ou regional, a cidadania tem ido as urnas para decidir entre esses dois caminhos opostos. E as forças democráticas conseguem vencer quando são capazes de mobilizar o sentimento popular em favor de uma democracia que sim defende as instituições, mas que se constitua como democracia de fato, de combate às desigualdades e de melhoria na vida das pessoas.

Será assim também no Brasil em 2024. Ainda que com as particularidades de cada cidade, a derrota do bolsonarismo virá com uma mobilização ampla e ao mesmo tempo programática em defesa da democracia e contra o autoritarismo da extrema-direita.

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Última Atualização: 08/07/2024