Assinado pelo jornalista Gustavo Tapioca e publicado no portal de esquerda Brasil 247, o artigo O calcanhar de Aquiles do governo Lula é uma pérola da despolitização da esquerda, que parece aumentar conforme a crise do governo piora e arrasta o campo consigo. Tratando um fenômeno político como se fosse um empreendimento comercial, o articulista simplesmente ignora a política do governo e trata a deterioração constante da avaliação de Lula como um problema de marketing. Eis as considerações do jornalista:
“O governo até publica nas redes, faz vídeos e discursos, mas falta traduzir isso para o cotidiano das pessoas, para o WhatsApp da manicure, o TikTok do entregador, a live do pastor. A política precisa emocionar. Precisa falar do feijão no prato, da água limpa, do aluguel que voltou a caber no bolso.”
O problema que o articulista desconsidera é que para “falar do feijão no prato”, da “água limpa” e do “aluguel que voltou a caber no bolso”, essas coisas precisam ser reais. Do contrário, a realidade vai se impor e o governo fatalmente ficará tão desmoralizado quanto estão aqueles que insistem em uma tentativa esquizofrênica de mudar a realidade no grito.
As necessidades básicas estão muito longe de estarem sendo atendidas e é aqui que tá o problema. De nada adianta a esquerda divulgar índices que digam que o “aluguel cabe no bolso”, quando para o trabalhador isso não é verdade e o número de mendigos só cresce. A população sentirá os efeitos da pressão econômica crescente e perderá completamente a confiança que por ventura ainda tem em Lula.
Finalmente, pegos de maneira isolada, os indicadores podem mostrar um reajuste salarial acima do INPC, uma variação positiva do PIB, porém o quadro amplo mostra uma economia totalmente estagnada devido à prevalência da política neoliberal e, ato contínuo, uma população empobrecendo a passos largos. Para parcelas expressivas da população brasileira o aluguel não cabe no bolso, o feijão está faltando no prato e as condições são cada vez mais duras, o que torna as colocações do jornalista (e de quem se atrever a repeti-las), um caso clássico de uma mentira contada dizendo verdades. O autor prossegue:
“O governo Lula já fez muito. Voltou a investir em programas sociais, retomou obras paradas, subiu o salário-mínimo, valorizou o meio ambiente, resgatou o papel do Brasil no mundo. Mas quem sabe disso fora da bolha? Pouca gente.”
Não é que pouca gente está vendo muito o que o governo fez. Fora da limitada bolha dos que aceitam tudo que venha de Lula, ninguém realmente está vendo esse “muito” todo, inclusive dentro da bolha da esquerda pouca gente está vendo essa melhora toda.
A desaprovação de Lula nunca foi tão grande quanto é agora, indicando que muitos apoiadores do presidente, parcelas expressivas realmente de sua base, estão reprovando o mandato atual. Mais uma vez, a realidade se impõe, colocando um questionamento: ou milhões de pessoas inclusive eleitores do presidente foram tomados por um surto coletivo de esquizofrenia e não conseguem ver o quanto suas vidas melhoraram, ou, a situação de uma imensa massa de cidadãos está de fato ruim e quem enlouqueceu a ponto de não perceber isso é uma bolha muito pequena de esquerdistas. Claro que se trata de um recurso retórico.
Essa melhora que o autor identifica, simplesmente não aconteceu para a classe trabalhadora. Ela existe apenas como número, se é que existe de fato, mas não se traduziu em uma melhora de fato na experiência de vida da população. E aí, não adianta ficar falando que o governo precisa melhorar a comunicação. O que o governo precisa melhorar, em primeiro lugar, é a política.
O arrocho provocado por Haddad e Galípolo, os ataques a economia nacional por meio da ministra Marina Silva, o entranhamento cada vez maior com a odiada burocracia judicial e o STF, isso sim é o que precisa ser corrigido para, daí sim, se reformular as táticas de comunicação, para impulsionarem um aumento do apoio popular ao governo. Para isso, porém, não adianta berrar índices como se o povo fosse gado. É preciso oferecer coisas reais e nisso, o governo fracassa de maneira espetacular, provocando um fenômeno que o autor observa, mas claramente não compreende:
“Basta ver o que acontece quando surgem boatos sobre o BNDES financiando ditaduras, a mentira do PIX, a tentativa de culpar o governo pelo escândalo do INSS. Essas mentiras se espalham aos milhões, e quando o governo reage, o estrago já está feito.”
Ocorre que todos esses boatos só prosperam se as condições foram favoráveis para isso e infelizmente para os defensores da política direitista de Lula, elas são. Para que as condições sejam favoráveis, é preciso um estágio a desmoralização muito grande do governo e isso está posto, quer a esquerda pequeno-burguesa goste ou não. O Brasil conhece esse fenômeno.
Desde sempre, a esquerda é atacada, apresentada como corrupta e alvo de muita mentira. Isso não impediu, por exemplo, Lula de se eleger em 2002, se reeleger em 2006 e eleger sua sucessora Dilma Rousseff por duas vezes, sendo eleita em 2010 e 2014. Mesmo depois de uma condenação que resultou em sua prisão, isso também não importou para o povo.
A razão para isso é que a moral de Lula com a população era muito elevada para permitir que essa agitação sortisse e feito. O fato das mentiras não prosperarem tanto em 2010 como agora e as mentiras se espalharem aos milhões não se deve a nenhuma mudança no campo das comunicações, mas da política, na reprovação ao governo. Isso é o que estimula a população e torna a acreditar no que quer que a direita diga e a produzir crises.
“Se o governo quer vencer em 2026, precisa colocar a comunicação no centro da estratégia — e não como acessório.”
Finalmente, o erro fundamental da colocação dele não é a comunicação que precisa estar no centro da estratégia, é o atendimento da população que precisa estar no centro da política do governo. Enquanto isso não acontecer, o governo vai continuar amargando derrotas, crises, vai continuar se desmoralizando e não apenas criando as condições para ser derrubado, como também para o fortalecimento da direita e do programa infernal de ataques contra a classe trabalhadora, algo que não está na conta dos setores eleitoreiros da esquerda, mas custará um preço elevado para o proletariado e suas organizações de luta. Parafraseando a famosa frase, é a política estúpido.