A Câmara dos Deputados no Brasil iniciou a tramitação, em regime de urgência, do Projeto de Lei 1.904/24. Este projeto adiciona novos parágrafos aos artigos 124, 125, 126 e 128 do Código Penal, e propõe elevar a punição para o aborto realizado em gestações com mais de 22 semanas, igualando-o ao crime de homicídio, cuja pena varia de 6 a 20 anos de reclusão, um ataque direto ao direito democrático das mulheres.
A principal crítica a esta proposta legislativa feita por movimentos de luta das mulheres reside no fato de que, se a lei for aprovada, um criminoso condenado pelo estupro de uma mulher e que engravidar a mulher poderá sofrer uma pena significativamente menor do que a vítima. A punição para o estuprador, atualmente, está entre 6 e 10 anos de reclusão. A proposta legislativa segue a linha de uma resolução anterior do Conselho Federal de Medicina (2.378/24), que proibiu médicos de realizar o procedimento de assistolia fetal para interrupção de gestações acima de 22 semanas, mesmo em casos resultantes de estupro.
É crucial lembrar que a resolução do Conselho Federal de Medicina foi suspensa por decisão do Supremo Tribunal Federal. A suspensão ocorreu porque a norma do Conselho Federal de Medicina tentava restringir um direito já previsto em lei por meio de um ato de nível inferior, o que configura uma violação ao princípio da legalidade. Do ponto de vista político, a proposta agrava ainda mais a situação da mulher, obrigando-a a suportar a continuidade da gestação ou a enfrentar uma investigação policial e um processo penal, mesmo em casos previstos em lei para que o procedimento possa ser realizado.
Há mais de 70 anos, em pleno período da ditadura do Estado Novo, a possibilidade de a mulher interromper uma gravidez resultante de estupro está protegida. Isso é o que a PL ataca.
A justificativa presente no texto da proposta, de que “qualquer gestante poderá realizar um aborto, em qualquer idade gestacional, bastando afirmar haver sido vítima de violência, sem necessidade de apresentar provas ou documentos”, é uma falácia. Na realidade, as mulheres sempre enfrentaram inúmeras exigências para exercer esse direito, como a necessidade de apresentar boletim de ocorrência ou laudo pericial.
No âmbito do Sistema Único de Saúde (SUS), a portaria 13/23 do Ministério da Saúde já estabelece um procedimento de “Justificação e Autorização da Interrupção da Gravidez nos Casos Previstos em Lei”, composto por quatro fases. Esse procedimento, inclusive, recebe muitas críticas por exigir que a vítima reviva o episódio traumático. Este Projeto de Lei é um ataque reacionário que deve ser combatido.