A Polícia Federal confirmou, em relatório enviado ao Supremo Tribunal Federal, a existência de um “Gabinete do Ódio” e de uma “Abin paralela” no governo Bolsonaro — conforme já havia sido denunciado publicamente em 2020 por Gustavo Bebianno, ex-ministro-chefe da Secretaria-Geral da Presidência. Agora, porém, a entrevista concedida por Bebianno ao Roda Viva, doze dias antes de sua morte, ganha valor probatório ao ser cruzada com o depoimento do general Carlos Santos Cruz, que reforçou os episódios descritos.
No caso da chamada Abin paralela, o General Santos Cruz revelou em depoimento que Bebianno tinha a preocupação de “não deixar concretizar” e que conversou com Bolsonaro para evitar a montagem dessa rede secreta de inteligência, que teria contado com a atuação direta de membros da própria Abin, da PF e de assessores do Planalto.

Segundo o documento, “Diante de seu falecimento, há que se considerar a entrevista como uma importante fonte de informações para a presente investigação”. Bebianno também foi presidente do PSL e figura central da campanha de Bolsonaro em 2018.
Em entrevista ao programa Roda Viva, em 2 de março de 2020, o ex-ministro Gustavo Bebianno afirmou que Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ), vereador no Rio e filho do então presidente Jair Bolsonaro (PL), sugeriu ao pai a criação de uma “Abin paralela”. Segundo Bebianno, Bolsonaro recebeu a proposta com passividade, sem confrontar o filho, mesmo após ser alertado de que poderia sofrer um processo de impeachment caso avançasse com a ideia.
Essa estrutura operava para monitorar adversários, interferir em investigações sensíveis, como o assassinato de Marielle Franco, e blindar o núcleo político bolsonarista.
Sobre o gabinete do ódio, “As evidências colacionadas ao longo da presente investigação não deixam dúvidas sobre a existência de um núcleo de propagação de desinformação, responsável pela produção e desinformação direcionada contra aqueles que se opusessem de forma contrária ao intento do NÚCLEO POLÍTICO”, diz o relatório.
Relembre a cobertura do GGN sobre a morte de Bebianno
A entrevista de Bebianno foi concedida 12 dias antes de sua morte, em 14 de março de 2020. Oficialmente, ele sofreu um infarto. No entanto, seu histórico de denúncias pesadas contra o governo ainda lançam dúvidas sobre a real causa da morte.
Vale lembrar que, à revista Veja, poucos dias após sua demissão, em fevereiro de 2019, Bebianno revelou ter escrito cartas a pessoas próximas, com os nomes de quem poderia desejar seu silenciamento: “Se algo acontecer comigo, abram”.
Em entrevista à Jovem Pan, inclusive, voltou a afirmar que se sentia ameaçado, alegando ter documentos comprometendo Bolsonaro e aliados, guardados fora do Brasil. “O presidente Bolsonaro é uma pessoa que tem muitos laços com policiais no Rio de Janeiro, policiais bons e ruins, e eu me sinto, sim, vulnerável e sob risco constante. (…) Eu tenho um material, sim, inclusive fora do Brasil”, declarou.
Outro aspecto revelado à época é que Bebianno guardava informações sobre o uso do fundo partidário na campanha de 2018. Segundo ele, sua esposa, Renata Bebianno, foi responsável pela prestação de contas da candidatura de Bolsonaro.
À época, o jornalista Luis Nassif lançou dúvidas sobre a morte de Bebianno. Nassif recorda que, nos anos 1970, a Comissão Church, do Senado dos EUA, revelou que a CIA desenvolveu técnicas para provocar mortes com aparência de causas naturais, como ataque cardíaco, inclusive com o uso de dardos envenenados que não deixam vestígios.
Essas tecnologias, embora originalmente usadas em operações de inteligência, podem ter sido absorvidas por redes criminosas contemporâneas, inclusive no Brasil. A morte de Bebianno, portanto, se encaixa no padrão de silenciamento político com aparência institucional, e a entrevista ao Roda Viva agora ganha força como peça-chave nas investigações da Polícia Federal.
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