No final do século XIX, a Rússia era um país majoritariamente agrário, ao contrário de potências como o Reino Unido e a França. Sob o domínio do czarismo, o país ainda carregava resquícios feudais profundos, mas, ao mesmo tempo, passava por uma série de transformações. As peculiaridades da formação econômica russa causaram muita confusão entre os intelectuais que tentaram, à época, explicar os processos pelos quais o país atravessava.

O primeiro marco da formação da Rússia moderna é o governo de Pedro, o Grande, no século XVII. O czar introduziu uma série de medidas que favoreceram o desenvolvimento econômico, especialmente no âmbito militar. Esse desenvolvimento levaria a um processo de industrialização durante os séculos seguintes, encontrando o seu apogeu no governo de Alexandre II (1855-1881).

Conhecido como “o czar libertador”, Alexandre II aboliu a servidão na Rússia em 1861, dando impulso ao desenvolvimento capitalista do país. O fim da servidão obrigou milhões de trabalhadores da terra a se transformarem em trabalhadores livres para o mercado. Aqueles que puderam, conseguiram adquirir parte das terras onde trabalhavam, mas uma grande maioria se transformou em camponeses livres (sem terra), forçados a trabalhar nas terras dos proprietários que mantiveram um controle sobre as suas propriedades.

Nesse período, Alexandre II se viu forçado a lançar mão de uma série de reformas liberais, possibilitando um desenvolvimento econômico muito superior a todo o período anterior, com a criação de ferrovias, de indústrias e de bancos, que encontra o seu auge em 1880.

Com o impulso capitalista, começam a surgir os primeiros enfrentamentos da classe operária, recém-formada, com a burguesia. Ao mesmo tempo, a monarquia vai se tornando cada vez mais reacionária. Nestas circunstâncias, surge o fenômeno que ficou conhecido como “populismo russo”.

Em meio à efervescência que começava a tomar conta do país, um grande número de militantes e intelectuais dão início a um movimento dirigido “ao povo”, seguindo as ideias de autores influentes como Nikolai Gavrilovitch Tchernichevski. Esses militantes e intelectuais acreditavam que o lugar dos revolucionários não deveria ser no gabinete, na universidade, nas cidades, mas junto ao povo camponês — a esmagadora maioria da população. Assim, se dirigem em massa para o campo com a expectativa de pregar, junto aos trabalhadores camponeses, a necessidade de uma revolta, de uma revolução social.

Eles acreditavam que a revolução social na Rússia se daria por meio de uma explosão, por meio de um ascenso revolucionário das massas, que formaria diretamente uma organização social livre da propriedade burguesa e do Estado czarista. Eles acreditavam que cabia ao povo fazer essa revolução, e que ela ocorreria de maneira mais ou menos espontânea, sem a necessidade da formação de um partido político, por exemplo.

O simples fato de os populistas saírem a campo e defender um levante contra o regime czarista, no entanto, fez com que muitos de seus adeptos fossem presos e perseguidos pelo czarismo. O movimento era visto com desconfiança por uma parcela significativa dos camponeses, o que favorecia a repressão.

Nesse meio, cria-se, na década de 1870, a organização Terra e Liberdade, que se apoia na ideia de que a Rússia chegaria ao socialismo por meio de um levante camponês. Confrontados com o problema da repressão, o grupo, assim como outros populistas, começaram a reagir com a prática do terrorismo, que surge como produto da impotência da intelectualidade de mobilizar as amplas massas para fazer a revolução.

A própria prática do terrorismo, no entanto, colocou em xeque a ideologia da Terra e Liberdade. Afinal, chegavam à conclusão de que a mera pregação junto aos camponeses não conduziria a um resultado efetivo. Pela própria experiência prática, os revolucionários começavam a sentir a necessidade de superar as concepções anarquistas sobre a transformação social.

A luta contra a repressão por meio do terrorismo levaria a uma conclusão inevitável: era preciso acabar com a monarquia. Era preciso, portanto, de uma luta política.

Em 1879, ocorre uma ruptura do movimento, que se divide em duas organizações: a Vontade do Povo e a Repartição Negra. Aqueles que ficaram do lado da Vontade do Povo seguiram pelo caminho do terrorismo, ou seja, modificaram toda sua tática visando liquidar com a monarquia, promovendo uma série de atentados. Além disso, defendiam um programa político, no qual estavam inclusas questões como a criação de uma Assembleia Constituinte e o sufrágio universal.

Do outro lado, a Repartição Negra defendia o programa anarquista tradicional; ou seja, a abstenção da luta política e a ideia de que a revolução camponesa levaria a uma liquidação da sociedade como estava organizada.

O terrorismo acaba ganhando uma enorme adesão das gerações seguintes de militantes revolucionários, fortalecendo a ideia de que o caminho que leva à revolução é a luta política. A onda de atentados chegou ao auge com o assassinato do czar Alexandre II, em 1881. A repressão, no entanto, foi enorme, levando o terrorismo também a uma crise.

Em 1883, Jorge Plekhanov, um intelectual de grande capacidade que havia acompanhado os populistas da Repartição Negra, funda, no exílio, juntamente com outros militantes oriundos do populismo, o Grupo pela Emancipação do Trabalho. Naquele mesmo ano, Plekhanov rompe com o populismo e, a partir de sua crítica, se transforma no primeiro propagandista do marxismo na Rússia — isto é, o primeiro a apresentar uma formulação materialista para a vida social russa, para a luta social do seu próprio país.

A obra em que Plekhanov expõe sua adesão ao marxismo chama-se Socialismo e a Luta Política, e foi escrita no mesmo ano em que foi fundado o Grupo pela Emancipação do Trabalho.

Plekhanov explica que, até aquele momento, os revolucionários russos haviam sido divididos em dois campos, apoiando visões diametralmente opostas sobre a política. Alguns, consideraram a luta política como quase equivalente à traição da causa do povo, como uma manifestação dos instintos burgueses entre a nossa intelectualidade revolucionária”, disse, em sua obra. “Outros, não só reconheceram essa luta como necessária, como estavam até prontos, por causa de seus interesses e imaginários, a comprometer-se com os elementos de oposição de mentalidade liberal da nossa sociedade”.

De maneira brilhante, o pai do marxismo russo chega à seguinte conclusão:

“A tarefa particular, especialmente russa do presente, escondeu do campo de visão a tarefa geral da classe trabalhadora em todos os países civilizados”.

Ou seja, para Plekhanov, o processo revolucionário na Rússia seria o mesmo que nos demais países: o desenvolvimento da luta política da classe operária. Isto é, a abolição do Estado burguês, a destruição do Estado burguês, do controle político da burguesia sobre a sociedade, por meio de uma revolução social, por meio de uma revolução proletária.

Na obra, ele explica que a população rural, vivendo em condições sociais atrasadas, não é apenas menos capaz de iniciativa política consciente do que os trabalhadores industriais, mas também menos receptiva ao populismo. Para o revolucionário russo, os camponeses têm maior dificuldade em dominar os ensinamentos socialistas, porque suas condições de vida são muito diferentes das condições que deram origem a esses ensinamentos.

“Agora que a burguesia se aproxima do fim de seu papel histórico e o proletariado se torna o único representante das aspirações progressistas na sociedade, podemos observar um fenômeno semelhante ao referido acima, mas ocorrendo em condições alteradas. Em todos os estados avançados do mundo civilizado, tanto na Europa quanto na América, a classe trabalhadora está entrando na arena da luta política e, quanto mais consciente de suas tarefas econômicas, mais resolutamente se separa em um partido político próprio. ‘Como os partidos políticos existentes sempre agiram apenas no interesse dos proprietários para a preservação de seus privilégios econômicos’, lemos no programa do Partido dos Trabalhadores Socialistas da América do Norte, ‘a classe trabalhadora deve se organizar em um grande partido dos trabalhadores para alcançar o poder político no Estado e obter independência econômica; pois a emancipação da classe trabalhadora só pode ser efetuada pelos próprios trabalhadores’. O Partido dos Trabalhadores francês se expressa no mesmo espírito e em completo acordo com o programa da social-democracia alemã, reconhecendo que o proletariado deve aspirar a uma revolução econômica ‘por todos os meios ao seu alcance, incluindo o sufrágio universal, assim transformado de uma arma de engano, que tem sido até agora, em uma arma de emancipação’. O Partido dos Trabalhadores espanhol também se esforça para ‘conquistar o poder político’ a fim de remover os obstáculos no caminho da emancipação da classe trabalhadora.”

Ironizando seus conterrâneos, Plekhanov ainda afirma que:

“Nossos Dom Quixotes não entenderam que a história das relações da Europa Ocidental foi usada por Marx apenas como base da história da produção capitalista, que surgiu e se desenvolveu precisamente naquela parte do mundo. As visões filosóficas e históricas gerais de Marx se relacionam com a Europa Ocidental moderna exatamente da mesma forma que com a Grécia e Roma, Índia e Egito. Elas abrangem toda a história cultural da humanidade e só podem ser inaplicáveis à Rússia se forem geralmente insustentáveis.”

A formulação de Plekhanov, ainda que representasse um passo muito importante para a compreensão materialista da vida social russa, deixou várias questões em aberto sobre o processo revolucionário em si. Sua teoria da revolução social, ainda que ancorada no socialismo científico, não era suficiente para responder a todas as questões que a luta contra a burguesia russa exigiria.

Caberia a Vladimir Lênin e Leon Trótski concluir essa tarefa.

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Last Update: 24/06/2025