Com a chegada das férias escolares, muitas famílias vivem um misto de alívio e tensão. Alívio pelo descanso da rotina escolar, mas também tensão com a necessidade de conciliar trabalho, cuidados com os filhos e a expectativa (nem sempre realista) de proporcionar momentos inesquecíveis para as crianças. Nesse cenário, o bem-estar emocional dos pais e filhos pode ser colocado à prova.
“A pausa nas aulas traz uma mudança importante na dinâmica familiar. Para os pais, especialmente os que continuam trabalhando, é um desafio encontrar tempo e energia para acompanhar os filhos sem se sobrecarregar ou sentir culpa. Para as crianças, a quebra da rotina pode gerar agitação, tédio e até comportamentos mais desafiadores”, explica a psicóloga Laís Mutuberria, especialista em neurociência do comportamento e saúde mental.
Tédio não é o vilão
Segundo Laís Mutuberria, um dos maiores mitos em torno das férias é o de que as crianças precisam estar o tempo todo entretidas. “Vivemos uma cultura da hiperestimulação, o que vem acarretando muitos problemas às crianças, pois, o tédio, o ócio e o tempo livre tem papéis importantes: convidar à criatividade, observar o mundo, elaborar experiências e aprendizados, e, ainda, desenvolver autoconhecimento. Nem toda lacuna precisa ser preenchida com telas ou atividades”, diz.
Ela defende que o ócio, quando vivido com segurança e presença afetiva, pode ser mais benéfico do que uma agenda cheia de programação. “Diferentemente da lógica do desempenho, que muitas vezes estrutura a infância contemporânea, o tempo livre permite à criança simplesmente ser. Nesse espaço de pausa, surgem brincadeiras espontâneas, questionamentos curiosos e até momentos de silêncio que alimentam a imaginação e fortalecem a capacidade de se autorregular emocionalmente”, conta.
Para a psicóloga, proporcionar tempo livre nas férias é também uma forma de nutrir a saúde mental desde cedo.
Culpa parental em evidência
Durante as férias, é comum que pais, sobretudo as mães, se sintam culpados por não conseguirem oferecer viagens, passeios elaborados ou tempo integral com os filhos. “A culpa parental muitas vezes nasce de uma expectativa desconectada com o quê de fato é importante para a criança. As férias não precisam ser espetaculares para deixarem boas memórias”, destaca a psicóloga.
O que realmente importa para a criança, em qualquer fase do desenvolvimento, é a qualidade da conexão emocional. Momentos simples como uma conversa sem pressa, um jogo de tabuleiro ou cozinhar juntos podem ser profundamente significativos. As memórias afetivas não se constroem pelo cenário, mas pela sensação de ser vista, ouvida e acolhida. Por isso, mais do que férias extraordinárias, o que a criança precisa são experiências possíveis e recheadas de presença.
“A criança cria memórias a partir de suas experiências afetivas, muitas vezes ela não vai se lembrar da viagem ou do passeio incrível, mas, sim, de como se sentiu: vista, ouvida e acolhida nestas vivências com seus pais”, afirma Laís Mutuberria.
A psicóloga orienta a reformular o pensamento: em vez de pensar ‘o que eu não estou conseguindo fazer?’, tente pensar ‘de que forma posso estar presente no tempo que tenho disponível a meu filho(a)?’. Ela reforça que presença afetiva e disponibilidade genuína, ainda que breves, têm um impacto muito mais significativo no vínculo com a criança do que longos períodos marcados por distração ou cansaço.

Telas, sim — com limites
Outro ponto importante nas férias é o aumento do uso de telas, algo bastante comum nesse período. “As telas fazem parte da vida moderna e não precisam ser demonizadas”, explica a psicóloga. O fundamental é que os cuidadores estejam atentos aos efeitos e às consequências desse uso, exercendo um acompanhamento consciente.
Um bom ponto de partida é buscar equilíbrio: estabelecer horários claros, intercalar com atividades offline — como brincadeiras ao ar livre ou momentos de leitura — e, sobretudo, acompanhar de perto o que está sendo consumido. Mais do que proibir, trata-se de construir um uso mais consciente e saudável da tecnologia.
Tornando as férias mais leves
Abaixo, veja algumas dicas para aproveitar as férias de forma mais leve:
- Crie uma rotina leve, com horários para refeições, descanso e brincadeiras. Isso ajuda a criança a se sentir segura;
- Inclua momentos de autonomia, como deixar que a criança escolha uma atividade do dia;
- Reforce o vínculo com atividades simples, como desenhar juntos, montar quebra-cabeças ou contar histórias;
- Compartilhe responsabilidades com outros cuidadores ou familiares, sempre que possível;
- Acolha as emoções — tanto as suas quanto as da criança. Férias também podem ser cansativas e frustrantes;
- Inclua a criança nas atividades da casa e/ou do trabalho dos pais — limpar gavetas, cuidar dos pets, guardar arquivos em caixas. Isso promove autonomia, senso de pertencimento e valores como colaboração e responsabilidade.
“É natural que o início das férias traga desorganização, mas isso pode ser uma oportunidade para a família se escutar mais, desacelerar e construir novas formas de convivência”, conclui Laís Mutuberria.
Por Annete Morhy