Nesse final de semana, aconteceu em São Paulo a Parada do Orgulho LGBT+, atraindo milhões de pessoas. Nós, militantes do PSTU e também de outras organizações, estivemos presentes para aproveitar o espaço e debater um pouco com as pessoas. Como não podia deixar de ser em tempos onde tudo vira uma “caça aos likes”, os oportunistas e provocadores também marcaram presença. Um desses — um típico, de moral e inteligência questionáveis — achou que poderia ganhar alguma coisa sobre o bloco do PSTU. Não demorou muito para que fosse posto para correr. Foi tanto leque batendo que o “galinha verde” foi se empoleirar entre as fardas da GCM.
O argumento do provocador era: não é contraditório defender países que criminalizam a homossexualidade na Parada do Orgulho? Se você não é um tacanha como ele, pode ser que essa seja uma dúvida legítima, especialmente entre aqueles que lutam por um mundo livre.
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A hipocrisia oportunista do bolsonarismo
Primeiro, é preciso dizer que, se tem alguém que realmente não se importa, e mesmo é contra os direitos das pessoas LGBTs, esse alguém é o bolsonarismo. Nós propomos um exercício rápido e simples: basta abrir qualquer postagem e ver os comentários para constatar que, dependendo do cristão neopentecostal médio, nós viveríamos em um regime tão ou mais severo que o do Irã. E isso não são apenas comentários em redes sociais. A Bancada da Bíblia, base ativa e ferrenha defensora do bolsonarismo, atua ativamente no Congresso para restringir os direitos das mulheres e das pessoas LGBTs.
Em segundo lugar, os saudosistas não têm histórico para falar sobre o assunto. Vale lembrar que, já no final da ditadura, militares ainda perseguiam e reprimiam pessoas LGBTs. Em 1987, por exemplo, foi lançada a Operação Tarântula, no centro de São Paulo, com o objetivo de “combater a Aids e realizar uma limpeza moral”. Prisões indiscriminadas, pânico moral, torturas, humilhações e um clima de terror foram instaurados, especialmente contra transgêneros e travestis.
Em terceiro, o “patriota de camelô” parece não ser capaz de entender que defender um país não implica, necessariamente, em defender o governo de plantão. Ou, por acaso, o seu nacionalismo deixa de existir porque o governo brasileiro é atualmente comandado pelo PT? Se bem que nós não nos espantaríamos se os patriotas fake ficassem ao lado de Trump frente a uma agressão ao Brasil.
Por fim, mas não menos importante, é uma total mentira que Israel seja uma “democracia” em meio a ditaduras árabes. Israel é um Estado sionista que leva a cabo um projeto colonial de ocupação da Palestina. E, como um projeto colonial, se apoia em um regime de apartheid (existe uma cidadania judaica e uma árabe, de segunda categoria) e de limpeza étnica, em que o holocausto em Gaza é só a parte mais visível, mas que ocorre também na Cisjordânia.
Sobre os supostos direitos LGBTs em Israel, vamos dedicar um texto a isso, mas, só para mencionar, o país não reconhece o casamento homoafetivo nem existe lá o direito ao divórcio civil. As mulheres só podem se separar de seus maridos por consenso entre as partes e perante um julgamento de três rabinos. Não é preciso descrever como isso implica em uma situação de opressão. Além disso, a guerra total contra Gaza não tem poupado nada: hospitais, escolas, crianças, mulheres e pessoas LGBTs.
As contradições do Irã
Sim, é um fato que existe a pena de morte para gays no Irã. Contudo, a realidade é sempre mais complexa do que a simplificação barata que tentam vender. No mesmo Irã, paradoxalmente, há também um dos mais avançados sistemas de cirurgia de redesignação sexual para pessoas trans. Desde 1986, com uma fatwa (édito religioso com força de lei) do aiatolá Khomeini, a cirurgia de redesignação sexual foi declarada lícita para pessoas no país.
Isso significa que indivíduos que se identificam com um gênero diferente do seu sexo biológico podem obter permissão legal para passar por cirurgias e tratamentos hormonais. Houve períodos em que o governo iraniano até oferecia subsídios para as cirurgias de redesignação sexual, embora, recentemente, a tendência seja de menor apoio financeiro estatal. Não por acaso, o Irã é um destino para europeus que queiram se submeter ao processo.
Essa é, sem dúvida, uma grande contradição. Especialmente porque pessoas homossexuais se sentem pressionadas a fazer a transição. Já que o crime são as relações homossexuais, ao mudar de sexo você passa a ter uma relação heterossexual — fato que não deixa de ser uma forma de opressão.
Isso não significa que endossemos as violações, mas sim que a realidade é contraditória, e não um quadro em preto e branco como querem pintar. Tentar ganhar o apoio das pessoas com base na ignorância sobre o mundo é a tática dos que temem o debate e a profundidade.
Em defesa dos oprimidos em todo o mundo
Nossa presença na Parada do Orgulho LGBT+, levantando as bandeiras da Palestina livre e do Irã contra a agressão imperialista, não é uma contradição, mas a mais pura expressão do nosso internacionalismo de classe. Nós entendemos que a luta dos oprimidos é uma só, em todo o mundo.
Não defendemos os regimes teocráticos do Irã ou o Hamas na Palestina. Pelo contrário: somos solidários às pessoas LGBT+ perseguidas pelo regime iraniano e aos palestinos que sofrem sob a opressão tanto de Israel quanto de setores autoritários internos. Defendemos que o povo iraniano lute contra a ditadura dos aiatolás da mesma forma que estamos ao lado do povo palestino em sua luta por autodeterminação e liberdade.
Quando nos opomos aos bombardeios de Israel e dos EUA ao Irã, ou à ocupação da Palestina, é porque entendemos que o imperialismo norte-americano e o sionismo israelense são as maiores forças de opressão na região. Suas ações não visam a “libertação” de ninguém, mas sim a manutenção de seus interesses geopolíticos e econômicos.
O que esses “patriotas de camelô” não entendem é que os ataques militares, ao invés de enfraquecerem os regimes opressores, muitas vezes os fortalecem, unindo o povo em torno de seus governantes diante de um inimigo externo. Bombardeios e ocupações não trazem democracia ou direitos, apenas mais morte, destruição e o recrudescimento da opressão. Ao apoiar essas agressões, eles estão, na verdade, alimentando o apoio político a esses regimes, dificultando a construção de uma oposição genuína e a luta pela verdadeira liberdade e direitos humanos em Gaza, no Irã e em toda a região.
Nossa solidariedade é com os povos, e nossa luta é contra toda forma de opressão. É por isso que, na Parada do Orgulho LGBT+, levantamos a voz não apenas pelos direitos das pessoas LGBT+ no Brasil, mas por todos os oprimidos do mundo. Não aceitamos que a bandeira LGBT+ seja usada como “pinkwashing” para justificar genocídios e guerras imperialistas. A verdadeira liberdade só virá quando todos os povos forem livres para decidir seus destinos, sem intervenções e opressões externas.