A promoção de vinhos recorre cada vez mais às notas de críticos para fins de marketing. O sistema foi criado por Robert Parker, que se aposentou há anos, mas cuja influência ainda se faz sentir.

Foi uma viagem à França, no fim dos anos 1960, para acompanhar sua então namorada, que fez Robert Parker se apaixonar por vinhos. O hobby virou ofício em 1978, quando ele lançou uma publicação impressa com uma novidade: um sistema de pontuação em que cada garrafa era avaliada numa escala de 100 pontos — independentemente de origem ou produtor.

Em sua escala e segundo seu paladar, um vinho que obtivesse entre 96 e 100 pontos era considerado excepcional, enquanto os que marcavam entre 70 e 79 não deveriam ser comprados. O sistema caiu nas graças da indústria, por facilitar o marketing, e dos consumidores, por simplificar as escolhas.

Criado o sistema, faltava um grande teste para colocá-lo à prova. Em 1983, um punhado de críticos viajou a Bordeaux para degustar os recém-lançados vinhos da safra 1982. Enquanto muitos se mostraram reticentes quanto à qualidade, Parker foi enfático. Sua dica era simples: comprem caixas. Deu certo. A safra se provou uma das melhores dos últimos 50 anos. Ele então trocou a carreira de advogado pela de crítico de vinhos.

Parker tornou-se o mais influente de todos. Suas notas influenciavam os preços. Um estudo publicado no Economic Journal por Hela Hadj Ali, Sébastien Lecocq e Michael Visser mostrou que as resenhas de Parker podiam gerar aumentos de até 15% no preço de um rótulo. Em alguns casos, o impacto era ainda maior. Em novembro de 2014, após dar nota máxima ao Château Haut-Bailly 2009 — então menos conhecido do que outros vizinhos de Bordeaux — o preço da caixa com 12 garrafas subiu 45% em apenas três dias.

Esse poder moldou estilos. Muitos produtores passaram a fazer vinhos mais frutados, concentrados, opulentos — mais afinados com o gosto de Parker do que com a tipicidade de suas regiões. Surgiu até um termo para isso: “parkerização”, estudado academicamente. Mas o domínio do crítico também gerou polêmicas.

Em 1993, ao avaliar os vinhos da safra 1990 da Borgonha, elogiou vários rótulos de um produtor local, mas escreveu: “Do lado negativo, rumores circulam de que os vinhos exportados são menos ricos do que os provados nas caves — algo que tenho notado. Ummm…”

A família Faiveley não chegou a ler a resenha, mas o importador dos seus vinhos no Brasil, Ciro Lilla, dono da Mistral, leu — e avisou a casa fundada em 1825. François Faiveley ligou para seus advogados e processou o crítico por infâmia. O caso foi encerrado com um acordo judicial: Parker pagou um franco simbólico e reconheceu o erro. Os Faiveley não queriam dinheiro, queriam preservar a reputação.

Desde então, Parker passou a ser malvisto por alguns, mas seu impacto sobreviveu. Sua publicação migrou para o digital, acompanhando a expansão do e-commerce de vinhos. Em 2012, ele vendeu a participação majoritária para investidores asiáticos. Em 2019, anunciou sua aposentadoria. A Wine Advocate foi adquirida pelo guia Michelin, o mesmo que ranqueia os melhores restaurantes do mundo. O sistema de pontuação segue como um dos principais influenciadores do setor enológico global.

Vale a pena confiar tanto assim?

Na vida (ou no vinho) talvez valha lembrar uma entrevista do ator Marlon Brando, em 1989, à jornalista Connie Chung. Quando ela lhe perguntou o que achava de ser considerado o maior ator da história, o cachorro Tim, que o acompanhava, entrou no enquadramento. Brando não perdeu a deixa: “Esse cachorro é o maior ator de todos. Ele finge que me ama para conseguir o que quer.”

A jornalista insistiu. Brando foi direto:
“Essa é a parte da insanidade da América: pensar as coisas em termos de quem é o melhor, o pior, de viver nos extremos. Não gosto de pensar assim. Cada um tem seu valor e características próprias.”

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Last Update: 22/06/2025