A vassalagem autodestrutiva alemã: apoiando guerras em vez de buscar estabilidade energética.

As declarações recentes do chanceler alemão Friedrich Merz sobre Israel fazer o “trabalho sujo” para o Ocidente no conflito com o Irã chocaram a opinião pública internacional, pelo menos a parte que mantém um pouco de dignidade. Merz afirmou que “este é o trabalho sujo que Israel faz para todos nós” e expressou “grande respeito pelo fato de o Exército israelense e o governo israelense terem a coragem de fazer isso”. Essas palavras revelam uma realidade perturbadora: a Alemanha, em vez de buscar estabilidade energética e relações comerciais equilibradas, prefere apoiar guerras imperialistas que não beneficiam o povo alemão nem a Europa, apenas trazendo mais instabilidade e riscos à segurança europeia.

A guerra contra o Irã, na realidade, apenas aprofundará a crise energética alemã, aumentando os preços do gás e do petróleo. Se o Irã entrar em colapso como aconteceu com a Líbia, pode haver ainda uma grande crise migratória. Para onde irão os 90 milhões de iranianos se a economia do país se desintegrar como os Estados Unidos e Israel desejam? A resposta é clara: para a Europa, criando uma nova onda migratória que a região não está preparada para absorver.

O que a Alemanha perdeu com o fim do Nord Stream

Esta postura contrasta drasticamente com o que a Alemanha perdeu quando decidiu romper com o fornecimento energético russo através dos gasodutos Nord Stream. A sabotagem desses gasodutos em setembro de 2022 representou não apenas um ataque à infraestrutura energética europeia, mas também o fim de uma era de cooperação energética que beneficiava tanto a Rússia quanto a Europa. As evidências apontam cada vez mais para o envolvimento dos Estados Unidos nessa operação, que custou à Alemanha e à Europa centenas de bilhões de euros em prejuízos econômicos.

O Nord Stream 1, que operou de 2011 até sua sabotagem em 2022, transportava anualmente 55 bilhões de metros cúbicos de gás natural russo diretamente para a Alemanha através do Mar Báltico. Em 2021, o gasoduto transportou 59,2 bilhões de metros cúbicos, representando aproximadamente 4,9 bilhões de metros cúbicos mensais durante seus meses de operação plena. Com preços médios de gás natural na Europa variando entre 20-30 euros por MWh antes da crise, a Alemanha gastava aproximadamente 15-20 bilhões de euros anuais apenas com o gás do Nord Stream 1.

O Nord Stream 2, que nunca chegou a operar comercialmente devido às pressões geopolíticas, teria duplicado essa capacidade, adicionando outros 55 bilhões de metros cúbicos anuais. Juntos, os dois gasodutos representariam 110 bilhões de metros cúbicos anuais, equivalente a cerca de 9,2 bilhões de metros cúbicos mensais. Para colocar isso em perspectiva, o gás russo através do Nord Stream representava mais de 40% do consumo total de gás natural da Alemanha e cerca de 25% do consumo europeu.

A dependência europeia do gás russo

Outros países europeus também dependiam significativamente do gás transportado pelo Nord Stream. A Áustria e a Letônia dependiam da Rússia para mais de 80% de seu fornecimento de gás. A Itália, segundo maior cliente em volume, importava quase metade do que a Alemanha recebia. Países como Polônia, República Tcheca e Hungria também eram beneficiários indiretos do sistema de gasodutos russos que incluía o Nord Stream.

Cronologia da destruição: de gasoduto a sucata no fundo do mar

A cronologia da destruição do Nord Stream revela um padrão preocupante. O Nord Stream 1 foi gradualmente paralisado ao longo de 2022, com a Rússia alegando problemas de manutenção e sanções que impediam o retorno de turbinas. Em julho e agosto de 2022, o fornecimento foi reduzido drasticamente, e no final de agosto foi totalmente interrompido. A Gazprom afirmou que só retomaria o fornecimento quando as sanções contra a Rússia fossem suspensas.

Em 26 de setembro de 2022, às 02:03 hora local, uma explosão foi detectada no Nord Stream 2. Dezessete horas depois, o mesmo ocorreu no Nord Stream 1. As explosões submarinas foram confirmadas por sismólogos suecos e resultaram em três vazamentos separados a nordeste da ilha dinamarquesa de Bornholm. Três dos quatro dutos do sistema Nord Stream foram danificados, com a Nord Stream AG descrevendo os danos como “sem precedentes”.

As evidências do envolvimento americano

As evidências sobre o envolvimento americano na sabotagem são substanciais e perturbadoras. Meses antes da sabotagem, autoridades americanas fizeram declarações públicas que, em retrospectiva, soam como ameaças diretas. Em 7 de fevereiro de 2022, o presidente Joe Biden declarou categoricamente: “Se a Rússia invadir a Ucrânia, não haverá mais Nord Stream 2. Nós vamos acabar com ele.” Quando questionado sobre como faria isso, Biden respondeu: “Nós vamos… eu prometo que seremos capazes de fazê-lo.”

Victoria Nuland, subsecretária de Estado para Assuntos Políticos, foi ainda mais específica em 27 de janeiro de 2022: “Se a Rússia invadir a Ucrânia, de uma forma ou de outra, o Nord Stream 2 não seguirá adiante.” Ela acrescentou: “Como o senador Cruz gosta de dizer, ‘É atualmente um pedaço de metal no fundo do oceano’.” Essas declarações, feitas meses antes da sabotagem, demonstram que os Estados Unidos não apenas tinham a intenção de impedir o funcionamento dos gasodutos, mas também possuíam os meios para fazê-lo.

Em fevereiro de 2023, o jornalista investigativo Seymour Hersh publicou um relatório detalhado alegando que os Estados Unidos executaram uma operação secreta para destruir os gasodutos Nord Stream. Segundo Hersh, a operação envolveu mergulhadores da Marinha americana com ajuda da Noruega, e a decisão de Biden de sabotar os gasodutos veio após nove meses de discussões secretas de alto nível. Embora a Casa Branca tenha rejeitado categoricamente o relatório, as evidências circunstanciais são convincentes.

Quem se beneficiou da sabotagem

O contexto geopolítico reforça essas suspeitas. Os Estados Unidos sempre se opuseram ao Nord Stream 2 desde sua concepção, vendo o gasoduto como um instrumento de influência russa na Europa. A administração Trump ameaçou sanções contra empresas envolvidas no projeto, e os EUA tinham interesse econômico direto em substituir o gás russo por gás natural liquefeito (GNL) americano. Após a sabotagem, os fornecedores de GNL americano aumentaram sua participação nas importações europeias de 6% para 19%.

O custo devastador para a Alemanha

Os prejuízos econômicos para a Alemanha foram devastadores. Institutos econômicos que assessoram o governo alemão estimaram um impacto de 220 bilhões de euros (US$ 240 bilhões) na produção nos dois anos seguintes à interrupção do fornecimento de energia russa. Isso equivale a 6,5% da produção anual alemã. A suspensão total das importações de gás russo resultou em uma “forte recessão”, com o crescimento econômico alemão sendo revisado de 4,8% para 2,7% em 2022.

A inflação alemã atingiu 7,6% no primeiro mês da guerra, o maior nível desde a reunificação no início dos anos 90. A indústria química alemã, que dependia do gás como fonte de energia primária, foi particularmente afetada. Cerca de 50% das residências alemãs eram aquecidas com gás, criando uma crise energética doméstica sem precedentes. O governo alemão teve que elaborar pacotes de auxílio para empresas em dificuldades, incluindo empréstimos, garantias e injeções de capital, especificamente para empresas de energia.

O impacto em toda a Europa

Os impactos se estenderam por toda a Europa. Antes da invasão da Ucrânia, mais de 40% do gás natural importado pela Europa vinha da Rússia. Mesmo em 2023, a Europa ainda importava 14,8% de seu gás total da Rússia, com 8,7% chegando por gasodutos e 6,1% na forma de GNL. A perda do Nord Stream forçou a Europa a competir no mercado global de GNL, onde os preços eram significativamente mais altos.

O GNL passou a representar 34% do consumo europeu em 2022 e 37% em 2023, comparado a apenas 19% em 2021. Essa mudança forçada custou centenas de bilhões de euros adicionais aos consumidores europeus. Países como Áustria e Letônia, que dependiam da Rússia para mais de 80% de seu fornecimento de gás, enfrentaram crises energéticas severas.

A Europa refém dos interesses americanos

A restauração dos gasodutos Nord Stream seria tecnicamente possível, mas custaria aproximadamente 500 milhões de euros. A Nord Stream AG, subsidiária da Gazprom, encerrou suas operações e demitiu 106 funcionários após a sabotagem. O projeto de US$ 11 bilhões tornou-se, literalmente, sucata no fundo do mar.

Os verdadeiros beneficiários da sabotagem foram os fornecedores de energia americanos. As empresas europeias agora pagam preços de energia 4-5 vezes maiores que seus concorrentes americanos, prejudicando gravemente a competitividade industrial europeia. Washington efetivamente chantageou a Europa, forçando-a a abandonar fontes de energia baratas e confiáveis em favor de alternativas caras controladas pelos Estados Unidos.

A sabotagem do Nord Stream representa um dos maiores atos de terrorismo econômico da história moderna. Destruiu a autonomia energética europeia, custou centenas de bilhões de euros aos contribuintes europeus e forçou a Europa a uma dependência energética dos Estados Unidos que beneficia apenas os interesses americanos. Enquanto isso, líderes como Friedrich Merz aplaudem guerras que só aprofundarão a crise energética e migratória europeia, demonstrando como a Europa se tornou refém dos interesses geopolíticos americanos, sacrificando o bem-estar de seus próprios cidadãos no altar da hegemonia atlântica.

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Last Update: 22/06/2025