Peça 1 – A investigação sobre a Petrobras
Na ação movida contra a Petrobras, nos Estados Unidos, o primeiro grande erro foi do Ministro da Justiça José Eduardo Cardoso, de transferir a cooperação internacional para a Procuradoria-Geral da República. Por sua vez, o PGR Rodrigo Janot transferiu todos os contatos para o Grupo de Trabalho da Lava Jato. E o GT aliou-se ao DoJ (o Departamento de Justiça norte-americano).
O auge dessa postura antinacional foi a ida aos EUA de um grupo da Lava Jato, chefiado pelo próprio PGR Janot, levando informações contra a Petrobras e trazendo informações contra o acordo nuclear.
Foram abertas duas ações contra a empresa, uma da SEC (a Comissão de Valores Mobiliários) dos EUA e outra do próprio Departamento de Justiça. A da SEC justificava-se, mas foi turbinado pela própria Lava Jato, ao aumentar de forma irreal os custos da corrupção para a Petrobras.
Ora, todas as denúncias eram ligadas à construção civil. A Petrobras possui um departamento incumbido de definir as bases dos contratos de licitação. Suas avaliações jamais foram colocadas em dúvida. Portanto, as propinas pagas saíam das margens de lucros das construtoras.
Esses dados jamais foram levados em conta pela Lava Jato, mais interessada em turbinar seus números e ajudar no desmonte das empresas nacionais, assim como das class action – as ações coletivas abertas em nome de acionistas, pedindo indenização.
Mas a ação do DoJ poderia ter sido interrompida, se o governo brasileiro tivesse um mínimo de competência jurídica.
André Araújo, nosso colaborador, e profundo conhecedor dos meandros da diplomacia e da justiça norte-americana mostrou várias vezes o caminho a ser seguido.
A União, que é acionista majoritária, poderia ter invocado imunidade funcional para a Petrobras – uma estratégia embasada no tratado de cooperação internacional com os Estados Unidos em matéria penal, em vigor no Brasil desde 2001.
“O Brasil bastaria invocar, através de seu canal diplomático, essa cláusula de interesse nacional, alegando que a Petrobras não está sob jurisdição [dos EUA] no que concede à lei anticorrupção de 1971, que é a FPCA. O governo americano jamais criaria caso com o Brasil”, disse Araújo ao GGN.
“Considero ainda absurdo pensar que o governo americano fosse pensar em uma sanção contra a Petrobras, que é a maior cliente dos combustíveis dos EUA. Quer dizer, o Brasil não usou nenhuma arma diplomática. O governo teria todo o peso para fazer, e não fez por vergonha ou talvez timidez. Isso é uma coisa que não se trata como subalterno. É de País para País”, acrescentou Araújo.
Araújo se referia ao MLAT (Acordo de Assistência Jurídica Mútua em Matéria Penal entre o Governo da República Federativa do Brasil e o Governo dos Estados Unidos da América).
O MLAT é um tratado bilateral que estabelece os procedimentos e as condições para que Brasil e Estados Unidos possam prestar assistência mútua em investigações, inquéritos, ações penais e processos relacionados a delitos de natureza criminal. Ele foi celebrado em Brasília em 14 de outubro de 1997 e corrigido em sua versão em português por troca de notas em 15 de fevereiro de 2001, sendo finalmente promulgado no Brasil em maio de 2001.
Embora o MLAT não mencione explicitamente “empresas estratégicas”, a proteção dessas empresas está implícita na cláusula de “segurança ou interesses essenciais semelhantes do Estado Requerido”. Se um pedido de assistência envolver informações ou ações que possam comprometer uma empresa considerada estratégica para a segurança ou economia nacional, o país requerido pode invocar essa cláusula para negar ou condicionar a assistência.
Mesmo assim, nada foi feito nem pelo Ministro da Justiça nem pela chancelaria brasileira.
Já fora do governo, Cardoso atribuiu a condenação da Petrobras nos EUA à falta de ação de seu sucessor no Ministério da Justiça.
Peça 2 – Em cima da hora
Michel Temer assumiu o governo em 31 de agosto de 2016, após o golpe do impeachment e o caso Petrobras continuou solto. A maior empresa brasileira, motor do desenvolvimento brasileiro, sendo rifada pela Lava Jato, com apoio total da mídia, e sem a defesa institucional.
O DoJ estava prestes a declarar a Petrobras empresa inidônea. Se isso ocorresse, prejudicaria seus negócios em todo mundo, o preço das ações despencaria, abrindo espaço para novas class action que sugariam o que restaria de capital para a empresa.
Faltando poucos dias para o desfecho, o então Ministro das Relações Exteriores, Aloysio Nunes Ferreira, pediu apoio da Procuradoria-Geral da República. Não havia mais espaço para atuação diplomática.
O Attorney General (Estados Unidos), chefe do Departamento de Justiça (Department of Justice – DoJ) só aceitaria conversar com seu correspondente no Brasil. A então PGR Raquel Dodge tinha poucos dias para preparar a defesa do país.
Imediatamente pediu a seus assessores um amplo levantamento das ações da Lava Jato, especialmente a comprovação de que os pagamentos de propinas foram dirigidos a diretores da companhia. Ou seja, não era uma empresa corrupta, mas vítima de atos de corrupção.
Convocou duas procuradoras, uma das quais ex-estudante de Harvard, e durante dois dias preparou-as para o questionamento que seria feito, após a apresentação dos documentos. Ex-aluna de Harvard, Dodge sabia da lógica de raciocínio jurídico da instituição. Haveria perguntas objetivas sobre os documentos, demandando respostas objetivas.
As duas procuradoras embarcaram para os Estados Unidos levando documentos traduzidos e assinados por autoridades brasileiras. Foram levadas até um escritório do FBI, a Polícia Federal norte-americana. Foram acompanhadas pelo embaixador Sérgio Silva do Amaral. Todos foram revistados, antes de entrar, e o embaixador foi barrado. Entraram apenas as duas procuradoras. A alegação é que seria uma arguição técnica entre órgão homólogos.
Aparentemente, se saíram bem da arguição. Cada pergunta era respondida com indicação de onde estava a resposta nos documentos, conforme o treinamento feito com Raquel Dodge.
Saíram de lá sem a resposta do DoJ. Tempos depois, veio a informação de que o DoJ reconhecia que a Petrobras fora vítima de corrupção e devolvia ao governo brasileiro 80% da multa cobrada. Reconhecia-se a Petrobras como vítima.
Aí entra em cena nova tentativa de golpe da Lava Jato.
Peça 3 – A jogada do acordo judicial
Definida a devolução de parte da multa, imediatamente o GT da Lava Jato Paraná se pôs a campo. Com a Petrobrás sendo assessorada pelo escritório de René Ariel Dotti (advogado criminalista do Paraná indicado pela Lava Jato), foi assinado um acordo entregando todos os recursos à Fundação que seria gerida pelos próprios procuradores.
O “acordo” definia a destinação dos recursos:
“2.3.1. 50% (cinquenta por cento) para o investimento social em projetos. Iniciativas e desenvolvimento institucional de entidades e redes de entidades idóneas. educativas ou não, que reforcem a luta da sociedade brasileira contra a corrupção com os seguintes fins:
(i) afirmação de uma cultura republicana de respeito à legalidade e aos valores democráticos, de modo apartidário, por meia da promoção da cidadania, da formação de lideranças e do aperfeiçoamento das práticas políticas promover a conscientização da população brasileira importância da integridade no ambiente público e privado; sobre
(ii) fortalecimento da sociedade civil brasileira e fomento à participação, prevenção e controle social da corrupção”.
Mais:
“50% (cinquenta por centos para a satisfação de eventuais condenações ou acordos com acionistas que investiram no mercado acionário brasileiro (B3) e ajuizaram ação de reparação. inclusive arbitragens, até a data de 08 de outubro de 2017, sendo certo que a reserva desse montante para tal finalidade não limita a eventual responsabilidade da PETROBRAS em demandas judiciais e arbitrais decorrentes de possíveis prejuízos ocasionados a seus acionistas”
A data de corte era uma verdadeira impressão digital. Até então, as grandes ações contra a Petrobras tinham sido propostas pelo advogado Modesto Carvalhosa, tratado como parceiro e aliado da Lava Jato nos diálogos revelados pela Operação Spoofing.
A grande jogada da Lava Jato foi aprovar o acordo com a Petrobras na 13ª Vara. Todo acordo de doação é considerado um contrato, envolvendo duas partes: quem doa e quem recebe. A homologação judicial foi utilizada como estratégia para validar acordos, evitando questionamentos administrativos. A juíza Gabriela Hardt, substituta de Sérgio Moro na 13ª Vara, foi responsável por homologar o acordo.
A homologação foi classificada como um ato de jurisdição voluntária, pois não havia conflito entre as partes. Se não havia conflito, não haveria como recorrer a um recurso ao Tribunal Regional Federal.
A apelação só pode ser feita por uma das partes. Se as duas concordam, não haveria como recorrer.
O orçamento da nova fundação – de R$ 2,6 bilhões – superava o orçamento do próprio Ministério Público Federal (R$ 550 milhões em 2019) e dos fundos eleitorais, de R$ 1,7 bilhão naquele ano.
Peça 4 – A ADPF inédita
Encurralada pelo conluio Lava Jato-Gabriela Hardt, Raquel Dodge tentou uma carta alta: uma Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF), com Pedido Liminar, ao Supremo Tribunal Federal. Em geral é utilizada contra atos do poder executivo. Usou-se contra uma decisão de 1ª Instância coberta de ilegalidades.
A base da ADPF era:
“Decisão judicial, inclusive as de natureza homologatória, que atribui a um órgão do Estado brasileiro – o Ministério Público Federal – o desempenho de função e obrigações que extrapolam os limites constitucionais de sua atuação e que implica verdadeira concentração de poderes entre a atividade de investigar e atuar finalisticamente nos processos judiciais e de executar um orçamento bilionário, cuja receita provém de acordo internacional do qual não é parte nem interessado, viola princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, notadamente o da separação de poderes, além dos demais preceitos fundamentais indicados no preâmbulo desta petição”.
A decisão da juíza Hardt beirava a hipocrisia:
“Sem a intervenção do MPF e da Petrobrás, muito provavelmente não seria possível a amortização de 80% da multa milionária pactuada no acordo com as autoridades daquele país, mediante pagamentos e investimentos de interesse coletivo no território nacional.
Por esta circunstância concreta, é o MPF a entidade melhor posicionada para a celebração do presente acordo com a Petrobrás.
Nessas condições, entendo que o acordo merece homologação.”
Era fantástico! A autoridade máxima do MPF era a Procuradoria-Geral da República. Hardt entregava esse poder à Lava Jato.
A ADPF era uma demonstração inequívoca dos crimes cometidos pela Lava Jato e pela juiz Hardt. Dizia ela:
“A análise sistemática dos termos deste Acordo, acima destacados, evidencia que a responsabilidade pela gestão e aplicação desses vultosos valores foi entregue aos Procuradores que integram a Força-Tarefa Lava Jato Curitiba, que foram signatários de um pacto de natureza administrativa, sem terem poderes constitucionais e legais para tanto, e levaram-no à homologação em juízo sem competência jurisdicional para a matéria, que assim agindo feriu o artigo 109-1 da Constituição.
Assim, desviaram-se de suas funções constitucionais ao assumir o compromisso de desenvolver uma atividade de gestão orçamentária e financeira de recursos, por meio de uma fundação de direito privado, em situação absolutamente incompatível com a s regras constitucionais e estruturantes da atuação do Ministério Público, violando a separação das funções de Estado e da independência funcional dos membros do Parquet”.
No artigo 129 das funções institucionais do MP estava claro:
“IX – exercer outras funções que lhe forem conferidas, desde que compatíveis com sua finalidade, sendo-lhe vedada a representação judicial e a consultoria jurídica de entidades públicas”.
A ADPF relacionava 13 descumprimentos de princípios cíveis. Não relacionou as infrações de natureza criminal.
Mesmo sendo notório o abuso, o pleito da Lava Jato foi endossado pela Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR), que participou do julgamento como amicus curiae em defesa da Lava Jato, em um dos atos mais lesivos à imagem da corporação.
Na ADPF, cuidava-se também, de impedir a apropriação das verbas por Sérgio Moro, àquela altura Ministro da Justiça. Definia-se que não poderia ficar sob a guarda de ninguém que participou da operação Lava Jato, ou seja, da Polícia Federal, MPF e órgãos sob controle do Ministério da Justiça.
Ali começava a reinstitucionalização do organismo judicial brasileiro, terrivelmente corrompido pelo Mensalão, Lava Jato e impeachment.
Peça 5 – Os gatos no porão da PGR
A APDF evitou a consumação de um dos maiores crimes judiciais do país. Serviu de base para uma investigação do Conselho Nacional de Justiça, que acusou diretamente Sergio Moro, Deltan Dallagnol e Gabriela Hardt por vários crimes.
A impunidade tem sido garantida pelo Ministro Luís Roberto Barroso – complacente com todos os crimes de pessoas de suas relações – e pelo PGR Paulo Gonet. Este ainda tem votos de fé de colegas críticos da Lava Jato, que atribuem a inação ao excesso de demandas do julgamento de 8 de janeiro.
Mas há muito mais gatos no sótão do que supõe a vã filosofia.
Até agora, foram levantados os seguintes crimes, alguns que sequer mereceram o passo inicial da organização: a correição.
- Sistemas de grampo implantados no MPF do Paraná, que permitiam grampear, sem ordem judicial, qualquer ligação feita para lá, ou por celulares de procuradores. Há vários HDs com gravações nos porões da PGR.
- Denúncias da ex-juíza Luciana Bauer, sobre manipulação dos sistemas de catalogação de inquéritos na 13a Vara.
- Laudos comprovando que as ações da Lava Jato eram manipuladas nos sistemas do Superior Tribunal de Justiça, para permitir cair com procuradores simpáticos à causa.
- Laudos comprovando a existência de um banco de dados paralelo – chamado internamente de deep web – na qual eram escondidos inquéritos que não interessavam ao grupo.
- Grampos colocados na sala da PGR Dodge. Apesar da impressão digital de um dos responsáveis, deixada na parede da sala, e da investigação da Polícia Federal, nada foi apurado.
- Os R$ 35 milhões recebidos da Eletrobras pelo escritório W Faria, que tinha como sócio recém-admitido o ex-procurador Carlos Fernando dos Santos Lima, em uma contratação escandalosa, patrocinada pela ex-Ministra do STF Ellen Gracie, condenado pelo Tribunal de Contas da União, e que até agora permanece sem apuração.